O trabalho ora apresentado, trata-se de um relato de experiência acerca dos aprendizados acumulados durante o estágio optativo, assegurado pelo Programa de Residência de Atenção à Saúde Mental da UFSM e realizado junto ao Centro de Atenção Psicossocial AD III Samambaia, inaugurado em 2014 e localizado na Asa Sul de Brasília/DF. Durante o período de trinta dias no mês de setembro de 2023. O objetivo é socializar um relato de experiência que contribua na discussão da formação dos profissionais da área da saúde, especialmente da atenção à saúde mental. A cidade de Brasília é conhecida internacionalmente pela sua arquitetura moderna, palácios, ministérios e secretarias de âmbito federal. Este conjunto de edificações está na região central, tradicionalmente elitizada e segregada das cidades do entorno. Fora do centro estão as cidades satélites, a Samambaia, com aproximadamente 240 mil habitantes, é uma delas e a maioria da população é de baixa renda. O serviço CAPS AD III Samambaia atende pessoas em sofrimento psíquico intenso devido ao uso de álcool e outras substâncias. A vivência deu-se no segundo ano de residência. Optou-se pelo programa de Saúde Mental do Adulto da Escola Superior de Ciências da Saúde a partir das informações disponíveis no site oficial sobre a oferta de cursos de Pós-graduação Lato Sensu. A ESCS é uma instituição pública e gratuita vinculada à Secretaria de Estado de Saúde do DF. Durante o período da vivência em estágio optativo, buscou-se aprimorar a qualidade de formação na área da saúde mental em outro território. Diversas reflexões foram elaboradas, tendo em vista que a região em que o CAPS está é estigmatizada, bem como a população que acessa o serviço é periférica e sofre diversas formas de preconceito. Seja de ordem social, racial, econômica, territorial e de gênero. Existem dezoito CAPS na Rede de Atenção Psicossocial do Distrito Federal, sendo apenas três na modalidade AD III que funciona vinte e quatro horas, incluindo finais de semana e feriados, conforme Portaria nº 130/2012 além de dispor de internação. Esta quantidade é insuficiente, pois a população da capital brasileira é de 2.817.068 pessoas, de acordo com o Censo 2022. A demanda é visivelmente alta devido as filas que se formam durante o dia e o fato das vagas de internação estarem sempre lotadas (8 para homens e 4 para mulheres). O público é predominantemente masculino e é formado majoritariamente por pessoas em situação de rua. Por isso é pertinente manter um diálogo constante com os Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros Pop), unidade da política de Assistência Social. As atividades realizadas pela equipe são atendimentos individuais, acolhimento à demanda espontânea, articulação com a rede e vários grupos terapêuticos ou de convivência são oferecidos semanalmente com diversos propósitos, tais como: relaxamento, música, costura, cinema, boas vindas, caminhada, entre outros. O grupo de família é um dos mais antigos do CAPS, frequentam somente mulheres pois historicamente elas são referência de cuidado. Dessa forma, houveram diversos relatos sobre exaustão emocional e sobrecarga física. O grupo de mulheres era um espaço diverso, participava uma mulher trans, mulheres negras, mães, usuárias que estavam internadas no CAPS ou que já frequentavam o serviço há meses. O uso de álcool era percebido como prejudicial pela maioria das integrantes do grupo. Logo, estabeleceu-se um acordo coletivo de não julgar umas às outras e não impor opiniões pessoais. Como instrumentos de trabalho, destacam-se, as visitas domiciliares, a elaboração do Projeto Terapêutico Singular, genograma e ecomapa, sempre dentro de um processo de corresponsabilidade das decisões entre usuários, profissionais e serviços. Em respeito à autonomia e aos interesses dos usuários que recorrem ao serviço para iniciar o tratamento em saúde mental. Nesse sentido, as atividades coletivas são realizadas conforme preconiza a Reforma Psiquiátrica da década de 1970, na defesa do cuidado de saúde em liberdade. A democratização do acesso à saúde acontece nas assembleias mensais, onde reúnem-se usuários, familiares, profissionais e residentes para dialogar de forma horizontal sobre o funcionamento deste estabelecimento de saúde com sugestões e ideias de melhorias benéficas para toda a comunidade que convive no CAPS. A reunião de equipe ocorre semanalmente, sendo um lócus importante de educação permanente. Em uma destas reuniões houve uma fala da ativista antiproibicionista Juma Santos, representante da “Tulipas do Cerrado”, organização sem fins lucrativos fundada em 2005 que dialoga sobre redução de danos. A ocasião proporcionou reflexões sobre o uso de substâncias psicoativas e o apoio às pessoas em situação de rua. Este coletivo integra a rede de redução de danos e profissionais do sexo do DF e entorno. Os registros das atividades mencionadas acima são incluídos no formulário online de produtividade individual e nos prontuários físicos. Dois turnos por semana eram voltados para a discussão de textos e casos, espaços compartilhados entre residentes e tutores. O eixo multiprofissional aconteceu dentro do serviço com a condução intercalada das tutoras dos seguintes núcleos profissionais, Serviço Social, Terapia Ocupacional e Psicologia. O eixo transversal reuniu residentes inseridos em outros serviços da rede com a condução de outros professores vinculados ao programa. Destacou-se a temática dos Serviços Residenciais Terapêuticos, família e etilismo. Em razão de incentivo do próprio programa da ESCS, a autora participou da I Conferência Livre Nacional das Residências em Saúde Mental, no final do mês de setembro de forma remota. Este evento foi uma oportunidade de conhecer residentes e tutores de outras instituições como a Fiocruz. O referido encontro favoreceu estar entre profissionais da saúde que se identificam como ativistas no movimento de luta antimanicomial. Ao se despedir da equipe do CAPS, a autora deixou como sugestão aprofundar a discussão sobre relações énico raciais, visto que grande parte dos usuários que buscam o serviço são pessoas negras, além de um usuário indígena que estava frequentando o CAPS. Esta vivência foi um mês intenso de amadurecimento profissional. Exigiu resiliência e flexibilidade com a imersão em um novo contexto. Os diálogos trocados e as parcerias constituídas mostraram que é possível romper com a lógica manicomial, independente de ter grades nas janelas. Desde que o compromisso ético político com a desinstitucionalização esteja presente no cotidiano profissional. Os retornos para o programa de residência de origem aconteceram no formato de relato da vivência em reunião de equipe, tutoria de campo e tutoria de núcleo do Serviço Social. No CAPS AD III Samambaia havia uma sala de repouso dos residentes, portanto, foi sugerida a implantação de sala de repouso no prédio onde está situada a coordenação do programa de origem e sugestão de Jornada Acadêmica para produção e apresentação de trabalhos dos residentes. Acreditar, defender e investir em um projeto de cuidado para a população usuária dos serviços de saúde mental é desafiador e depende de muitas mentes e corações. A experiência da autora deste resumo só foi possível devido ao conhecimento das experiências anteriores de outras residentes. O relato delas foi fonte de inspiração e força para conhecer o Sistema Único de Saúde na capital brasileira.