ESCREVIVÊNCIAS DE UMA MULHER NEGRA QUILOMBOLA

  • Author
  • Ronilda Bordó de Freitas
  • Co-authors
  • Flávia Cristina Silveira Lemos , José Augusto Lopes da Silva , Lorrany Di Paula Ferreira de Freitas , André Benassuly Arruda , Antônio Soares Junior , Edilene Silva Tenório , Tess Rafaela Lobato de Oliveira , Anderson Reis de Oliveira
  • Abstract
  • O presente trabalho faz parte da dissertação de mestrado denominado “Mulheres Negras Quilombolas e as Políticas Públicas Afirmativas no Ensino Superior na Universidade Federal do Pará: escrevivências de uma estudante negra quilombola” que foi apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Federal do Pará em 2023, em que apresento importantes contribuições por meio das minhas escrevivências como estudante negra quilombola. Nesse contexto, “a noção de escrevivência age como instância ética, estética e poética, pois dá vazão à mudança de perspectiva por meio do processo criativo”. Um dos objetivos centrais das escrevivências está relacionado na elaboração e execução da atividade do 1º Encontro sobre Saúde Mental e Educação: práticas de cuidados em comunidades quilombolas ocorrido em Umarizal/Baião Pará, quilombo de uma das autoras.  A sociedade brasileira e o Estado desenvolveram um discurso e uma política que estigmatizam os negros como portadores do perigo que amedrontam os brancos, sendo que o povo preto se torna alvo de repressão civil-militar e da segregação por meio de várias formas de apartheid social, cultural, econômico entre outros. Por exemplo, a tortura, as prisões e os genocídios são apoiados por uma sociedade amedrontada por esse discurso de contexto ideológico do mito das classes perigosas. Se por um lado, o sistema colonial era uma forma em que a superexploração do corpo negro pelo sistema de escravidão era utilizada, por outro lado, os estereótipos formados no período pós-abolicionista continuariam a perpetuar uma lógica de exclusão da população negra brasileira como a consequente extinção desse povo. As mulheres achavam-se duplamente excluídas: do meio educacional formal, que era reservado apenas para um determinado grupo. Ademais, eram injustamente consideradas como inferiores, o que é absurdo tendo em vista o pensamento contemporâneo da sociedade brasileira. A questão de gênero, teve com a principal consequência a exclusão das mulheres, simplesmente por elas serem do sexo feminino. Diante desse cenário, as mulheres negras quilombolas trazem consigo uma história de resistências, enfrentando diversos desafios que incluem discriminação racial, de gênero e as complexidades do contexto socioeconômico. Muitas delas ainda não conseguiram acessar plenamente as oportunidades nas universidades, não recebem o reconhecimento que merecem e continuam a lutar contra o racismo e o sexismo. Além disso, é comum que muitas delas vivam em áreas remotas e afastadas dos centros urbanos, o que dificulta ainda mais o acesso às oportunidades de saúde, educação, trabalho e renda. Por outro lado, são as mulheres quilombolas que desempenham vários papéis em suas comunidades como, por exemplo: o trabalho no cultivo da mandioca, do arroz, do milho, entre outros. Elas também são lideranças nos seus territórios e têm uma trajetória de resistência e luta no contexto acadêmico. Conforme as autoras apontam, é necessário que essas mulheres acessem as universidades e possam ampliar as suas qualificações para que agreguem conhecimentos e saberes que serão desenvolvidos como retorno às suas comunidades. Diante desses contextos, as inquietações da vida acadêmica faziam sempre surgir diversas perguntas, uma delas foi como podemos contribuir com os processos de resistência através da promoção e prevenção em saúde mental nos quilombos? Esta foi uma das preocupações centrais da pesquisa, tal como apresentado pela pesquisadora Ronilda Bordó. “Algo que nunca me saiu da mente, do compromisso que assumi quando me inscrevi para o Processo Seletivo Simplificado (PSE), sendo uma das perguntas que foram feita na entrevista para seleção do processo seletivo, se vamos contribuir com a comunidade depois de formada(o)s. Assumi esse compromisso com eles e comigo mesma. Logo que terminei minha