A chegada de um filho é carregada de representações de uma nova vida, de futuro e recomeços. Nesse sentido, a perda de um feto ou de um bebê traz consigo a perda de uma imensidão de sonhos e expectativas que nunca se concretizarão. A impossibilidade de segurar no colo, de trocar as fraldas ou arrumar para ir à escola, entre muitas outras coisas sonhadas, marca um processo caracterizado por esperanças frustradas e planos renunciados que exigirão dos pais um esforço para elaborar o vazio deixado. Denomina-se Luto Perinatal aquele que é decorrente da morte do feto ainda no período gestacional, Luto Gestacional, ou até o vigésimo sétimo dia de vida do recém-nascido, Luto Neonatal. Ele envolve não só a perda de um filho, mas, também, a perda da própria identidade dessa mãe. A elaboração desse luto é atravessada pela noção da maternidade como componente da identidade e promove a quebra do que se entende como papel feminino culturalmente introjetado: aquela que é capaz de gerar e parir. Em função disso, a vivência deste luto pode produzir sentimentos de baixa autoestima, culpa e insuficiência, vividos a partir do que é estabelecido como papel da mulher na sociedade. Dito isso, sabe-se que a perda gestacional e neonatal é permeada por uma dinâmica de elaboração do luto diferente das demais, pelo fato de ser caracterizado como um luto não reconhecido. Neste tipo de perda, o enlutado sente que não é autorizado a sofrer e expressar seu pesar. Essa invisibilidade, torna a experiência da perda ainda mais difícil de ser elaborada em função do pouco apoio social recebido. Este trabalho tem como objetivo apresentar e discutir uma proposta de grupo de apoio online para mulheres em luto perinatal oferecido pelo projeto de extensão AcolheDor, do curso de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. As interessadas em participar preenchem um Formulário de Inscrição para Atendimento no google forms com dados sociodemográficos, de saúde mental e do próprio processo de luto. Após a seleção (não são admitidas mulheres em comportamento suicida e com transtornos mentais graves), é realizado o convite para a participação nos grupos. Os encontros são semanais, com duração de aproximadamente noventa minutos, via google meet. Os grupos são mediados por acadêmicas de graduação em Psicologia, com supervisão da orientadora. Cada encontro é planejado com o objetivo de abordar um tema concernente ao luto perinatal, tomando como dispositivos disparadores dinâmicas de grupo, músicas, poemas, pinturas, rodas de conversa livre, metáforas e produções escritas. Após a finalização de dozes encontros, é solicitado às participantes que respondam ao Formulário de Avaliação da Participação, desenvolvido também na plataforma Google forms, em que a respondente relata como se sentiu em participar do projeto, avaliando a experiência. Desde a criação do projeto, foram realizados três grupos com média de 4 participantes. Os encontros não seguem uma estrutura fixa, dado que cada grupo apresenta demandas distintas. Nesse sentido, a ordem dos temas/assuntos desenvolvidos variou em cada grupo, mas com a garantia de que temáticas importantes seriam exploradas ao longo dos encontros de diferentes formas. Assim, em todos os grupos trabalhou-se em algum momento: 1) A apresentação das participantes, do contrato grupal e o levantamento das expectativas referentes à participação; 2) O que é o luto e as características específicas do luto gestacional e neonatal; 3) Reflexão sobre o luto a partir do Modelo do Processo Dual de Stroebe e Schut; 4) Discussão do Modelo das 4 tarefas do luto, de Worden; 5) A identificação de fatores de risco e proteção na vivência do luto de cada uma; 6) A importância da rede de apoio e suporte social no ajustamento ao luto; 7) Quem elas se tornam a partir do luto por seus bebês (ajustamentos internos e externos); 8) Planos para o futuro e a ideia do vínculo continuado na perspectiva da restauração e ajustamento à perda; e 9) Encerramento e avaliação dos encontros. As temáticas são distribuídas ao longo dos encontros e discutidas até que o interesse por elas seja esgotado. Os encontros comportam uma dimensão terapêutica e uma psicoeducacional, entendendo-se que esta última também contribui para processo de ajustamento à perda. Ao fim de cada encontro, é realizado o registro nos prontuários com notas sobre como as participantes se expressavam e elaboravam suas questões. As participantes expressam com frequência frases ouvidas de terceiros, incluindo profissionais de saúde, tais como: “Deus quis assim, não pode questionar”, “foi melhor, ele ia ter problema de saúde”, “Você pode ter outro bebê” ou “você já tem outro filho”, “mas ele nem nasceu, porque você sofre tanto?”, entre muitas outras, que acabam por invalidar e invisibilizar seu sofrimento. Como resultados, ao analisarmos os registros dos prontuários, percebe-se que os grupos cumprem uma função importante que é de ofertar suporte social às participantes. As histórias compartilhadas evidenciam como esse luto é invalidado socialmente, inclusive por profissionais de saúde, que não reconhecem a perda como importante e com efeitos sobre a saúde mental delas. As mulheres integrantes dos grupos relatam não encontrar espaço de fala e manifestação do que sentem em outros contextos, permanecendo, muitas delas, com uma dor silenciosa e silenciada, inclusive por seus familiares. Além disso, observa-se que, estar com outras mulheres que tiveram perdas semelhantes, produz sentimento de identificação e rompe com um silêncio e a crença de que “ninguém entende a dor” que elas vivenciam. Ademais, aprender sobre o luto como um processo singular, sem tempo pré-determinado para acabar e que deve e precisa ser vivido e expresso, permite que muitas delas reconheçam o quanto evitavam entrar em contato com os próprios afetos. A análise dos formulários de avaliação dos grupos permitiu identificar que participar do projeto teve efeitos sobre o processo de luto dessas mulheres, favorecendo a construção de sentido para vivido, com ajustamento à perda e produção de esperança. As histórias compartilhadas nos encontros nos permitem refletir sobre o quanto os lutos gestacional e neonatal seguem ainda não reconhecidos e não validados em diferentes contextos, incluindo os serviços de saúde. Neste sentido, advoga-se da importância de que profissionais, nos diferentes níveis de atenção, possam encontrar espaço de reflexão e aprendizagem sobre o luto perinatal, além da compreensão de que o cuidado às pessoas enlutadas se apresenta como uma demanda dirigida a todos, e não somente aos profissionais de saúde mental. A partir deste relato de experiência, entende-se que em diferentes contextos de saúde, como unidades de saúde e serviços especializados de atenção à saúde da mulher, é preciso e possível ofertar cuidado a mulheres que vivenciaram perdas gestacionais ou neonatais como forma de cuidado integral, tal como preconizado pelo Sistema Único de Saúde.