ARTE E CRIATIVIDADE COMO CUIDADO EM SAÚDE NO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

  • Author
  • Laís Kercher Macêdo
  • Co-authors
  • Nayara Paloma Aires Pithan , Daniela Ponciano Oliveria , Robenilson Moura Barreto
  • Abstract
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    A reformulação do modelo antimanicomial, advinda com a reforma psiquiátrica, é um marco importante para o cuidado em saúde mental que promova o acolhimento, a autonomia, a socialização, a inserção social e o rompimento de preconceitos contra pessoas com transtornos mentais. Assim, com o fechamento dos manicômios e a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o modelo de cuidado e atenção em saúde mental propõe integralidade social e familiar, oferecendo suporte psicossocial e apoio aos(as) usuários(as) desse serviço em suas iniciativas de busca da autonomia.

                Através desse novo modelo de assistência em saúde mental, o CAPS se caracteriza por oferecer atendimentos e acolhimento por parte de uma equipe interdisciplinar e pelas atividades terapêuticas propostas, como por exemplo, as oficinas terapêuticas, que tem como intuito promover à pessoa que possui um transtorno mental uma autonomia na criatividade e liberdade para se expressar. No cuidado em saúde mental, a arte é terapêutica por oportunizar a expressão de vivências que não há como serem verbalizadas por se tratar de conteúdos imersos no inconsciente.

    As oficinas terapêuticas são uma das principais formas de intervenções oferecidas pelo CAPS já enfatizadas conforme a portaria 336 do ano de 2002 que define e estabelece diretrizes para o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial ressaltando as oficinas terapêuticas. A atividade de base artística é um canal de comunicação e expressão dos pacientes do CAPS, beneficiando o contato social e reinventando os sentidos autoexistentes.

    Deste modo, esta pesquisa teve como objetivo realizar oficinas terapêuticas por meio de atividades artísticas para a expressão da criatividade das(os) usuárias(os) do Caps I. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa, caracterizada como pesquisa-ação, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), com o parecer: 6.308.168. Foi desenvolvida no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), localizado na cidade de Gurupi – TO. Foram realizadas 4 oficinas, 2 com a técnica do Desenho-Estória com Tema e 2 com a atividade de pintura livre. Participaram da pesquisa 20 voluntários, no entanto, neste resumo foram inclusos os relatos de 6 participantes.

    Os encontros resultaram na possibilidade dos participantes, por meio dos desenhos, pinturas e histórias, expressarem suas vivências e sentimentos. Dentro do campo do cuidado psicossocial, a inserção da arte como recurso terapêutico tem efeitos positivos e benéficos, visto que as expressões artísticas podem contribuir para a exteriorização da subjetividade e assim promover alívio emocional e níveis de restaurações psíquicas para os sujeitos. A expressão da criatividade através do fazer artístico tem grande potencial terapêutico e pode vir a ser agente de transformação de angústias inconscientes, possibilitando elaborar um novo sentido de identidade, reorganização interna e criação de novas representações na vida psíquica do sujeito. Como relatado pela participante 4:

    “Eu desenhei a borboleta, que representa a liberdade, porque no momento que eu não uso mais drogas eu me sinto livre [...], nesse momento eu não estava me sentindo bem e na medida que eu fui fazendo o desenho eu fui me sentindo melhor” (Participante 4).

    É importante destacar a influência dos espaços de convivência dos CAPS na criação e transformação de um cotidiano, como também no restabelecimento do direito de escolha, criação, de expressar-se e relacionar-se. O apoio institucional propicia espaço para diferentes níveis de expressão e simbolismo para responder às diversas necessidades e demandas. O que se observa a fala da participante:

    “Quando eu fiz essa pintura, eu estava pensando em um mosaico, que a vida é um quebra-cabeça, tem várias partes, e no final tudo se encaixa. Nossa vida é isso, de diferentes cores, tamanhos, momentos, e no final tudo dá certo” (Participante 5).

    Conforme o relato dos participantes, o CAPS tem uma importância significativa na vida deles, o que pode se relacionar com o sentimento de acolhimento, por ser um ambiente onde podem expressar a singularidade de seus comportamentos e pensamentos, muitas vezes não validadas socialmente.

    Atualmente, o CAPS oferece suporte assistencial, sendo um lugar que dá significado ao sofrimento, além de produzir novas formas de transformar vivências e angústias. Como exemplo, a fala da participante 3: “[...] pintei uma princesa, aqui no CAPS eu me sinto uma princesa, eu desenhei porque me sinto assim [...]”. Assim como no relato das participantes 1 e 2:

    [...] A borboleta simboliza o CAPS, e é como os funcionários aqui do CAPS, que tratam a gente como uma borboleta e uma flor. CAPS doce, doce CAPS porque é tipo um doce, que a gente gosta de repetir e vim de novo [...] (Participante 1).

    Eu desenhei a hora da oração, que é um momento muito importante para mim aqui no CAPS [...] aqui no CAPS eles me acolheram muito bem, eu só tenho a agradecer (Participante 2).

    O CAPS é responsável por promover o exercício dos direitos civis, do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, priorizando o trabalho em espaços coletivos incluindo grupos, reuniões de equipe, encontros de usuários, entre outros. Mas também possui a função de reinserção dos usuários na sociedade por meio de lazer e trabalho. Como por exemplo, nesse CAPS era ofertado a oficina de costura pode ir além de uma construção técnica; constitui um espaço potencial de manifestação da criatividade, como pode ser confirmado pelo relato da participante 6: Eu desenhei uma saia. Eu tenho vontade de aprender a costurar, fazer roupa, e eu desenhei a saia. Eu gostaria de aprender a costurar, fazer vestido, blusa, para as outras pessoas.”

    A equipe interdisciplinar que acolhe pessoas com transtornos mentais desempenha um papel fundamental no processo de desinstitucionalização, e o impacto na vida dos pacientes é evidente. Também é perceptível que alguns deles conseguem desenvolver sua autonomia durante o tratamento e, assim, aos poucos recuperar seu espaço no núcleo familiar e social.

    O CAPS está me ajudando bastante a lidar com meu desânimo e dor, tem as enfermeiras que podemos conversar, os remédios, alimentação. Sou muito grata por tudo que vivo aqui (Participante 4).

    A importância da interdisciplinaridade quando se fala em saúde mental decorre principalmente do fato de que o sofrimento psíquico é um fenômeno complexo devido à junção de eventos biológicos, culturais e sociais, além de políticos. Nesse sentido, vê-se a necessidade de diversificar “olhares” de diferentes profissionais, bem como de familiares e usuários. Assim, torna-se possível construir novas possibilidades nunca imaginadas e experimentadas anteriormente.

    Por meio das atividades artísticas realizadas, pôde se perceber que o objetivo proposto da pesquisa foi atingido. Os participantes se expressaram pela arte, apresentaram as suas vivências e experiências significativas no campo afetivo, trabalhando a socialização e a manifestação de sentimentos, respeitando as singularidades e as limitações de cada um.

    Perceber como a arte é fonte terapêutica para trabalhar com pessoas em sofrimento psíquico e ao mesmo tempo muito benéfica para expressão das emoções, fez com que se afirmasse a necessidade desse trabalho na rotina semanal do tratamento dessas pessoas com transtornos mentais. Conclui-se que a experiência vivida no CAPS possibilitou reflexões sobre o quanto a arte é necessária no campo da saúde mental.

  • Keywords
  • Atenção psicossocial, Criatividade, Intervenções terapêuticas, Arte.
  • Subject Area
  • EIXO 5 – Saúde, Cultura e Arte
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