Apesar de subutilizado, o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre é o método contraceptivo reversível de longa duração (LARC) de maior potencial de impacto no Sistema Único de Saúde (SUS). Isso ocorre pelo grande número de pessoas elegíveis ao uso, a disponibilidade do insumo em relação aos outros LARC e à sua segurança frente às demais opções contraceptivas.
Em comparação aos outros LARC, o DIU de cobre é aquele com a maior distribuição em território nacional, e, conforme mencionado, seus critérios de elegibilidade são acessíveis para a maioria da população do sexo feminino. Por outro lado, o implante subdérmico se limita a um grupo específico de idade e vulnerabilidade social. Enquanto o DIU hormonal não é financiado pelo Governo Federal.
Além disso, com exceção dos métodos irreversíveis, o DIU tem a menor taxa de falha dentre os demais anticoncepcionais do SUS, contribuindo para a redução das gravidezes não intencionais. Contudo, dados da Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE de 2019 mostraram que apenas 4,4% das brasileiras o utilizavam.
Parte desse cenário pode ser atribuído às barreiras de acesso ao DIU que se somam nos serviços de saúde, em seus fluxos de trabalho e lacunas de conhecimento dos profissionais. Diante disso, o objetivo deste estudo foi investigar a inserção do dispositivo intrauterino em uma unidade-escola da Estratégia de Saúde da Família (ESF) na cidade do Rio de Janeiro, sob a perspectiva dos prestadores de cuidados em saúde (PCS).
Esta pesquisa foi extraída do trabalho de conclusão de curso apresentado em março de 2024 para a Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de abordagem descritiva, realizada em uma unidade-escola da ESF do na cidade do Rio de Janeiro. Foram selecionados para participar da pesquisa PCS, das categorias de enfermagem, medicina e agentes comunitários, que estivessem atuando ao menos por 6 meses na atenção primária em saúde (APS). Foram excluídos aqueles que estavam de licença, férias ou afastamento. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e a análise do conteúdo das entrevistas foi realizada pelo método de Bardin.
O estudo entrevistou doze pessoas, sendo a maioria do sexo feminino (68,7%), com ensino superior completo (58,3%), mediana de idade de 30 anos. A maior parte dos participantes consistiu em agentes comunitários de saúde (41,7%). Houve igual porcentagem (41,7%) entre aqueles com “até 3 anos” de atuação na ESF e os que possuíam “mais de 6 anos” de experiência, e metade dos participantes possuía “até 3 anos” de trabalho na unidade-cenário (50%).
Sobre a inserção do DIU na APS, emergiram das entrevistas dez unidades de contexto, englobando 274 unidades de conteúdo. Essas unidades de contexto foram: 1- Percepções sobre a demanda de LARC, com nove unidades de conteúdo; 2- Fatores relacionados à escolha do método, com 44; 3- Processos de trabalho a partir da manifestação de interesse, com 64; 4- Aspectos da ordem de inserção entre as interessadas, com 30; 5- Aspectos da marcação do procedimento, com 28; 6- Critérios para a realização do procedimento, com 27; 7- Questões dos insumos do procedimento, com 12; 8- Profissional responsável pela inserção, com 19; 9- Desafios percebidos para o procedimento, com 34; e 10 - Estratégias e boas práticas na inserção do DIU na APS, com 7.
Os PCS observaram aumento da procura por LARC, especialmente pelo DIU de cobre e implantes subdérmicos. Essa tendência foi relacionada à redução da idade mínima para realização de métodos irreversíveis no país, o que parece ter incentivado a adesão da população aos grupos de planejamento reprodutivo, onde são apresentados todos os contraceptivos da rede. Nesse cenário, os DIUs foram destaque como método de espera à laqueadura tubária ou vasectomia da parceria. Embora a participação nos grupos não fosse obrigatória, ela foi fortemente encorajada.
A autonomia na escolha do método pelas pessoas do sexo feminino foi amplamente apoiada, permitindo ou não a participação da parceria, conforme a vontade da usuária. No entanto, persistem lacunas de conhecimento sobre a inserção em adolescentes, gerando dúvidas sobre o papel dos responsáveis na escolha do método, se há exigência de consentimento informado, uma idade mínima para a decisão autônoma da adolescente e se há necessidade da presença do responsável durante o procedimento. Essas incertezas sobre aspectos legais deixavam os PCS apreensivos em ofertar o DIU, possivelmente contribuindo para a ausência de inserção nas adolescentes em algumas equipes.
O procedimento geralmente era mediante agendamento após a inclusão em uma lista de espera. Algumas equipes estabeleceram a inserção em demanda espontânea, especialmente quando tinham baixa procura pelo procedimento. A marcação do procedimento variou entre equipes, com algumas realizando o procedimento em horários específicos do dia, turnos específicos da semana e até mesmo aos sábados ou em turnos estendidos.
O agendamento do procedimento era adiantado a depender de aspectos da usuária, foram comuns a priorização segundo histórico clínico-obstétrico, vulnerabilidade social e dificuldade de adesão ou contraindicação aos demais contraceptivos da rede. Os PCS justificaram tais medidas nos atributos da equidade e longitudinalidade da APS.
Quanto às condutas para inserção, os profissionais relataram solicitar o teste imunológico de gravidez, realizar testes rápidos para infecções sexualmente transmissíveis, conforme a anamnese do comportamento sexual, e fornecer orientação contraceptiva geral. Houve amplo conhecimento sobre a não necessidade de exames de imagem, mas alguns entrevistados, apesar de seguirem as recomendações, demonstraram discordância da orientação. Um entrevistado mencionou que em sua equipe era preferível a realização do exame colpocitológico para a inserção do DIU.
Como a cidade está capacitando o corpo de enfermagem no procedimento, com exigência de 20 inserções reais para obtenção do certificado, ele estava sendo mais realizado por enfermeiros na unidade-cenário. No entanto, o cenário foi dito transitório, com vistas ao compartilhamento dessa atividade entre médicos e enfermeiros. Por outro lado, como a inserção do DIU hormonal ainda é restrita aos médicos, esse foi o foco desta categoria. Além disso, foi mencionada a preocupação de usuários quanto à competência da enfermagem em realizar o procedimento.
Dentre os desafios percebidos para a inserção do DIU, a precariedade do vínculo empregatício das usuárias foi mais mencionada, pois dificultou o acesso aos serviços de saúde. Outros obstáculos incluíram: a dificuldade de realizar o procedimento devido à alta demanda de atendimentos; a demora na marcação da consulta para inserção e o agendamento distante; as desistências após longos períodos de espera; o receio da dor do procedimento; e questões relacionadas aos profissionais, como falta de interesse em realizar capacitação, insegurança na execução do procedimento e vacâncias médicas.
Por fim, foram mencionadas estratégias e boas práticas na inserção do DIU na APS, como a oportunização da coleta do preventivo antes do procedimento, orientações sobre a manutenção do contraceptivo habitual até a consulta de seguimento, estímulo à inserção pós-parto ainda no pré-natal, disponibilidade de inserção em demanda espontânea durante ações do Bolsa Família e manejo da dor do procedimento.