Apresentação: O tornar-se mãe provoca transformações no organismo materno em dimensões fisiológicas e psicológicas que, em conformidade, viabilizam repercussões na integridade psíquica durante a gestação. Estas condições também favorecem a reorganização subjetiva do corpo grávido mediante a admissão de um novo papel social e cultural. Desse modo, a integralidade das ações na produção de cuidado no pré-natal deve garantir o acolhimento necessário para promover o acesso de gestantes aos dispositivos de saúde mental. Dentre os pilares das políticas públicas destinadas à saúde da mulher, destaca-se a humanização e a qualidade do cuidado dentro de um marco ético que assegure o bem-estar físico e psíquico durante o período gestacional. Embora essas premissas sejam estabelecidas, vale ressaltar que o modelo biomédico ainda é hegemônico nos diferentes níveis de atenção e implica na fragmentação do pré-natal. A centralização em práticas obstétricas engessa os vínculos subjetivos do cuidado por padronizar procedimentos, intensificar a medicalização e retirar a autonomia das gestantes e dos trabalhadores de saúde. Nesse cenário, os processos de saúde acabam por menosprezar a dimensão psicológica ou, quando consegue abordá-la, sempre sob a perspectiva da essência patológica em relação aos fenômenos que se apresentam. Para mais, há comprometimento da integralidade da atenção ao dificultar que estratégias outras de cuidado sejam estabelecidas, além do padrão clínico de acompanhamento. O contexto, em questão, desampara a gestante e a ausência de apoio psicossocial pode resultar em sofrimento ou agravar as situações de adoecimento mental. Por isso, é importante investigar as limitações da promoção de saúde mental no cuidado pré-natal, no que se refere ao frágil acesso a uma abordagem integral da atenção ou a ausência de práticas terapêuticas que ultrapassem o convencional. Diante o exposto, o presente estudo tem por objetivo analisar a promoção de saúde mental para gestantes no pré-natal na Atenção Primária à Saúde (APS). Desenvolvimento do estudo: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, com o propósito de responder a questão norteadora: “Como ocorre a promoção de saúde mental no cuidado pré-natal realizado na Atenção Primária à Saúde?”. Foram utilizados os seguintes descritores: “gestantes”, “pré-natal”, “saúde mental” e “atenção primária à saúde” nas bases de dados da BVS (Lilacs, BDENF - Enfermagem) e SciELO. A amostra foi selecionada a partir dos seguintes critérios de inclusão: artigos científicos publicados nos últimos 5 anos, derivados de pesquisas de campo qualitativas e/ou quantitativas realizadas no Brasil e redigidos em português ou inglês. Resultados: Ao aplicar os critérios de inclusão e exclusão, obteve-se uma amostra de 6 estudos. Através da análise dos dados obtidos, as categorias a seguir foram estabelecidas: Patologização dos fenômenos psíquicos da gravidez: Os estudos demonstram que o acesso aos cuidados em saúde mental durante o pré-natal é favorecido através da detecção precoce do adoecimento mental de gestantes. Todavia, os cenários de vulnerabilidade psíquica são invisíveis, carregam estigmas e são subdiagnosticados na gestão de terapêuticas no ciclo gravídico. Por outro lado, cabe salientar que as transformações na esfera fisiológica, psicológica e social é inerente à gestação e requer atenção em saúde mental independente da presença do diagnóstico de uma psicopatologia. A literatura aponta que o delineamento de riscos desde a triagem de gestantes na APS e o processo de avaliação clínica deve possibilitar a identificação dos transtornos mentais. O cenário, em questão, indica a predominância de uma perspectiva patologizante dos fenômenos psíquicos decorrentes do período gestacional e o caráter frágil da integralidade da atenção. Os motores da promoção de saúde, inclusive no âmbito mental, não se restringem a presença de doença em determinado grupo, mas diz respeito às ações que visem minimizar a fragmentação do indivíduo nos processos de cuidado. Em contrapartida, os resultados obtidos revelam que o diagnóstico é o aspecto norteador para promoção da saúde mental no pré-natal na APS. Portanto, há de se considerar em investigações futuras os reflexos deste fator no acesso de gestantes ao suporte psicológico e suas implicações na saúde da mulher e da criança. As fragilidades da atenção integral: Os dados indicam que o cuidado pré-natal privilegia a dimensão fisiológica em detrimento da dimensão psíquica e existe distanciamento dos trabalhadores de saúde às questões de ordem psicológica. Em paralelo, não há evidências de quais estratégias de atenção são utilizadas para promover a saúde mental de mulheres grávidas durante o pré-natal na APS. Fica evidente, nesse contexto, a dificuldade de articulação entre os saberes e as práticas interdisciplinares que acaba por ofuscar as necessidades subjetivas na construção do cuidado. Diante da insuficiência do aspecto integral nas ações em saúde no ciclo gravídico, os achados do presente estudo enfatizam a importância da equipe multiprofissional no pré-natal. A implementação de atividades psicoeducativas e a aderência ao pré-natal psicológico nas estratégias de atenção também são eficazes e podem ser fatores de proteção ao agravamento da vulnerabilidade psíquica. Por isso, apesar da invisibilidade das questões de ordem mental que atravessam a gravidez, há possibilidades de ações em saúde que promovem a integralidade do cuidado das usuárias e impulsionam sua autonomia. Considerações finais: É notório que o acompanhamento pré-natal na APS não tem contemplado satisfatoriamente os aspectos psicológicos inerentes ao ciclo gravídico. A fragilidade da promoção em saúde mental tem como alicerce a patologização dos fenômenos psicológicos intrínsecos ao período gestacional e a ausência de estratégias de cuidado integral que vislumbre prestar suporte emocional às gestantes. A investigação expõe que o diagnóstico de transtornos mentais é definidor para ocorrer o acesso aos serviços de saúde mental. No entanto, é importante que as políticas de atenção adotem outros parâmetros para estabelecer o cuidado no âmbito psicológico, haja vista que os processos de promoção de saúde não se limitam à presença de doenças. Além disso, propõe-se para futuras pesquisas mapear as práticas de cuidado em saúde mental no pré-natal de gestantes na APS e em outros níveis de atenção. As evidências de que é inexistente estratégias terapêuticas que abarque a complexidade do ciclo gravídico e seus atravessamentos psíquicos, sociais e culturais pode impulsionar a concretização de políticas em saúde que vise integrar saúde da mulher e saúde mental. Na prática, essa perspectiva pode impactar em práticas outras de cuidado que ultrapasse o modelo clínico tradicional, que contemple os vetores de ordem mental ao invés de marginalizar. Em última análise, a efetivação da integralidade no acompanhamento pré-natal na APS contribui para a autonomia das mulheres grávidas e garante a devida promoção de saúde para o binômio mãe-filho.