O uso da produção técnico científica com o objetivo de refletir e almejar mudanças nos cenários de prática são recorrentes na área da saúde. Estudos de caso, rounds, seminários, palestras e uma infinidade de possibilidades de encontro, mais ou menos dialógicos, são práticas comuns assim como suas variadas configurações. Porém, com menor frequência, nos deparamos com o compartilhamento de outras manifestações e sensibilidades, produções que se co-relacionam com a práxis do cuidado mas partem de outra perspectiva, a do afeto. Seja entre trabalhadores e/ou usuário, como diferentes formas de manifestação da palavra, como escrita, leituras e declamações e formas de manifestação da imagem, como desenhos, fotografias e colagens, são ainda raras estas manifestações e linguagens. Pequenas hipóteses podem surgir desse distanciamento, entre o técnico e o sensível, mas o atravessamento da normatividade biomédica notoriamente se coloca enquanto corte transversal para a montagem de diferentes possibilidades de cuidado, de si e do outro. Se escrever sobre vivências pessoais pode ser considerado um mecanismo de elaboração, compartilhar pode ser considerado uma intervenção, em si e no outro. Durante a pandemia, escrevi sobre alguns absurdos envolvendo medo, negacionismo, vacina, esperança, e tantas outras questões que nos atravessaram, e ainda, atravessam. Mas foi nas rodas de leitura com usuários que o sentido da escrita se deu. Em 2022 e 2023, fui convidado por colegas de Centros de Atenção Psicossocial a compartilhar essa escrita. A proposta era participar de Grupos de Leitura já consolidados nos serviços e integrar a roda de leitura em voz alta. Após cada crônica, comumente uma pequena discussão se formava, “que chique conhecer um escritor” pode ter sido uma das frases que escutei, mas foi quando escutei “ Foi exatamente isso que senti!” ou ainda “Não havia pensado dessa forma.” que as marcas mais profundas foram cravadas. Somos formados para expor e reforçar nossa técnica, mas não são poucos os autores que descrevem os impactos do compartilhamento de nossos afetos e suas possibilidades de transformação. Quando devemos afetar pela mobilização dos próprios afetos? Com que frequência construímos arte para também nos instrumentalizar? Como preparamos a rega dos campos mais áridos? A escrita surgiu assim como o uso da terra em passados não distantes. Quando a terra se faz possível, planto, quando não, escrevo, e ambos trazem a mesma herança, a partilha. Da experiência, destaco duas possibilidades: a do compartilhamento de si como possibilidade de aproximação e a exposição de si como potência formativa. A primeira vai de encontro aos escritos de diversos autores, entre eles Viktor E. Frankl, e a segunda na ideia de Villela, quando descreve a segregação e a robotização como consequência de processos que colam modelos representacionais nos sujeitos com o objetivo de limitar ações criativas e inovadoras.