Apresentação:
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) os saberes populares são reconhecidos e valorizados, pois a união do conhecimento científico e empírico fortalece os vínculos entre os profissionais de saúde e usuários, bem como potencializa a coordenação do cuidado em saúde, compreendendo o paciente em sua forma holística por considerar seus saberes sociais e culturais.
Nessa conjuntura, destaca-se a Educação Popular em Saúde (EPS) que possui como princípios a inclusão da população, a integralidade do cuidado e a humanização em saúde; de modo a integrar a comunidade no processo de cuidado, estimulando o empoderamento, a constituição da visão crítica, a participação ativa da comunidade e consequentemente a equidade em saúde. A EPS por meio da estratégia da participação ativa e escuta qualificada, auxilia os usuários a compreenderem suas condições de saúde, possibilita a reflexão sobre a importância do autocuidado para o controle efetivo e regular das doenças, como também os capacita para a tomada de decisões e gerenciamento de suas comorbidades.
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Diabetes Mellitus (DM) configuram-se como comorbidades de maior prevalência no Brasil e no mundo, sendo importante agregar recursos e estratégias que auxiliem no manejo dessas doenças, sendo a EPS uma possibilidade de colaborar no alcance de metas de controle dessas doenças. Acreditamos que essa abordagem pode promover uma compreensão ampla sobre os cuidados em saúde e os aspectos que envolvem as condições de saúde, pois são muitos os hábitos prejudiciais à saúde adquiridos pelos pacientes.
Nesse contexto, a Atenção Primária à Saúde (APS) é um espaço propício para a implementação da EPS, por ser a porta de entrada dos usuários aos serviços de saúde e acompanhar a saúde das pessoas de forma integral. Posto isso, esse estudo tem como objetivo relatar a experiência das ações de EPS no contexto da APS a partir das vivências de acadêmicos de enfermagem no grupo de hipertensos e/ou diabéticos (Hiperdia).
Desenvolvimento do trabalho
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência referente às experiências adquiridas no módulo de Vivências de Extensão IV do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Esse módulo busca garantir a curricularização da extensão e provoca a integração do ensino, pesquisa e extensão. Foi cenário do estudo a Unidade Básica de Saúde e os equipamentos sociais do território adscrito, como igrejas, ruas e a Sociedade de Apoio à Família Sobralense (SAFS) de uma cidade da região norte do Ceará. As atividades foram programadas para acontecer às terças, quartas e quintas-feiras, no período de agosto a novembro de 2023.
Os momentos foram desenvolvidos em colaboração com os profissionais da APS, principalmente os Agentes Comunitário de Saúde (ACS) que possuem um vínculo maior com os usuários e possibilitaram a criação e fortalecimento do laço entre os estudantes e a comunidade. Participaram da experiência as pessoas do grupo Hiperdia, que em sua maioria eram idosos. O grupo de Hiperdia corresponde ao acompanhamento de usuários acometidos por Diabetes Mellitus (DM) e/ou Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) pela Unidade Básica de Saúde (UBS) através de momentos de educação em saúde.
A metodologia adotada para a abordagem do grupo foram as rodas de conversa para estimular a troca de saberes entre os participantes. As temáticas trabalhadas foram voltadas para os hábitos saudáveis de vida, Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus e medicamentos fitoterápicos no tratamento da hipertensão e diabetes. Para sistematização da experiência utilizamos a observação participante e o diário de bordo.
Resultados
Partindo do pressuposto que a EPS valoriza o conhecimento prévio das comunidades e promove o protagonismo da população no seu processo de cuidar, a estratégia inicial adotada foi identificar o contexto em que a população estava inserida para o planejamento das intervenções. Além disso, idealizamos a realização de encontros nos espaços em que os idosos frequentavam, a fim de levar a EPS para além dos muros da unidade de saúde, ir até onde os usuários costumam se reunir para conversar e debater questões cotidianas, com o intuito de tornar os momentos mais descontraído e aproximar os mesmos de sua realidade.
Uma roda de conversa sobre a hipertensão arterial foi realizada, na qual o ponto de partida para o diálogo foi, principalmente, o cotidiano das pessoas e suas percepções. Os participantes eram instigados a discutirem sobre o que entendiam acerca da hipertensão e quais seus conhecimentos prévios. A partir disso, elaboramos um mapa mental em conjunto, com o intuito de captar as ideias, uma vez em que é necessário compreender as informações que carregam sobre suas condições de saúde, pois isso facilita a compreensão acerca do tratamento e os torna mais autônomo sobre seu processo de cuidado.
Observamos que os usuários possuem concepções advindas das experiências que possuem ao conviver com a doença, dos sintomas que os mesmos manifestam, bem como são conscientes das complicações que essas comorbidades podem causar, ou seja, possuem uma aprendizagem baseada na experiência. No entanto, ainda há alguns mitos que prejudicam os cuidados em saúde, como por exemplo o fato de citarem que retirar o sal da comida é o suficiente para evitar o aumento da pressão arterial ou ainda, que a pressão só está alta quando apresentam sintomas, tais como cefaleia ou mal estar. Dessa forma, os pontos de vista ponderados pelos integrantes, os deixam mais vulneráveis a baixa adesão ao tratamento, uma vez que, por ser uma doença assintomática em muitos casos, os pacientes consideram-se saudáveis e podem vir a negligenciar seu autocuidado.
Além disso, realizou- se uma oficina para a discussão sobre a diabetes que girou em torno das limitações que a doença causa. No desdobramento do assunto dialogamos sobre a redução de ingestão de carboidratos, a qual exige mudanças significativas no estilo de vida, o que para muitas pessoas participantes da experiência é difícil aderir. Bem como, foi debatido acerca da dificuldade em aplicar insulina diariamente, pois apresentam dor, devido a dificuldade na manipulação, sendo a autoaplicação um desafio. Ainda, a necessidade de monitorar regularmente os níveis de glicose no sangue, que, por vezes, tornam- se desconfortáveis, pois, exige punção frequente nos dedos.
Constantemente, validamos as experiências e os sentimentos expressados, ao mesmo tempo em que sensibilizávamos a todos sobre a importância de discutir e conhecer sobre a temática, dando ênfase à adesão ao tratamento medicamentoso e não medicamentoso, visto que é uma das principais dificuldades evidenciadas. Diante a valorização da experiência pelo grupo Hiperdia, decidimos confeccionar uma cartilha educativa elaborada a partir das discussões com os participantes, contendo informações ilustrativas.
O compartilhamento das experiências através do diálogo foram as ferramentas essenciais que contribuíram para a construção de um saber coletivo ao unir o conhecimento popular e o científico, que viabilizou a reorientação do cuidado em saúde.
Considerações finais
A inclusão da população e valorização dos seus conhecimentos reflete na prática do cuidado ao possibilitar uma visão crítica-reflexiva sobre as condições de saúde. Outrossim, faz com que as pessoas se sintam acolhidas e apoiadas na condução do seu tratamento. Sob essa perspectiva, a EPS transcende a doença e vê o paciente como protagonistas do seu processo de cuidado, tornando-os mais participativos e empoderados para um cuidado contínuo e integral à saúde.