Laços de Fortalecimento entre Elas: ações de saúde mental com adolescentes por meio de estágio em psicologia

  • Author
  • Tainá Schütz
  • Co-authors
  • Jodéli Fabiana Dreissig , Letiane de Souza Machado , Maria Carolina Magedanz , Andreza Maiara Pompmacher , Alíssia Gressler Dornelles , Jémerson Madrid Dias , Teresinha Eduardes Klafke
  • Abstract
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    O resumo tem como objetivo relatar a experiência de ações em saúde elaboradas por uma graduanda do curso de psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), como tarefa integrante da disciplina de estágio. A ação foi orientada pelos supervisores da instituição de ensino e do local de estágio. É relevante destacar que esse relato foi submetido às reflexões e às análises realizadas pelo Grupo da Pesquisa sobre Adolescências (GRUPAD), vinculado à UNISC. O GRUPAD trabalha há 14 anos com promoção e educação em saúde. A partir de diálogos com o grupo da pesquisa, confeccionou-se o presente resumo. A ação consistiu na organização de um grupo com adolescentes autoidentificadas como mulheres cisgênero, no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) de um município do interior do Rio Grande do Sul. O CAPSi institui-se como um serviço de portas abertas que presta atendimentos psicossociais para crianças e adolescentes de 0 até 18 anos com transtornos mentais graves e persistentes e sofrimento psíquico. O serviço tem caráter substitutivo, já que foi concebido com o objetivo de substituir a lógica manicomial e hospitalocêntrica, sendo uma alternativa ao modelo de tratamento psiquiátrico tradicional, que muitas vezes envolvia a internação prolongada. As demandas do serviço são originadas através de encaminhamentos provenientes da Atenção Primária à Saúde (APS), Secretaria Municipal de Educação (SMED), procura espontânea ou outros serviços especializados. No decorrer do período de atuação no estágio em psicologia, percebeu-se a necessidade das adolescentes por espaços em que pudessem discutir assuntos envolvendo questões de gênero relativas ao lugar e ao papel atribuído às mulheres na sociedade. Ressalta-se que nesse resumo, para fins de organização, quando for utilizado o termo “mulher” está se referindo à mulheres cisgênero. As temáticas foram trazidas pelas adolescentes nos atendimentos individuais com diferentes profissionais, ou até mesmo, nos espaços de convivência do local, evidenciando questões relacionadas a desigualdades e estereótipos de gênero. As ações em saúde e o presente estudo buscam uma perspectiva crítica e coletiva para se pensar nas adolescências, reconhecendo que essa dimensão tão potente é moldada por tais estereótipos, os quais, muitas vezes, diminuem o reconhecimento de interesses das adolescentes. Desse modo, a fim de possibilitar um espaço para diálogo e lugar de fala, oportunizou-se o grupo, visando a criação de laços e rede de apoio entre as participantes. O grupo se destinou a adolescentes com idades entre 14 e 18 anos, e foi implementado em formato presencial. Os encontros ocorreram quinzenalmente, com duração de uma hora, sendo mediados pela graduanda, juntamente com outra estagiária do local. Priorizou-se manter o grupo aberto para novas integrantes, incentivando a participação. Cada encontro foi construído de forma coletiva, promovendo o debate sobre questões contemporâneas vivenciadas na adolescência. Tais discussões foram conduzidas por meio de rodas de conversa, leituras, escritas ou práticas artísticas e expressivas. Houve a confecção de bandeiras de tecido, contendo pinturas, desenhos e poesias criadas pelas participantes. Além disso, as facilitadoras do grupo disponibilizaram recursos adicionais, como livros ou filmes relacionados às temáticas discutidas, a fim de estimular o aprofundamento dessas reflexões. Para o registro dos encontros, utilizou-se a escrita de um diário de campo. Algumas dificuldades estiveram implicadas no decorrer da ação em saúde, como: horários do grupo concomitantes com os de trabalho de algumas adolescentes e limitação em relação a disponibilidade de transporte oferecido pelo próprio serviço/município. Ademais, lidamos com um desafio específico relacionado à maternidade. Uma adolescente que é mãe confirmava a sua participação, mas