CENTRO DE CONVIVÊNCIA E CULTURA: “A SAÚDE MENTAL É IMPOSSÍVEL SEM INTERSETORIALIDADE”

  • Author
  • Cristina Soares Procópio
  • Co-authors
  • Cristiane Neri Teixeira , Elaine Eugênio , Glendha Oliveira Arduini , Rosimár Alves Querino
  • Abstract
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    Apresentação: O presente estudo propõe um olhar aprofundado sobre um dos pontos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS): o Centro de Convivência e Cultura (CECO). Observam-se variações na nomenclatura utilizada para designar este dispositivo em decorrência das práticas nele desenvolvidas. Tal diversidade acena para as diferentes configurações nas relações entre arte, cultura e iniciativas de geração de renda nestes dispositivos. O objetivo geral do estudo foi compreender o lugar ocupado pelo CECO na RAPS explorando sua abordagem territorial e a intersetorialidade. Desenvolvimento: O estudo descritivo-exploratório foi desenvolvido com metodologia qualitativa. O cenário da pesquisa foi um CECO de município do interior de Minas Gerais. Na construção de dados empregou-se formulário de caracterização socioeconômica com auto preenchimento; entrevistas com roteiro semiestruturado e encontro de photo voice (PV). As entrevistas ocorreram individualmente e o PV de modo coletivo. Participaram todos os trabalhadores do CECO no momento de construção da pesquisa: duas auxiliares administrativas, uma auxiliar de serviço geral, seis psicólogas/os e duas assistentes sociais. Para a realização do PV solicitou-se aos participantes que produzissem - ou selecionassem em seu acervo pessoal - fotografias que apresentassem o seu trabalho no Centro, suas relações com os/as demais integrantes da equipe e com os/as conviventes. A audio gravação das entrevistas e do encontro de PV ocorreu com autorização dos/as participantes e foi transcrita na íntegra para fins de análise. No processo analítico adotou-se a análise de conteúdo temática. A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética, autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde e desenvolvida por equipe composta por três mestrandas e uma aluna de iniciação científica. Resultados: No município mineiro, a primeira experiência com um Centro de Convivência ocorreu de 1999 a 2002. Em 2002, o Centro foi transformado em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) adulto. Somente em 2008 foi recriado nos moldes atuais: vinculado à atenção básica (AB); com ampla gama de oficinas; parceria com diversos pontos do SUS e equipamentos existentes nos territórios. O acesso ao serviço pode ocorrer por demanda espontânea ou referenciada tanto pelos serviços especializados da atenção psicossocial quanto pelas unidades da AB. A AB e a abordagem territorial foram destacados pelos/as participantes como fundamental para a reabilitação psicossocial. Os/as conviventes são atendidos/as em diversos pontos da Rede SUS e buscam no CECO outro contexto para ampliação da convivência e desenvolvimento pessoal. A inserção do CECO na atenção básica e sua articulação com os demais pontos da RAPS está em sintonia com o que é preconizado pela reforma psiquiátrica, posto que se trata de investir em ações que graças à capilaridade dos territórios aproximem as pessoas com transtornos mentais graves e com sofrimento psíquico da vida comunitária. Este movimento é fundamental para o processo de reabilitação psicossocial e para que sejam construídas outras relações com a loucura, diferentes das práticas manicomiais de encarceramento. Compreender a linha de cuidado é salutar para a integralidade do cuidado e para que as pessoas com sofrimento mental não tenham seu acolhimento e atenção à saúde restritos aos serviços especializados. Destaca-se aqui que o atendimento em saúde dos/as conviventes ocorre nas diferentes instituições da Rede SUS e sua inserção no CECO deriva da busca por experiências e convivências mediadas pela arte, artesanato e pela cultura. Neste sentido, as práticas mineiras dialogam com experiências nacionais que assinalam as interfaces entre arte, cultura