graduação, pensava em várias formas de como ajudar minha comunidade, fazer o possível para contribuir com a mesma”. A partir de algumas inquietações, surgiu o primeiro evento sobre saúde mental e educação, desde pensar em como seria o tema para o evento, ou como podíamos mobilizar, foram muitos acontecimentos, entre um percurso de seis meses. A primeira ideia que tivemos foi de chamar alguns amigos mais próximos que se formaram no curso de Psicologia, para ajudar na organização e participação do evento como convidados. Recebi o apoio de algumas pessoas que foram essenciais para que o evento acontecesse como da Professora Flávia Lemos da UFPA, entre outros professores de diferentes universidades que foram convidados. Pensamos em buscar parceria com a própria comunidade, diante disso, entramos em contato com a escola local, pedindo parceria juntamente com a direção da mesma, com Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo (ACORQBU) de Umarizal, alunos e professores, que nos ajudassem também, pois não fazemos nada sozinhos. Quanto mais mãos tivessem para agregar melhor seria para o desenvolvimento do evento, foi o que pensamos e executamos. Então, tivemos a oportunidade de criar um grupo de whatsapp para organização e para a divulgação das atividades e para agregar apoiadores. Isso foi essencial, porque começamos a mobilização e colocamos várias equipes que iam trabalhar com cada parte do evento: equipes que ficariam responsáveis pela criação do evento na plataforma e dos certificados; equipes que ficassem responsáveis pela elaborações dos ofícios e que buscassem parceria para ajudar financeiramente com o nosso evento, pois sabíamos que teríamos bastantes gastos, entre, alimentação para os palestrantes que fariam parte do nosso evento, despesas e como articular a possibilidade de conseguir um transporte que levasse os palestrantes de Belém para a nossa comunidade. Foram dois dias (23 e 24 de julho de 2023) de eventos com temáticas voltadas para a saúde mental da comunidade como palestras que falavam sobre Saúde Mental Coletiva, Direitos Humanos e Redes Comunitárias de apoio sócio afetivo. Palestras sobre Decolonialidade e perspectiva Negra e Experiências, práticas de cuidados e fortalecimento de Mulheres Negras Quilombolas Tocantinas, foram muito importantes, pois houve provocação e inquietações junto aos participantes. As rodas de conversas que tivemos abordaram temas como: O impacto do racismo no ambiente escolar; Saúde Mental de Professores e alunos pós-pandemia; Saúde mental da população quilombola; Gêneros, sexualidades e saúde mental nas escolas e Relações familiares e automutilação na adolescência. Tivemos também duas oficinas sobre Plantas Medicinais, Oficina sobre Redação e a outra foi sobre Turbantes, que foram essenciais para nos aproximar da comunidade que participaram coletivamente, uma verdadeira troca de saberes entre os participantes. Entretanto, durante o evento surgiram demandas nas rodas de conversas preocupantes sobre mutilações, ansiedades e depressões, porém, algumas demandas também foram acolhidas pelos psicólogos que participaram das atividades e fizeram uma escuta afetiva com alguns casos relacionados à saúde mental dessas pessoas. Os resultados foram importantes, pois os mesmos promoveram através dos diálogos, das oficinas e rodas de conversas, interações, movimentos de inquietações entre os participantes, como o fortalecimento dos sujeitos. Percebemos que o evento ajudou a promover escuta de afeto e cuidado, na compreensão em que as comunidades quilombolas precisam de um olhar diferenciado, sobretudo, dos seus modos de vivências, suas culturas e seus saberes ancestrais. Se faz necessário que as comunidades quilombolas tenham acessos a mais políticas públicas de saúde e de educação que sejam pensadas especificamente para essa população, pois as mesmas tem características específicas em seus territórios, sem nunca deixar de levar em conta os conhecimentos e os saberes da própria comunidade. 

  • Keywords
  • Qulombolas, Atenção psicossocial, Saúde mental coletiva, Escuta
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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