O estudo aborda a temática da inclusão das mulheres nos espaços de gestão e mobilização social, cujo desafios e relevância do tema se estendem também às entidades ligadas à governança e controle social da área da saúde. É evidente a existência de desigualdades de oportunidades de acesso a cargos de gestão com base nos gêneros, com uma notável predominância masculina nos espaços decisórios.
Os cargos de secretários municipais representam o papel de maior destaque na execução da política de saúde dentro dos municípios. Não obstante, os presidentes dos conselhos de saúde dos municípios são demandados sobre definição de pautas e papel fiscalizar dos conselhos, tornando-se vitais nas estratégias e na gestão da saúde a nível municipal.
Neste contexto, o estudo buscou examinar a atual representação de gênero e a qualificação destes nos cargos de secretários municipais e presidentes dos conselhos de saúde nos municípios do Amazonas, duas figuras-chave responsáveis por administrar e monitorar as políticas públicas de saúde no âmbito governamental e de participação social no contexto amazônico.
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo transversal realizado por meio de análise de dados secundários de domínio público, obtidos através de duas fontes de dados, sem necessidade de submissão ao Comitê de Ética e Pesquisa. A primeira fonte se deu no Sistema de Acompanhamento dos Conselhos de Saúde (SIACS), um banco de dados disponível na internet que dispõem de informações acerca dos Conselhos de Saúde do Brasil. A população do estudo foi composta pelos Conselhos dos 62 municípios do Estado do Amazonas. Os dados foram coletados no mês de maio de 2024, para avaliação dos dados adotou-se como critério de exclusão o inadequado preenchimento das informações no SIACS que comprometessem a fidelidade dos dados levantados.
A segunda, são os dados da Pesquisa Básica de Informações Municipais (MUNIC 2021) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual uma das variáveis coletadas foi o sexo dos secretários de saúde dos municípios e o nível de escolaridade. Embora os dados deste último se refiram a 2021, eles continuam relevantes para ilustrar o panorama atual da ocupação de cargos de gestão em saúde no Amazonas.
A fim de contextualizar para âmbito do estado do Amazonas, adotou-se também a classificação dos municípios do Amazonas nas tipologias urbano, intermediário adjacente, intermediário remoto, rural adjacente e rural remoto, consultadas na Plataforma Geográfica Interativa (PGI/IBGE) disponível na internet.
A análise de dados se deu por meio da estatística descritiva, abrangendo as seguintes etapas: organização dos dados, tabulação simples e elaboração de tabelas.
A amostra do estudo quanto aos dados retirados do SIACS foi de 61 presidentes dos conselhos de saúde dos municípios, ou seja, com base nos critérios de exclusão definidos, apenas 1 município foi excluído. Já a amostra dos dados da MUNIC abrangeu os 62 secretários de saúde municipais do Amazonas.
No que diz respeito aos conselhos de saúde, geralmente eleitos por votação dos membros, a pesquisa revelou uma predominância masculina nos cargos de presidente, com 62,30% dos municípios tendo homens ocupando essa posição, enquanto apenas 37,70% dos presidentes eram mulheres. Os resultados foram desagregados de acordo com a tipologia dos municípios do IBGE, com destaque para os municípios classificados como Urbanos, Intermediários Remotos e Rurais Remotos, que apresentaram percentuais de 88,89%, 64,29% e 60,71%, respectivamente para os do sexo masculino. No entanto, nos municípios classificados como Rurais Adjacentes, foi observado que 62,50% das presidentes dos conselhos eram mulheres, enquanto nos Intermediários Adjacentes, as porcentagens foram equilibradas entre ambos os sexos.
Com relação a essa discrepância quanto a presidentes do sexo feminino vale ressaltar que no processo para se tornar presidente de um conselho de saúde é preciso ser eleito pelos seus membros por votação, segundo a Resolução 453/2012 que rege os conselhos de saúde. A escolha por votação dos membros em eleição, podem favorecer a escolha de presidente do gênero masculino, em função de aspectos socioculturais aqui não levantados, e cabe aqui a reflexão se os membros desses conselhos também são um reflexo de maioria masculina, visto que o gênero dos membros não é mencionado no SIACS.
Quanto aos gestores das secretarias de saúde, observa-se uma predominância masculina menos acentuada em comparação com os presidentes dos conselhos, com 45,16% dos cargos ocupados por mulheres e 54,84% por homens. No entanto, ao analisar os dados de acordo com as tipologias do IBGE, foram identificadas algumas disparidades, especialmente nos municípios classificados como Intermediários Adjacentes, onde 100,00% dos gestores eram homens, e nos Intermediários Remotos, onde 28,57% eram mulheres e 71,43% eram homens. Por outro lado, nos municípios classificados como Rurais Adjacentes, 62,50% dos gestores eram mulheres, enquanto nos Rurais Remotos, a proporção era de 37,50% mulheres e 62,50% homens.
O estudo também levantou dados sobre o grau de escolaridade dos presidentes e secretários, a fim de verificar se há disparidades de gênero quanto a qualificação das pessoas que ocupam esses cargos. Quanto aos presidentes dos conselhos de saúde notou-se que dentre as presidentes do sexo feminino a maioria (52,17%) tinha o ensino médio completo e 47,83% tinham ensino superior completo. Já entre os presidentes do sexo masculino, 65,79% possuíam ensino superior completo, o que já representa uma disparidade em relação ao sexo oposto de 17,96%. Quanto aos outros níveis de formação dos presidentes homens 23,68% completaram o ensino médio, seguidos de ensino superior incompleto e ensino fundamental com 7,98% e 2,63%, respectivamente.
No que diz respeito aos secretários de saúde em geral, notou-se maiores níveis de escolaridade em relação aos presidentes de conselhos, provavelmente devido aos conselhos possuírem representação de usuários e os secretariados serem cargos de maior exigência de qualificações e não dependem de votação. Em relação a porcentagem de cada gênero observou-se que dentre os que tinham o ensino superior completo, 85,71% eram do sexo feminino e 73,50% eram do sexo masculino, apresentando resultados divergentes dos índices dos presidentes, uma predominância de mulheres com formação de nível superior inclusive maior que dos homens. Observou-se ainda dentre as secretárias de saúde que 7,14% possuíam ensino médio completo e a mesma porcentagem para ensino superior incompleto. Já dentre os secretários 14,71% possuíam ensino médio, 8,82% possuíam ensino superior incompleto e 2,94% o doutorado.
Em relação a qualificação dos objetos do estudo observa-se que os presidentes de conselho do sexo masculino apresentaram maior qualificação que as do sexo feminino, já quando aos secretários de saúde os dados mostraram o oposto, ainda que discretos, o que possivelmente pode ter relação com o processo de recebimento do cargo.
Com base nos dados apresentados, temos um cenário aparentemente promissor, principalmente quando verificamos que em algumas regiões é possível observar um equilíbrio de escolha para ocupação dos cargos em função do sexo. Sendo a maior parte da população e as que mais utilizam os serviços de saúde, ter mulheres nos espaços decisórios de saúde para representar suas demandas é vital para a construção de políticas públicas inclusivas e assertivas.
O estudo evidencia, que apesar de menores as disparidades, ainda é necessário investir em incentivos de inclusão de diversidade de gêneros. Dessa forma, fomentar um discurso plural nos espaços de decisão da saúde, espelhando a realidade de como é a sociedade, trazer esse discurso reforça esse pensamento.