não pôde comparecer em diferentes ocasiões devido a questões envolvendo o seu filho. É importante destacar que tal dificuldade vai ao encontro com a temática do grupo, sendo um atravessamento relacionado às questões do ser mulher e à maternidade na adolescência. Durante o período de interação com o grupo, foi possível observar uma variedade de reflexões e experiências compartilhadas. No primeiro encontro, emergiu a discussão sobre as imposições sociais enfrentadas pelas adolescentes, incluindo restrições na forma de se vestir, como evidenciado pelos relatos de uma das participantes sobre as regras da escola em relação ao comprimento das roupas. Ao longo da ação, a arte foi reconhecida pelas adolescentes como uma forma de expressão pessoal e coletiva, que permeia diferentes aspectos da vida cotidiana. Uma das participantes reflete sobre a escrita, os desenhos e até a música. Ressaltou-se no grupo que essas manifestações artísticas proporcionam uma via de expressão para as emoções e experiências vivenciadas. Ainda no primeiro encontro sobressaíram alguns relatos pessoais, nos quais uma das participantes expressou sua frustração em relação à prática de escrita. A adolescente trouxe que escrever costumava ser um refúgio pessoal para explorar questões e sentimentos, mas parou devido à sensação de invasão de privacidade provocada por uma pessoa de seu convívio, que passou a ler os seus relatos, o que resultou em conflitos familiares. No segundo encontro, uma das adolescentes compartilhou sobre a sua experiência de ser a única responsável pelas tarefas em sua residência, o que reflete em uma divisão desigual do trabalho e reforça estereótipos de gênero na sociedade. Outra integrante comentou sobre seus sentimentos, utilizando-se de metáforas do cotidiano, como a analogia de se sentir como um quarto bagunçado. Assim, para expressar suas emoções e percepções, apresentou uma estratégia criativa que permite uma compreensão mais profunda de sua realidade pessoal. Retomando a arte, em outro encontro, a participante que compartilhou anteriormente sobre a prática da escrita trouxe ao grupo uma poesia que havia escrito, a qual foi reconhecida e admirada pelo grupo, culminando na decisão de utilizá-la em uma bandeira. O elogio à habilidade de escrita da participante demonstra a importância do apoio mútuo e coletivo entre pares. Somado a isso, outra adolescente revelou sua afinidade com o desenho e contribuiu com uma criação autoral para a bandeira. Sua escolha foi retratar um corpo em estilo line art, cercado de flores e borboletas. A confecção da bandeira foi uma construção conjunta no grupo, assim, foi possível o reconhecimento das potencialidades artísticas de cada adolescente. É importante ressaltar que o grupo surgiu para atender uma demanda apresentada pelas adolescentes. Com isso, reafirma-se o lugar do serviço na rede de saúde, resgatando o seu caráter substitutivo ao modelo de cuidado manicomial, que se deu a partir da Reforma Psiquiátrica Brasileira, seguindo princípios para uma atenção em saúde mental mais humanizada, em liberdade e integrada à comunidade. A saúde mental não deve ser remetida e subsumida apenas a psicopatologia, diagnóstico, medicação e semiologia. Esse campo é complexo, diversificado e plural, portanto, torna-se fundamental o laço com uma abordagem que leve em conta o indivíduo em sua totalidade. Ainda, é importante ressaltar que a ação buscou envolver ativamente as participantes no processo, escutando e considerando suas experiências e preocupações e promovendo a participação ativa na tomada de decisões sobre seu acompanhamento. Por meio da prática de ações em saúde, foi possível a construção de uma rede de apoio entre pares, o fortalecimento do coletivo e o reconhecimento de barreiras estruturais que tentam subjugar o ser mulher. Logo, é válido ressaltar a importância e o papel social do CAPSi, que a partir do desenvolvimento de um trabalho que busca superar tais problemáticas, abre espaços para um processo de adolescer com maior liberdade de expressão, de experimentação e de autonomia.  

  • Keywords
  • Perspectiva de Gênero, Adolescência, Centro de Atenção Psicossocial, Saúde Mental.
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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