Título: Percepções de gênero nas barreiras à intervenção do espectador em casos de violência no namoro
Apresentação
A violência nos relacionamentos afetivo-sexuais de jovens é uma grande preocupação social, dada a extensão dos danos causados, especialmente para as mulheres. A exposição a fatores de risco para a vitimização e perpetração de diferentes tipos de violência torna os indivíduos vulneráveis em várias dimensões: individual, relacional, comunitária e social. Por outro lado, os fatores de proteção têm o potencial de minimizar os efeitos da violência ou até mesmo evitar a sua ocorrência. Ainda assim, a literatura tem se concentrado mais nos fatores de risco do que nos fatores de proteção, criando, assim, uma lacuna importante que merece atenção.
Com base em pesquisas internacionais, a abordagem do espectador emergiu como uma estratégia eficaz na prevenção da violência no namoro, particularmente em contextos educacionais. Alinhada ao modelo situacional de intervenção para prevenção da agressão sexual, essa abordagem foi adaptada para identificar e compreender as barreiras que impactam a probabilidade de uma pessoa intervir diante de uma situação de violência no namoro.
Esse modelo descreve os passos que um espectador, de forma sequencial, irá seguir para que a ação final seja intervir diante de uma situação de violência. Nesse sentido, o modelo indica os cinco passos, para os quais existem barreiras, entendidas como falhas do espectador na ação de intervir, direta ou indiretamente, e as influências, que podem impactar a ação do espectador se tornando uma barreira à intervenção.
O primeiro passo, denominado Consciência, refere-se à percepção da situação como problemática, assim, a falha em perceber a situação problemática ocorrendo seria a barreira e, como influência, qualquer distração presente que interfira na atenção do espectador ou mesmo suas preocupações pessoais. O segundo passo, Definição, envolve a análise a respeito do risco e da ação de intervir e a falha em identificar o risco, sua barreira, influenciada por exemplo, pela ignorância pluralística. O passo seguinte, Responsabilidade, indica assumir a responsabilidade em intervir e tem a falha em assumir tal responsabilidade como sua barreira, influenciada por exemplo, pela difusão da responsabilidade. O penúltimo passo, Autoeficácia, envolve avaliar como agir, sendo o déficit em habilidades a sua barreira, influenciada pela ignorância sobre o que fazer diante da situação. O passo final, Ação para Intervir, refere-se ao intervir propriamente dito e tem a falha por inibição do público como sua barreira, influenciada pela preocupação com a avaliação dos outros.
A análise das barreiras é essencial para o planejamento de estratégias de mitigação da violência no contexto do namoro. Dessa forma, o presente estudo visa analisar a probabilidade de intervenção do espectador em situações de violência no namoro (física, sexual e psicológica), explorando a susceptibilidade de homens e mulheres às barreiras associadas a essas circunstâncias.
Esta pesquisa sobre relações de namoro é parte do projeto Mobilizando Comportamentos de Ajuda na Rede de Amizades: Uma Estratégia de Prevenção à Violência no Namoro Baseada nos Pares e na Abordagem do Espectador, recebeu aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de Brasília (UnB), conforme consta no Parecer nº. 411.000.
Desenvolvimento do trabalho
Nesta pesquisa foi adotada uma abordagem quantitativa, enquadrando-se como pesquisa correlacional para investigar os índices de predição ou explicação entre as variáveis analisadas, empregando análises estatísticas específicas. A amostra foi constituída por 410 participantes, incluindo homens e mulheres, com idades variando entre 14 e 69 anos, residentes em diferentes regiões do Brasil, que responderam a uma pesquisa online sobre relacionamentos amorosos. No entanto, para se constituir uma amostra com adultos jovens, apenas 250 participantes foram considerados para a análise, dos quais 41 eram homens (16,4%, com média de idade de 23,63 anos e desvio padrão de 3,315) e 209 eram mulheres (83,6%, com média de idade de 23,91 anos e desvio padrão de 3,466). Para avaliar a probabilidade de intervenção em situações de violência no namoro, utilizamos a Escala de Intervenção do Espectador em Situações de Violência no Namoro (ESPECTA-VN), investigando situações de violência física, sexual e psicológica que podem ocorrer entre parceiros em relacionamentos amorosos.
Na análise e comparação da probabilidade de intervenção em situações de violência no namoro para os três tipos de violência investigados, calculamos os coeficientes de correlação (r) para examinar a direção e a força da relação entre as variáveis.
Para avaliar a probabilidade de intervenção em situações de violência, entre homens e mulheres, foram calculadas as médias do Rank para cada variável da ESPECTA-VN. Essas médias indicaram o grau de propensão às barreiras identificadas, por gênero, em cada dimensão da escala, em que as médias do Rank mais altas denotaram maior propensão à barreira e, consequentemente, menor probabilidade de intervenção nas situações de violência analisadas.
Resultados
A propensão às barreiras foi avaliada para cada passo (Consciência, Definição, Responsabilidade, Autoeficácia e Ação para Intervir), entre homens e mulheres, em relação aos três tipos de violência analisados (física, sexual e psicológica). Foram encontradas diferenças significativas para violência sexual e psicológica, em relação à barreira falha em perceber uma situação problemática, o que sugere que homens e mulheres percebem de maneiras diferentes as situações que envolvem violência sexual e psicológica.
Em relação aos três tipos de violência analisados, homens e mulheres foram suscetíveis às barreiras à intervenção em situações de violência no namoro e tendem a falhar mais em situações de violência psicológica, seguido de violência sexual e violência física.
Considerações finais
A violência nos relacionamentos afetivo-sexuais entre jovens é uma preocupação crescente, pesquisada em muitos países, devido aos danos que causa ao longo do desenvolvimento humano. Este estudo visou contribuir examinando as diferenças de gênero nas barreiras à intervenção do espectador em situações de violência no namoro em adultos jovens.
Os resultados destacam a importância de abordar não apenas a percepção da violência, mas também os fatores que influenciam um possível espectador a intervir diante de uma situação de violência, por exemplo, a influência das normas sociais que sustentam a violência. Normas sociais que desencorajam a intervenção em casos de violência entre parceiros contribuem para a tolerância e negligência das vítimas.
Ressaltou ainda a necessidade de estratégias que envolvam a educação para a prevenção, como ocorre com a violência psicológica que muitas vezes não é percebida como violência pelas vítimas e por perpetradores.
A utilização da abordagem do espectador no contexto da prevenção possibilita a inclusão da comunidade, não apenas vítimas e perpetradores envolvidos diretamente em uma cena de violência. A comunidade como espectadora de violência no seu cotidiano, se torna o foco da prevenção, contribuindo para a redução do estigma de ser vítima ou perpetrador, passando a ser um agente de prevenção da violência.
Em suma, desenvolver uma cultura que incentive a intervenção em situações de violência requer não apenas o apoio às vítimas, mas também garantias de segurança para os espectadores. Isso implica em mudanças estruturais na sociedade e na promoção de uma consciência coletiva contra a violência nos relacionamentos afetivo-sexuais entre jovens. A literatura destaca a importância do envolvimento tanto de homens, como de mulheres nas estratégias de prevenção, considerando a bidirecionalidade da violência e as peculiaridades dessas relações.