O estudo tem por objetivo refletir sobre os fatores que impactam no acesso aos serviços de saúde por pessoas transgênero, após a ampliação do acesso ao processo transexualizador ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), através da Política Nacional de Saúde Integral LGBT, instituída pelo Ministério da Saúde em 2011, e a posterior redefinição e ampliação do serviço voltado a terapia hormonal instituída pela portaria Nº 2803 de 2013. Foram analisados os relatórios mensais gerados no ambulatório LGBT+, unidade de serviço especializado em uma capital da região Nordeste, no período de dezembro de 2023 a abril de 2024. Esta unidade iniciou suas atividades em setembro de 2023 com vistas a promover atenção integral à saúde dessa população, incluindo oferta de medicamentos que possibilitam o desenvolvimento de características secundárias desejadas às pessoas que apresentam incongruência de gênero. A busca por características secundárias por meio da terapia hormonal é por vezes pautada na transfobia estrutural, a qual é produto da leitura social baseada nas características físicas dessa população, perpetuando a ideia de que pessoas trans precisam eliminar as características secundárias do gênero designado no nascimento, mesmo que não haja alguma disforia quanto a estas características, para conquistar a aceitação frente à sociedade. Para além da pressão social pela estética, mulheres trans e travestis podem ser motivadas a iniciar essa busca pela normatização da aparência por segurança, logo, quanto mais facilmente lidas enquanto mulheres pela sociedade, menos chances de sofrerem transfobia. Esse ponto passa a ser ainda mais relevante no contexto brasileiro que ostenta o dado alarmante de país que mais mata mulheres trans e travestis no mundo. Tendo em vista que essa leitura social é baseada em características físicas, mulheres trans e travestis, por apresentarem um maior tempo entre o início da terapia e o desenvolvimento dessas características desejáveis, estão mais susceptíveis a sofrer os efeitos da transfobia estrutural, o que pode reverberar no acesso desta população ao serviço. A análise dos relatórios apontam que, no período estudado, ocorreram mais atendimentos de homens trans (135), para início do processo ou acompanhamento, que de mulheres trans e travestis (64). No período estudado a variação proporcional de homens trans atendidos comparado com mulheres trans e travestis foi entre 62,7% a 66,87% a mais de homens trans quando comparado com mulheres trans e travestis. Este dado aponta para uma conclusão preliminar de presença de fatores que vem dificultando o acesso das mulheres trans e travestis ao serviço e, desta forma, ao processo de hormonização. O tempo mais longo para desenvolvimento das características secundárias pode também estar contribuindo nesse processo, tornando possível a ocorrência de automedicação através do uso de medicamentos mais eficazes quanto a conferência de alterações corporais, em detrimento da segurança para a saúde geral dessas mulheres, o que requer um estudo mais aprofundado sobre os fatores que interferem na acesso desse público, em especial em um serviço especializado, buscando desenvolver um olhar para as singularidades das pessoas atendidas a fim de promover a universalidade do acesso à saúde.