Introdução: Devido a não compreensão da patologia e dos agentes causadores do vírus, o discurso médico e midiático contribuíram em sua gênese para um forte estigma contra os indivíduos soropositivos. Inicialmente, certos grupos sociais foram erroneamente responsabilizados pela epidemia, fato que causou estigmatização em relação ao vírus e a determinadas populações. O HIV/AIDS se trata de uma condição de saúde de caráter social e histórico que ainda gera vulnerabilidade social significativas, além de dúvidas em relação a patologia e preconceitos. Mesmo com os avanços no campo da saúde e do entendimento sobre a não preferência por grupos sociais, o estigma associado ao viver com HIV/AIDS pode gerar sensação de finitude e descontinuidade tanto no âmbito pessoal como profissional. Apesar do HIV ser uma condição com possibilidade de controle, o fenômeno de adoecimento ainda está profundamente entrelaçado com questões sociais, morais e religiosas. Dado o caráter crônico da doença, geralmente o sentimento de tristeza está quase sempre presente junto ao diagnóstico, se apresentando como uma dor emocional que se integra ao cotidiano. O estigma com as PVHA resulta em discriminação em todas as esferas sociais e dificulta o acesso aos serviços de saúde. Sentimentos de julgamento e exclusão das relações sociais podem fazer com que as PVHA desconsiderem o diagnóstico como uma forma de se defender do estigma e da discriminação. No entanto, esse julgamento moral contribui para a não adesão ao tratamento e para o isolamento social. Estudar a ruptura biográfica emerge como uma abordagem que permite compreender os processos que a patologia traz no contexto do diagnóstico de doenças crônicas, já que este diagnóstico pode gerar impactos e interrupções no padrão de vida e nas interações sociais, levando a uma reconstrução do ritmo de vida. Objetivo: Compreender os estigmas experienciados no processo de adoecimento de pessoas que vivem com HIV/AIDS sob a ótica da ruptura biográfica. Metodologia: A trajetória metodológica utilizada na pesquisa foi apreciada em uma abordagem qualitativa, exploratória com preferência da História de Vida para interpretação das vivências relatadas. A metodologia escolhida foi a de entrevista semiestruturada para apreensão dos dados a serem coletados, as quais foram gravadas por meio de um Iphone X. Os participantes do estudo foram pessoas acompanhadas pelo Serviço Municipal de Assistência Especializada em uma cidade do Estado da Bahia, foram entrevistados usuários acompanhados pelo serviço médico de infectologia, com diagnóstico de HIV, adultos jovens de 18 a 24 anos de ambos os sexos, sem restrição de identidade de gênero ou orientação sexual. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia sob número do parecer 5.991.828 e CAAE 54898221.4.0000.0057. Resultados e discussão: Durante as entrevistas, foi possível constatar que as PVHA apresentam sofrimento pré-morbido, sendo que maioria dos participantes entrevistados eram homens, negros, periféricos e homossexuais, que já possuíam história prévia de violências. O HIV surge como multiplicador de sofrimento e discurso de ódio contra pessoas que não só já foram marginalizadas, como terão esse processo perpetuado. Diversas vertentes são experienciadas por essas pessoas, desde o abandono social, o medo de discriminação, demissão do trabalho, ansiedade, preconceito, não adesão ao tratamento, rejeição, até mesmo o suicídio. Portanto, a revelação do HIV pode expor toda a angústia existencial imposta pela sociedade, especialmente quando se cruzam e entrelaçam com outras opressões, como as relacionadas com à raça, economia, sexualidade e idade. Dessa forma, o adoecer com HIV/AIDS provoca uma ruptura que gera mudanças nas dinâmicas interpessoais e demanda uma reorganização emocional diante das vulnerabilidades resultantes da doença. Nesse cenário, a AIDS carrega consigo não apenas o ônus de ser uma doença crônica, mas também o peso do preconceito e do estigma, que torna esse indivíduo marginalizado e muitas vezes o leva a se culpabilizar pela doença. O impacto do estigma e da discriminação diante das PVHA também se manifesta no ramo profissional, a medida em que essas pessoas enfrentam momentos de ansiedade, principalmente medo de não poder trabalhar por causa do diagnóstico, perder o emprego por revelação ou qualquer exposição ao sigilo. Assim, esta condição de saúde tem se revelado como um elemento potente de exclusão da esfera pública e econômica em decorrência da considerável estigmatização que o mercado de trabalho pode impor aos trabalhadores soropositivos. O estigma ainda se faz presente, no caso da AIDS, porque existe uma intersecção de outros estigmas que operam sempre em conjunto para descriminalizar aquilo que não é o normativo. Historicamente, o HIV/AIDS foi diretamente ligado à homossexualidade, à pessoas negras e a tudo que não é convencional relacionado a sexualidade, criando uma narrativa social que atribuia a disseminação e tranmissão da doença à populações socialmente vulneráveis. Além disso, o diagnóstico perpassa a alçada clínica e adentra também no campo criminal, já que predominantemente são esses os corpos que sofrem violência estrutural em proporção. Desse modo, PVHA temem a violência não somente por causa de sua doença, mas por causa de sua orientação sexual e também cor de pele. Além de haver uma barreira de acesso mediante o estigma, a discriminação da sociedade e o não apoio familiar, PVHA também se reconhecem em permanente julgamento social e normalmente não são acolhidos por diversos profissionais da saúde, e como consequência, se tranforma em fatores que estão relacionados a não adesão ao tratamento. Assim, observa-se que aspectos psicossociais como a falta de suporte social eficaz, apoio inadequado, não aceitação da soropositividade, relacionamento insatisfatório com a equipe de saúde e receio dos efeitos colaterais são vertentes que prejudicam a adesão das PVHA ao tratamento. Diante das falas, nota-se que a ruptura causada diante o continuar vivendo com HIV/AIDS está condicionada a uma crise existencial, principalmente no que diz respeito a novas conquistas, realização de sonhos e propósito de vida. Todos esses desejos parecem se desfazer no percurso e apenas restar o HIV/AIDS como caminho a ser trilhado. Considerações finais: Concluiu-se que o estigma vivenciado pelas PVHA se manifesta de diferentes formas. Espalhou-se de uma forma que não só atingiu os corpos infectados, mas também afetou muito as relações familiares, profissionais, de autocuidado e de procura por atendimentos de saúde, assim como nos demais ambientes que essas pessoas frequentavam.