e clínica ampliada nos centros. Nas entrevistas e no PV, protagonismo e autonomia foram tratados pelos/as participantes como sinônimos. O protagonismo presente em cada cena do teatro e do coral também ganha concretude no cotidiano do serviço quando o/a convivente escolhe as oficinas nas quais pretende participar, quando explora suas habilidades e atua como instrutor, quando aprende a locomover-se no tecido urbano para acessar o serviço, quando é estimulado para contribuir na reorganização da Associação de Usuários, quando se envolve na exposição e comercialização dos produtos. A intersetorialidade foi uma dimensão valorizada pelos/as participantes e apresentada em suas relações com os territórios. Por vezes, há parcerias para utilização de espaços físicos e infraestrutura (SESC, Clínica de Acompanhamento Terapêutico, parque municipal, secretaria do meio ambiente). Em outros casos, as instituições parcerias desenvolvem as ações (universidades, corpo de bombeiros). Além disso, voluntários/as participam ou conduzem oficinas no CECO (dança árabe, oficina de barbante, artesanato em gesso). As parcerias com instituições e pessoas foram descritas como construção de parceiros políticos, ampliando a luta pelo cuidado em liberdade. Representam, assim, a tessitura de um cuidado psicossocial que mobiliza pessoas, recursos e instituições. Permitem dar visibilidade à saúde mental, diversificar as ações ofertadas aos conviventes e, sobretudo, ampliar a circulação destas pessoas pelos territórios. Ao transbordar os muros institucionais, as ações promovidas desdobram-se no direito à cidade, na expansão das fronteiras do cuidado e na reconstrução da cidade como espaço compartilhado, prenhe de singularidades. Eventos festivos e datas comemorativas, como carnaval, luta antimanicomial (maio), festa junina, dia das mães, natal, são momentos utilizados para promover o contato com a comunidade. As possibilidades de trocas sociais e circulação pela cidade se expandem com as apresentações culturais envolvendo profissionais e conviventes e dão lugar às potências dos encontros. Considerações Finais: O caráter qualitativo da pesquisa coloca em evidência as singularidades do CECO no município mineiro. Embora não permita generalizações, contribui para a ampliação do conhecimento sobre este tipo de dispositivo, tão fundamental para o cuidado nos territórios e, de modo contraditório, negligenciado no financiamento da política de saúde mental. O caminho percorrido permite sugerir que a utilização do PV em pesquisas no campo da saúde mental seja valorosa, pois a escuta coletiva é consistente com a valorização do protagonismo dos sujeitos. O estudo evidenciou que a cultura é um dos atributos centrais na construção do cuidado no CECO e que o diferencia dos demais pontos da Rede SUS e da RAPS. O perfil dos/as participantes do estudo traz singularidades em relação a outras realidades, posto que predominam profissionais com graduação em Psicologia e Serviço Social e que apresentam uma trajetória nos serviços comunitários e de diálogo com a arte e a cultura. No Centro, encontraram possibilidades para compor um cuidado calcado no hibridismo da clínica, da arte e da cultura. A inserção de outros artistas e oficineiros pode sedimentar as iniciativas. É possível afirmar que a convivência no CECO rompe as fronteiras do cuidado em instituições de saúde, acena para a potência da ocupação dos territórios, dos espaços coletivos e com diferentes sujeitos sociais. O Centro projeta-se como intercessor da convivência comunitária tendo como pilares de sustentação a arte, a cultura, as práticas corporais e o contato com a natureza. Nesta seara, os espetáculos, festas, confraternizações são produzidos com a horizontalidade nas relações e acenam para outros possíveis: uma sociedade/uma cidade que possa coabitar com a diferença.

     

  • Keywords
  • Saúde Mental, Serviços Comunitários de Saúde Mental, Desinstitucionalização, Intersetorialidade, Arte.
  • Subject Area
  • EIXO 5 – Saúde, Cultura e Arte
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