Este trabalho busca relatar uma experiência formativa, no contexto da educação popular em saúde, realizada durante uma pesquisa de mestrado. A educação popular em saúde é uma práxis político-pedagógica que preza pela construção compartilhada dos conhecimentos, considerando as diversas realidades existentes no território para o desenvolvimento de suas ações. Se baseia na determinação social envolvida no processo saúde, doença e cuidado da sociedade e promove a participação ativa dos sujeitos, sendo então um desafio a ser trabalhado com futuros profissionais de saúde, que normalmente vivenciam uma formação prioritariamente biomédica. Durante a pandemia da Covid-19, além do combate ao vírus, um grande desafio enfrentado na atuação dos profissionais de saúde (assim como pela população em geral) foi o crescimento do negacionismo científico, impulsionado pela extrema-direita e fortalecido, dentre outras coisas, pelo distanciamento entre a população e a ciência. Esse fenômeno demonstrou a importância de promover ações educativas durante a formação inicial em saúde, baseadas na educação popular, para que esses futuros profissionais possam realizar ações conjuntas com a população, considerando a realidade do território. Assim, a pesquisa objetivou desenvolver ações pedagógicas, na perspectiva da educação popular em saúde, na formação inicial de profissionais de saúde, que promovessem a discussão sobre o negacionismo científico e como enfrentar esse fenômeno. Tem abordagem qualitativa, a partir de uma pesquisa participante realizada com graduandos de biomedicina e nutrição, em uma disciplina de educação em saúde da Universidade Federal Fluminense (UFF). Nessa disciplina, que já prevê a construção de conhecimentos sobre a educação popular e o desenvolvimento de ações educativas com a população, foram realizadas oficinas com estudos de caso e análise das propostas educativas produzidas pelos discentes, a partir da experiência da oficina. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFF, com o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética 58829722.5.0000.8160 e parecer 5.461.978. As ações com os graduandos foram articuladas com o projeto de extensão Educação popular em saúde em tempos de negacionismo: formação e experiências comunitárias, da UFF. Criado em 2021, devido ao cenário da pandemia da Covid-19, em parceria com o Pré-Vestibular Comunitário Machado de Assis, do Morro da Providência, teve o intuito de desenvolver ações pedagógicas em educação popular em saúde, que promovessem a discussão sobre o negacionismo científico e como enfrentar esse fenômeno. Os estudos de caso utilizados nas oficinas com os educandos foram produzidos a partir de uma pesquisa participante realizada pela extensão, através de um questionário sobre questões de saúde aplicado com os moradores da Providência, durante a pandemia. A partir disso, compartilhamos com os educandos as concepções dos moradores expostas durante a pesquisa, e construímos conhecimentos sobre as problemáticas que os pesquisadores se depararam durante a pesquisa no território. As problemáticas se expressam em situações diversas relacionadas ao negacionismo, que inspiraram a criação de 4 estudos de caso. A partir disso, os graduandos foram convidados a pensar em estratégias de diálogo com os moradores em questão, na perspectiva da educação popular em saúde, se colocando na posição de pesquisador e de educador. Para a oficina, foi estimada 1 hora de duração, sendo 15 minutos para a parte inicial expositiva, 15 minutos para estudarem os casos em grupos e 30 minutos para o debate final. A partir das oficinas, foi proposto que os educandos elaborassem ações educativas em saúde. As duas oficinas foram presenciais, ocorrendo no dia 14/06/2022 na turma de 2022.1, com 28 educandos, e no dia 04/10/2022 na turma de 2022.2, com 23 educandos, sendo gravadas e posteriormente transcritas e analisadas. A análise dos dados foi feita pela análise de conteúdo de Bardin, no contexto da educação popular, com a identificação dos temas geradores pela análise temática, a partir das situações-limite detectadas durante as oficinas. Para a coleta de dados foram utilizados registros da observação participante produzidos pela pesquisadora e a gravação dos debates das oficinas. Durante o debate na turma de 2022.1, os educandos apresentaram algumas estratégias para viabilizar o diálogo com a população, através da afetividade, da empatia e da promoção do diálogo entre os pares. Surgiram questões também sobre a ciência, como ela é vista pela sociedade, o próprio método científico e a importância da divulgação científica como uma ferramenta de combate ao negacionismo. Os educandos se mostraram bem engajados no debate, e surpreenderam as pesquisadoras ao afirmarem que não utilizariam argumentos de autoridade para o convencimento e não levariam profissionais para palestrar, por acreditarem que não seria o caminho ideal para promover o diálogo. Já os discentes de 2022.2 afirmaram que, a partir de experiências prévias de debates com pessoas negacionistas, acreditavam ser impossível a promoção do diálogo, e muitos educandos relataram terem realizado diversas práticas de automedicação durante a pandemia, motivada principalmente por parentes próximos. Além disso, ao contrário da turma de 2022.1, muitos afirmaram que apresentar argumentos de autoridade ou promover palestras com profissionais seriam boas formas de convencer o morador. Porém, ao decorrer do debate, muitos mudaram de ideia, refletindo que, de fato, não seriam as melhores opções para a promoção do diálogo, principalmente os educandos que relataram experiências prévias com negacionistas, em que apresentar dados científicos não surtiu o efeito desejado. Já sobre os trabalhos finais produzidos, foram analisados os que abordaram o negacionismo científico e a concepção de educação em saúde que pretendiam seguir (educação popular em saúde ou educação sanitária). Foi possível perceber um diálogo engajado com a educação popular, e propostas de práticas coerentes com esse campo. Algumas questões foram levantadas: a importância dos saberes da população; da presença desse campo na vida da população, como forma de valorização e politização da sociedade; do desenvolvimento de práticas que considerem a realidade vivenciada pelo público-alvo, de forma a ter os investigados como investigadores do processo, tornando-os protagonistas; e, de promover o diálogo com um público diverso, de forma a integrar os conhecimentos. Apesar disso, alguns grupos alegavam ter como princípio a educação popular, mas apresentavam ações verticais, como: a visão da educação popular como uma maneira de abordagem simplificada do conteúdo; comunicar de maneira eficiente os conteúdos; e, realizar a transmissão de informações sobre cuidado em saúde que sejam práticas e aplicáveis. Os resultados deste trabalho evidenciaram a importância de promover a discussão sobre o problema do negacionismo científico e de estimular os educandos a pensarem em estratégias de combate, no contexto da educação popular. Além disso, demonstrou a importância de trabalhar esse campo na formação inicial em saúde, pelo papel transformador que a educação popular pode ter na futura prática profissional. Concluímos que as atividades permitiram uma construção dialógica do conhecimento, porém os educandos apresentaram dificuldades na promoção do diálogo, sendo essa discussão, de fato, muito desafiadora. Acreditamos que apenas com a sua inserção no contexto social, é que será possível a elaboração de estratégias de intervenção mais horizontais, de forma conjunta aos moradores, que atendam de fato às demandas, e que proporcionem aos educandos uma práxis crítica e transformadora. A extensão universitária é um caminho para superar essa contradição, o que ressalta a importância da articulação desta pesquisa com o projeto de extensão da UFF, como uma forma de potencializar essas ações e ressignificar o processo formativo.