O presente relato de experiência refere-se ao Grupo de ajuda e suporte mútuo para usuários do Sistema Único de Saúde que necessitam de acolhimento, trocas de experiências, ações de solidariedade, acesso a informações seguras e orientações online que visem o cuidado em Saúde Mental, a partir daquela que até o momento talvez seja a maior e mais impactante tragédia humanitária e climática já vista no país, devido ao seu grau de abrangência populacional e territorial.
Os grupos de ajuda e suporte mútuo são espaços construídos para acolher reuniões comunitárias, seja de forma presencial ou virtual, dentro das possibilidades disponíveis. Eles garantem sigilo para formar uma rede segura onde vivências podem ser compartilhadas. O objetivo é fortalecer o protagonismo e a participação das pessoas que enfrentam algum tipo de sofrimento psíquico. Isso é feito através do compartilhamento de experiências, criando pontes para lidar com problemas e construir novas perspectivas.
Algumas pessoas ainda acreditam que os impactos das emergências climáticas, ainda estariam para acontecer num futuro não muito distante, ou mesmo acontecendo com menor impacto nos dias de hoje. Porém, o que temos não apenas visto, mas já experimentado em nosso cotidiano são situações que já repercutem neste exato momento em diversos cantos do país e do mundo. Seja por meio de longos períodos de seca nas regiões norte e centro-oeste, calor extremo na região sudeste ou pelas fortes e intensas chuvas que assolaram o sul do Brasil com volumes que ultrapassaram todos os antigos índices pluviométricos já antes registrados.
No estado do Rio Grande do Sul, vivemos a maior tragédia ambiental e climática vista na história do estado e do Brasil. A situação se agravou diante das grandes cheias causadas pela chuva que assola o estado em abril de 2024 e se prolonga nos últimos cinquenta dias. Diante da grande proporção das cheias dos rios, mais de 425 cidades, ou seja, 85% do estado do Rio Grande do Sul estão em situação de risco diante dos alagamentos.
A forma como temos vivido e nos organizado socialmente tem relação direta com o que vimos no Rio Grande do Sul, dessa forma não podemos creditar ao clima a culpa por ações que ao longo de anos, nós mesmos temos causado ao planeta. Sem contar o negacionismo de algumas lideranças políticas, que flexibilizam leis e políticas ambientais acelerando esse processo. Nesse sentido, ainda em 2021, na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), lideranças de aproximadamente 200 países se reuniram para debater e apresentar propostas para as consequências das mudanças climáticas, porém especialistas na ocasião já viam como modestas as ações apontadas para o enfrentamento do colapso climático. Já em novembro de 2022 na conclusão da COP27, realizada no Egito, o secretário geral das nações unidas (ONU), António Guterres, salientou ser necessário um grande avanço na ambição climática global, pois há uma linha crítica da temperatura do planeta que não pode ser ultrapassada e para isso é crucial investir amplamente em energia renovável e abandonar o uso de combustíveis fósseis.
Foi diante desse cenário, das emergências e desastres climáticos/ambientais no estado, que consideramos a iniciativa de retomar um grupo de voluntários, que apoiou mais de 100 pessoas durante toda a pandemia de covid-19. O grupo passou a ser chamado Fênix Humanitária, e agraga pessoas de Pelotas e Região do Extremo Sul do Rio Grande do Sul. Para tanto, foi fundamental o diálogo com a Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Pelotas, a Unidade Cuidativa da Universidade Federal de Pelotas e Fórum Gaúcho de Saúde Mental, no sentido de se reorganizar com entidades, movimentos sociais e instituições públicas para acolher demandas oriundas das pessoas que, em suas casas, entram em sofrimento psíquico devido a essa grave situação enfrentada e uma série de notícias que fragilizam e impõe medo.
De o apoio coletivo, uma estudante da Terapia Ocupacional da UFPel, se propôs a reformular o cartaz do grupo de ajuda e suporte mútuo e se dispôs a fazer o mural de fotos dos integrantes todos os dias depois do grupo. O grupo vai funcionar no horário das 09 horas até às 19 horas. Nossa metodologia é que o mesmo permanece aberto inicialmente nestes horários para identificar as demandas emergenciais, sendo que durante o dia faremos uma hora de bate-papo simultâneo. Será divulgado nos grupos de WhatsApp, redes sociais como Facebook, Instagram e através de coletivos, associações e entidades diretamente envolvidas com a Luta Antimanicomial, Reforma Psiquiátrica e também que atuam na área de Cuidados Paliativos, bem como no movimento nacional da Frente Paliativista, que atendem a população com doenças crônicas e pessoas com doenças que ameaçam a vida.
Nossa equipe voluntária de trabalho remoto é composta por: dois terapeutas ocupacionais, uma psicóloga, duas enfermeiras, uma profissional de educação física, estudantes da UFPel, experts por experiência e uma médica paliativista da Unidade Cuidativa e outro médico de apoio, voluntário que reside na cidade do Rio de Janeiro.
Destacamos algumas regras estipuladas para a participação do grupo de ajuda e suporte mútuo: 1. Se apresentar por áudio e enviar foto. 2. Discrição, sigilo, com experiências, sofrimentos e angústias das pessoas. 3. Não compartilhar as postagens aqui realizadas sem permissão das pessoas. 4. Respeitar, acolher, ter empatia com as dores das pessoas. 5. Ajuda e Suporte Mútuo e que todas as vidas e opiniões são importantes.
Sobre as demandas encontradas nos primeiros dias do grupo Fênix Humanitárias, realizamos um bate-papo virtual a partir do aplicativo do WhatsApp para que todos(as) pudessem se conhecer e desta forma surgiram demandas de escuta individual para orientações sobre o acesso à farmácia distrital do estado; escuta individual para uma profissional de saúde com dificuldade de acesso a receitas para o tratamento de saúde mental e também escuta e acolhimento à crise de sofrimento psíquico por falta de acesso aos medicamentos da farmácia municipal da cidade. Também no grupo surgiram ações de solidariedade para pessoas que se encontram em área de risco com dificuldade de locomoção.
Assim, concluímos que a iniciativa está em processo de construção e surge a partir da participação popular e engajamento dessas pessoas em movimentos sociais que rapidamente precisam criar estratégias de sobrevivência e resiliência diante de tantos desafios impostos pela estrutura social que compila a população a repensar seus modos de vida e neste caso a minimizar os impactos causados pela natureza que impactam diretamente com situações de emergências climáticas causando grandes desastres ambientais.