Introdução: Associa-se ao trabalho colaborativo e Interprofissional na saúde, uma dimensão imprescindível alicerçada no compartilhamento de saberes entre profissionais da área de modo que as intervenções terapêuticas sejam não só corresponsibilizadas para com o usuário mas também horizontalizada entre as categorias do espaço de trabalho. Desta maneira, pode-se inferir que a interprofissionalidade é elemento essencial ao cuidado por ter um olhar sobre a integralidade e em suas singularidades, além de potencializar e qualificar as ações desenvolvidas nas unidades. Quando se fala do ser vivente com HIV/AIDS, é comum que essas pessoas padeçam não só dos sintomas advindos da doença e das infecções oportunistas do HIV, bem como fatores psicossociais, estigmas e preconceitos que afetam diretamente sua qualidade de vida. Deste modo, a importância do cuidado integral se expande, não só pelas particularidades dos usuários desde o momento do acolhimento, como em todo acompanhamento terapêutico continuamente.
Objetivo: Assim, essa pesquisa tem como objetivo analisar as contribuições da interprofissionalidade e conhecer as práticas de saúde pautadas no trabalho em equipe na terapia de pessoas que vivem com HIV/AIDS.
Metodologia: Trata-se de um estudo qualitativo e a análise temática foi realizada após entrevistas semi-estruturadas. Os participantes da pesquisa foram tanto de usuários de uma unidade de referência na Bahia, especializada em pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e Hepatites Virais, quanto trabalhadores de tal unidade. Os critérios de inclusão englobavam: ser profissional do serviço ou ser atendido pelo serviço de infectologia, com diagnóstico de HIV, ter histórico de abandono ou adesão dificultada ao tratamento TARV, sem restrições de gênero e orientação sexual. Para análise dos dados, guiou-se pela Análise Temática, e inicialmente, com o intuito de organizar os dados, as entrevistas que foram gravadas em um IPhone 11 foram transcritas de forma literal associada a leitura flutuante e exaustiva do material na busca de sentidos e significados. Por conseguinte, foram reunidos os sentidos em núcleos e formou-se uma categoria empírica intitulada de barreiras e estratégias na formação profissional para o cuidado interprofissional. Após este momento, houve o tratamento dos resultados em um instrumento denominado trilha interpretativa feito em uma planilha que tem como finalidade a interpretação dos dados mediante a construção de uma síntese horizontal em que observou as convergências, divergências, diferenças e complementaridades das falas dos entrevistados, em seguida confrontava as informações produzidas, com o referencial teórico da temática existente. Este estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado da Bahia, por meio do parecer consubstanciado no CAAE 72938923.7.0000.0057. Ademais, foram seguidas as normas éticas de pesquisa com seres humanos, conforme as Resoluções nº 466 de 2012 e nº 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Resultados: Em primeiro plano, é imprescindível pontuar que os espaços que promovem a multiprofissionalidade não são necessariamente interprofissionais. Assim, os modelos das equipes de saúde interprofissionais, propõem a classificação das equipes multiprofissionais em agrupamento e interação entre estas, e é a partir dessa modalidade de interação que se direciona à integração dos trabalhos especializados e, também, dos profissionais que os executam. Por outro lado, a equipe de saúde que tem uma prática multiprofissional tende à fragmentação das ações em conjunto e ao distanciamento entre os trabalhadores e os trabalhos que estes executam. Diante disso, de acordo com as entrevistas realizadas, tanto os trabalhadores quanto os usuários da Unidade reconheceram que por diversas vezes o serviço oferece planos terapêuticos pautados na multiprofissionalidade, sem que ocorra de fato agrupamento e interação entre as categorias profissionais. Isso prejudica portanto a efetivação do trabalho interprofissional, além de incentivar o reducionismo e objetificação dos sujeitos, pois foge da proposta de clínica ampliada na produção do cuidado, modo operacional para o cuidado em saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) que enfatiza a necessidade do trabalho em equipe e estabelecimento da prática colaborativa de modo a qualificar o fazer em saúde. Ademais, quando se fala de exemplos de práticas interprofissionais, visualiza-se discussões de casos em equipe e elaboração de planos terapêuticos singulares, por exemplo. Essas são ações que estimulam o empoderamento dos trabalhadores, à tomada de decisão em conjunto e horizontalização dos saberes entre as categorias. No entanto, o que foi refletido durante esta pesquisa é que a realização de tais práticas na Unidade é deficitária pois as ações citadas pelos profissionais, como a leitura de prontuário dos seus colegas e conversas informais fora do âmbito e horário dos atendimentos, é insuficiente e não se constituem como ações já previstas e incorporadas pela Unidade como cotidianas no serviço. Mais uma vez, a falta de integração dos profissionais e de gestão nas unidades, contribui para dificultar, atrasar e fragmentar o cuidado, bem como gerar estresse emocional àqueles que buscam atendimento. Deve-se salientar também que essa ausência de práticas colaborativas - e que aquelas que atentam ao interprofissional são esporádicas e apenas ocorrem diante de iniciativa pessoal de algum profissional - mitiga também a comunicação entre as categorias o que revela mais uma vez o distanciamento entre os trabalhadores e a dicotomia entre as terapias oferecidas. Isto ocorre pela ausência de matriciamento, que não insere as práticas interprofissionais como cotidianas do serviço em prol de resolutividade quantitativa e não qualitativa, o que poderia ser contornado ao se inserir reuniões semanais para discussões de casos clínicos na unidade diante da presença de todas as categorias - Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, dentistas, farmacêuticos e assistentes sociais - e também tornar o serviço parte de um programa de Educação permanente, pois é sabido que programas de Residência Multiprofissional, por exemplo, pautam-se na cooperação entre diversos setores e categorias à medida em que qualifica a formação de jovens profissionais para o mercado de trabalho e do próprio serviço. Ademais, um ponto extremamente positivo e que foi citado de maneiro unânime entre os usuários, seria o vínculo à equipe como ferramenta potente do seu cuidado, desde o momento do acolhimento, até à manutenção da terapia. As palavras de afeto, respeito e compreensão que se estabelece se revelou como estratégia comunicativa de aproximação entre profissional e usuário e como incentivo ao tratamento - segundo muitos depoimentos -. Dessa maneira, é nítido que o serviço oferece um ótimo acolhimento aos usuários e é valioso lembrar que este vínculo é a tecnologia de intervenção em saúde que o SUS define como uma diretriz ética e política, a qual promove a corresponsabilização das ações e promove o usuário como protagonista da atenção em saúde.
Conclusão: Desta maneira, fica evidente a falha do cuidado interprofissional na produção de saúde para aqueles que vivem com HIV/AIDS, o qual pode somar mais um entrave à qualidade de vida de uma população já tão socialmente vulnerável. Por outro lado, deve-se salientar que o serviço atende a oferta do cuidado humanizado às pessoas portadoras do HIV, que se constitui como um momento de alta vulnerabilidade e instabilidade emocional a qual necessita que o exercício do trabalho profissional vá além da terapia física e biológica.