Ao falarmos sobre a população em situação de rua (PSR) nos referimos ao “(...) grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória” definição dada pela Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR).
Não há no estado do Pará, nem na maior parte dos estados do Brasil, dados concretos e atualizados sobre a população que se encontra atualmente em situação de rua. Essa lacuna se dá devido ao Censo Demográfico Brasileiro, realizado pelo IBGE, considerar para sua pesquisa apenas pessoas residentes em domicílios.
Frente a essa lacuna de dados, a Fundação Papa João XXIII (FUNPAPA), no ano de 2016, buscou identificar quem são essas pessoas em situação de rua no município de Belém. Esse referencial, entretanto apresenta uma perspectiva defasada, pois levou em consideração apenas as pessoas atendidas pelos equipamentos socioassistenciais da fundação. Entretanto, não foram encontradas outras fontes de informação mais atuais na literatura. Foram identificadas 822 pessoas atendidas pelo órgão, dentre essas a grande maioria eram do sexo masculino, na faixa etária de 31 a 40 anos. Dentre os participantes da pesquisa, em torno de 70% relataram o uso de algum tipo de droga, com ênfase ao uso de álcool e crack. Observa-se ainda que mais da metade são provenientes das cidades da região norte do país.
A pandemia da COVID-19 foi decretada oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 11 de março de 2020, a principal forma de prevenção aà contaminação foi através das medidas de isolamento social e do uso de máscara . Em Belém do Pará, o primeiro caso oficialmente notificado se deu em 18 de março de 2020, a partir de então as medidas de isolamento foram sendo implementadas progressivamente, o primeiro loockdown inicou no dia 7 de maio de 2020 .
Essas medidas de isolamento, entretanto, não se aplicam a população em situação de rua, visto que estas não possuem residências convencionais e habitam espaços públicos, na maioria das vezes compartilhados, sendo necessário assim a formulação de medidas específicas direcionadas a esse público, afim de garantir o direito a saúde dessa população durante esta situação emergencial. Desta foram, este trabalho objetivou apresentar como a pandemia do Covid-19 impactou a população em situação de rua no munícipio de Belém do Pará e quais foram às medidas de cuidado desenvolvidas pelo governo durante este período.
Para alcançar esse objetivo foi realizada uma pesquisa nas principais bases de dados online, entretanto visto a escassez de recursos encontrados considerou-se necessário realizar também uma busca em fontes primárias, utilizando sites e artigos de jornais eletrônicos que relatam como se deu o avanço das medidas de saúde implantadas pelo governo municipal e estadual.
Foi identificada como principal medida governamental para enfretamento da situação de emergência em saúde em função da COVID-19 a criação de abrigos emergenciais em espaços adaptados, sendo um destes o ginásio poliesportivo Altino Pimenta, gerenciado pela Prefeitura Municipal de Belém, o Estádio Olímpico Mangueirão e a Arena Guilherme Paraense (Mangueirinho), gerenciado pelo Governo do Estado do Pará, e a modificação do funcionamento dos três Centros Pop geridos pela Prefeitura que, devido à pandemia, foram temporariamente reestruturados para o abrigamento da PSR. De acordo com noticias divulgadas pelo Governo do Estado, nos primeiros meses de abertura dos serviços de acolhimento só o Estádio Mangueirão chegou a abrigar mais de 700 pessoas.
Dentro destes espaços de acolhimento emergenciais eram disponibilizados alimentação, kits de higiene e proteção (como máscaras e álcool em gel), além de atividades de esporte e lazer. Era possível também proporcionar cuidados de saúde, através dos ambulatórios montados no local, e o acesso a serviços socioassistenciais, a exemplo o cadastro dos usuários do espaço no programa Auxilio Emergencial do Governo Federal.
Entretanto, os governos não estavam preparados para receber a expressiva demanda de pessoas desabrigadas. Isso se deu principalmente devido a falta de dados quantitativos sobre a população em situação de rua em Belém do Pará no período anterior a pandemia, como mencionado anteriormente. Além disso, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) declara que houve um aumento significativo na estimativa dos números desta população da região durante o período da pandemia, sendo o município de Belém um dos maiores índices de crescimento , o que causou uma sobrecarga ainda maior nos frágeis equipamentos de saúde direcionados a essa população.
Durante a pandemia, a informalidade das relações de trabalho e o desamparo do Estado levaram diversas famílias, que já viviam em condições de vulnerabilidade, a perderem sua fonte de renda e, sem alternativa, se estabelecerem nos logradouros públicos. Devido às condições extremas de saúde, diversas organizações não governamentais (ONGS) que anteriormente prestavam suporte para a PSR encerraram suas atividades, tornando a distribuição de alimentos e doações ainda mais escassas principalmente nos períodos iniciais de pandemia.
Aponta-se ainda, como uma das medidas de proteção tomadas pelo governo (em âmbito Federal) a inclusão da PSR no grupo prioritário no Plano Nacional de Vacinação. Entretanto, visto o histórico de violência institucional do estado para com este grupo, a amplitude de alcance vacinal em Belém ficou em abaixo do esperado.
Observa-se, através dos fatos apresentados, que a pandemia realçou e escancarou as condições de abandono e negligência estatal que a população em situação de rua do munícipio de Belém do Pará já estava sujeita. Durante o período da pandemia, mesmo que houvessem esforços governamentais com o intuito de garantir o direito a saúde da população em situação de rua, devido ao apagamento da pauta politica-social que é o cuidado em saúde com a PSR não foi possível suprir as demandas reais que esse grupo apresentava no percurso da pandemia. Isso se deu devido a falta de articulação dos equipamentos de saúde voltados para este público, a falta de dados sociodemográficos sobre a PSR e ao estigma social que perpassa essa população.
A fala recolhida de uma das entrevistas analisadas reflete bem como se deu a repercussão da pandemia da COVID-19 na população em situação de rua: “Essa doença [Covid-19] me afetou muito. Eu não fiquei doente, mas ela quase me matou de outras formas(...)”. Espera-se, com este trabalho, abrir espaço para debates que estimulem a pesquisa sobre os impactos a longo prazo da pandemia na PSR e discussões em prol da ampliação e garantia de direitos destes sujeitos.