A Reforma Psiquiátrica Brasileira inaugurou novas maneiras de se compreender o sofrimento psíquico, rompendo com a antiga noção do isolamento terapêutico como única via possível para o tratamento de questões de saúde mental e uso abusivo de substâncias psicoativas. No entanto, a inauguração da Lei da Reforma Psiquiátrica nº 10.216 não garantiu de maneira total e permanente o rompimento com os efeitos sociais, jurídicos, técnicos e assistenciais produzidos historicamente pelos manicômios. Dentro do Sistema Único de Saúde, os trabalhadores e trabalhadoras protagonizam diariamente desafios em termos de realização de suas atividades, atravessados pelos retrocessos em políticas públicas que vão na contramão do que propõe a Rede de Atenção Psicossocial. Desta forma, a presente pesquisa buscou mobilizar reflexões acerca do cuidado de quem cuida, analisando a relação entre o trabalho em alguns dos dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial, e a saúde dos trabalhadores da Saúde Mental no município de João Pessoa, na Paraíba, identificando as nuances do trabalho na área de atuação da Atenção Psicossocial a Álcool e Drogas, a partir das mudanças alcançadas pela Lei da Reforma Psiquiátrica. Consideramos nesta pesquisa, dois dispositivos da Atenção Básica e Especializada deste contexto, como o Consultório na Rua (CNR) e Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas 24 Horas (CAPS-AD III). Para isso, será utilizada a perspectiva teórica da Clínica da Atividade proposta por Yves Clot, considerando as interlocuções com a teoria histórico-cultural de Vygotsky e um olhar a partir da linguística de Bakhtin. Como metodologia, adotamos a Instrução ao Sósia (IaS) proposta por Oddone, com roteiro não estruturado, partindo da única pergunta disparadora: “Se existisse outra pessoa perfeitamente idêntica a você, do ponto de vista físico, como você diria a ela para se comportar no seu trabalho, de forma que ninguém percebesse que não se trata de você mesmo?”, com o objetivo de desenvolver uma psicologia do trabalho na qual o(a) trabalhador(a) esteja no papel central da autoconfrontação com sua atividade laboral. Participaram desta pesquisa dois trabalhadores do CAPS-AD III e um do Consultório na Rua. Os resultados obtidos revelam aspectos relacionados às questões ético-afetivas laborais enfrentadas nos serviços da rede pelos trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo em meio ao contexto de fragilização de recursos nas políticas públicas e aos efeitos da incompletude da Reforma Psiquiátrica no real do trabalho. Isso possibilitou compreender aspectos do ceifamento do poder de agir dos(as) trabalhadores(as) relacionados a adoecimentos e desligamentos no trabalho, bem como o desenvolvimento de gêneros profissionais pós Reforma Psiquiátrica dentro da perspectiva teórica da Clínica da Atividade. Dessa forma, se conclui a urgente necessidade de se aprofundarem estudos na perspectiva de saúde do trabalhador e trabalhadora, bem como avaliar a efetividade das políticas públicas da Rede de Atenção Psicossocial e Saúde Mental e os efeitos da Contrarreforma Psiquiátrica para a saúde no trabalho.