Este trabalho visa contribuir com a discussão sobre as políticas públicas voltadas às Parteiras Tradicionais(PT) no Brasil. Busca-se compreender quais desafios estão interpostos nas demandas por reconhecimento e legitimidade de práticas de cuidado genuínas ao que se refere à interface dos campos saúde e cultura e às possibilidades de interação com o Sistema Único de Saúde (SUS). A trajetória de políticas voltadas a esse grupo de mulheres ainda está em curso e as tentativas de articulação para melhoria da assistência e das condições de trabalho muitas vezes se constituem como estratégias que reduzem a complexidade da questão saber/fazer da parteira.
Seus conhecimentos e práticas são enraizados em tradições culturais transmitidas de geração em geração e a interface entre essas práticas e o sistema de saúde muitas vezes se revela desafiadora. Destacamos a importância de reconhecer e valorizar saberes e práticas bem como identificar maneiras de aprimorar o apoio e a integração ao sistema de saúde. Um dos principais desafios é o reconhecimento oficial e a legitimidade das Parteiras Tradicionais dentro do sistema de saúde. Embora elas desempenhem um papel crucial em muitas comunidades, a falta de integração com o SUS ainda as localiza à margem. Isso não apenas pode afetar a capacidade de exercer suas práticas, mas também resultar em falta de acesso a recursos e apoio institucional.
Nesse cenário, é preciso refletir como será conduzida a integração ao sistema formal de saúde. De modo que, ao “formar” parteiras para atuarem conforme as práticas convencionais da obstetrícia pode-se estar produzindo silenciamento de práticas culturais e saberes ancestrais e não a sua valorização. Outro ponto importante, é que há uma tensão estabelecida entre as práticas tradicionais das Parteiras e os protocolos médicos. Ao mesmo tempo que as práticas tradicionais são valorizadas por sua abordagem humanizada e centrada na autonomia das mulheres, podem transitar em zonas de conflito como os padrões de segurança e eficácia estabelecidos pela concepção hegemônica e biomédica da saúde. Assim, é necessário trilhar caminhos para a construção democrática das perspectivas de saúde a fim de promover integração de saberes e garantir nascimentos respeitosos e seguros.
A importância da construção democrática e da participação social no processo de reconhecimento e legitimidade das práticas das Parteiras Tradicionais na interseção dos campos saúde e cultura e nas possibilidades de interação com o SUS não pode ser subestimada. A participação ativa das comunidades, incluindo as Parteiras Tradicionais e mulheres assistidas é fundamental para garantir que as políticas reflitam necessidades e realidades situadas, partindo sempre do pressuposto que estamos falando de um país com extensa diversidade cultural. Essa construção envolve o engajamento de múltiplos atores, incluindo governos, profissionais de saúde, organizações da sociedade civil e comunidades. E isso requer um compromisso com a transparência e com a inclusão de diversas vozes e perspectivas.
No contexto das Parteiras Tradicionais, a participação social pode ajudar a garantir que suas necessidades e preocupações sejam devidamente consideradas nas políticas de saúde. Isso deve incluir a criação de espaços para o diálogo e a colaboração entre as Parteiras e os formuladores de políticas de saúde, bem como o fortalecimento da representação das Parteiras em órgãos consultivos e decisórios da saúde.
É crucial entender que as parteiras tradicionais representam uma expressão significativa do patrimônio cultural brasileiro. Suas práticas refletem tradições ancestrais e conhecimentos indígenas e afro-brasileiros. Valorizá-las não é apenas uma questão de saúde pública, mas também de preservação da identidade cultural do país. Recentemente, um marco histórico foi alcançado com a declaração das Parteiras Tradicionais como patrimônio cultural do país. Essa decisão reafirma a importância de suas práticas na tecitura da identidade cultural brasileira. Tal reconhecimento destaca a urgente necessidade de proteger e preservar seus saberes e representa um passo significativo em direção à valorização e ao respeito às Parteiras Tradicionais, reforçando a importância de sua integração adequada ao sistema de saúde.
As políticas públicas devem atuar no sentido de promover a valorização e salvaguarda desse conhecimento tradicional. Isso pode incluir o incentivo à valorização das parteiras tradicionais, a promoção de intercâmbios de conhecimento entre parteiras tradicionais e profissionais de saúde, e a inclusão de suas práticas também por meio da interface com o campo da saúde. O reconhecimento e a valorização são fundamentais para promoção da inclusão de suas práticas no sistema de saúde. Isso envolve respeitar práticas tradicionais, conhecimentos ancestrais e a relação de confiança estabelecida com as comunidades em que atuam. A valorização cultural também implica em respeitar a diversidade de modelos de cuidado e compreender as necessidades específicas das mulheres atendidas.
Assim, ao buscar formas de integrar as parteiras tradicionais no sistema de saúde pressupõe-se a necessidade de criar espaços para troca de conhecimentos e a construção coletiva e colaborativa de protocolos de trabalho. Além da importância de se promover regulamentação por meio de diretrizes coerentes e critérios adequados para a construção de políticas públicas de saúde.
Sublinhamos ainda que políticas públicas inclusivas e sensíveis à cultura são essenciais para promover a equidade no acesso aos cuidados de saúde e garantir o reconhecimento e integração adequados às Parteiras Tradicionais. As implicações deste estudo são vastas, sugerindo a necessidade de uma abordagem mais colaborativa e inclusiva na formulação de políticas de saúde. Em última análise, reconhecer e apoiar as Parteiras Tradicionais é fundamental para promover a equidade e a justiça social. Sendo o trabalho colaborativo e a participação social pressupostos cruciais para uma condução democrática das políticas de saúde de modo a valorizar e respeitar a diversidade cultural.
Desse modo, ao refletir sobre as implicações desse estudo, somos confrontadas com a urgência de abordagens colaborativas e inclusivas para formulação de políticas de saúde. A equidade no acesso aos cuidados de saúde só pode ser verdadeiramente alcançada quando reconhecemos e valorizamos a diversidade de práticas e saberes. Portanto, é importante continuar trabalhando para integrar as práticas tradicionais ao sistema de saúde, garantindo que as comunidades também tenham acesso a serviços culturalmente sensíveis.
As políticas de saúde devem ser sensíveis à cultura, reconhecendo a importância das Parteiras Tradicionais e buscando formas de aprimorar o apoio e a integração ao sistema de saúde. Isso requer um diálogo constante com as comunidades, uma compreensão profunda de suas necessidades e uma disposição para uma constante análise de práticas. O trabalho colaborativo e a participação social devem ser os pilares da construção democrática das políticas de saúde, garantindo que nenhuma prática cultural de cuidado seja marginalizada e esquecida.
Em última análise, além de pensar estratégias para o desenvolvimento de políticas que valorizem e integrem as parteiras tradicionais no SUS sublinhamos a importância da promoção de práticas de cuidado centradas na justiça reprodutiva e na autonomia das mulheres. Este trabalho é um chamado à ação. É hora de reconhecer o papel vital das Parteiras Tradicionais e de garantir que recebam o apoio e o respeito que merecem. Somente assim podemos construir um futuro em que todas as mulheres tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade, independentemente de sua origem cultural ou social.