APRESENTAÇÃO E OBJETIVO:
Os processos migratórios é um tema emergente, ainda no ano de 2017, autores como Milesi e Coury (2017) apontaram níveis recordes de deslocamento forçado no mundo, impactando diretamente a vida de 65,6 milhões de pessoas, e esse número vem sendo cada vez mais
expressivo segundo dados do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra, 2023). São diversos os motivos pelos quais os sujeitos são levados a migrar, ressaltamos aqui a eclosãoda Primavera Árabe e da guerra civil na Síria, em que o Observatório Sírio para Direitos Humanos (SOHR) aponta 511.000 mortos desde o início da guerra civil e mais de 6.6 milhões deslocados internos, e 5.6 milhões de refugiados (SOHR, 2018); e o relatório anual de 2020 do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) aponta que em 2019 predominaram pessoas oriundas da América Latina e Caribe, com destaque para nacionalidade venezuelana e haitiana, sendo 41% mulheres, ressaltando que desse total de registros, 53% são da Venezuela, Paraguai, Bolívia e Haiti (OBMigra, 2020). Populações atravessadas por múltiplas vivências e marcas. Nesse sentido, discutir tecnologias e políticas que amparam a práticas de cuidado da população imigrante é necessária tanto na agenda pública, como também na produção de conhecimento nas universidades. A experiência migratória pode gerar sofrimento psíquico, e para compreender como é a oferta de cuidado em saúde mental para essa população, propomos uma pesquisa.
Esse trabalho visa apresentar um breve recorte analítico de uma pesquisa de doutorado que está em andamento, a qual busca cartografar o cuidado em saúde mental da população imigrante em um serviço ambulatorial. Nesse sentido, apresentaremos aqui dados parciais de uma caracterização inicial dessa população no serviço pesquisado.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO:
O campo de análise inclui tanto aspectos históricos e contextuais, quanto teóricos, relacionados ao aparato que possibilita ampliar a compreensão acerca dos processos migratórios, seus impactos na saúde mental e na oferta de atenção pelas redes de saúde. Portanto, o campo de pesquisa conta com algumas ferramentas que fazem parte do seu dia a dia, buscamos uma análise documental dos registros utilizados pelo serviço, que possibilitou um levantamento descritivo dos sujeitos que acessam o serviço por meio do acolhimento inicial entre setembro de 2020 e setembro de 2023 e a partir do conceito de interseccionalidades, enquanto ferramenta para compreender um sujeito multireferenciado com múltiplas experiências, elencamos alguns marcadores. Foram construídos gráficos relacionados a: gênero, faixa etária e local de nascimento dos sujeitos que acessam o serviço por meio do acolhimento; e adiante marcadores relativos especificamente aos imigrantes, principais atores da nossa discussão.
Collings e Bilge (2021) apontam que além da interseccionalidade ser uma ferramenta teórico-metodológica para entender múltiplas opressões, ela não propõe uma hierarquia de opressões, pois o lugar de um sujeito é multireferenciado a partir de suas múltiplas experiências. Nesse sentido o conceito de interseccionalidade complexifica o olhar que temos para compreender a experiência do imigrante. Para fazer esse percurso, buscamos apontar alguns marcadores. Grifamos em tópicos os marcadores de gênero, faixa etária e naturalidade/nacionalidade. O aspecto raça e cor, escolaridade, demanda inicial e uso de psicotrópicos será apresentado apenas em relação a população imigrante. Conhecer a oferta de cuidado de um serviço, além de ressignificar essa experiência, elucida aspectos que nem sempre são percebidos no cotidiano do serviço
RESULTADOS:
A primeira etapa da pesquisa apontou dados que elucidaram marcadores para pensar a saúde mental da população atendida. Considerando a brevidade da nossa discussão neste trabalho, apresentaremos marcadores como disparadores para pensar a interseccionalidade dessa população. Do total de 5102 atendimentos agendados para acolhimento analisados, houve 72,6% são mulheres e 1382 27,4% são homens. Dentre esse total, selecionamos a população imigrante, em que 75% são mulheres e 25% são homens. A diferença de mulheres que são encaminhadas e buscam o serviço de saúde mental estudado em relação aos homens é tão expressiva quanto a população geral, de pessoas imigrantes e de pessoas não imigrantes.
Partimos do entendimento de que somos subjetivados por uma estrutura social patriarcal que atravessa nossos modos de existência e o marcador de gênero afeta os processos de saúde-doença. Alguns estudos em saúde coletiva (GOMES, 2007; LEVORATO, 2014) apontam que a busca por assistência em saúde é majoritariamente feita por mulheres. A partir da ideia de que a experiência do sofrimento psíquico é construída socialmente, em uma pesquisa em um hospital psiquiátrico, Zanello e Bukovitz (2014) apontam que as falas das mulheres são marcadas por queixas relacionais, relativas a beleza e a capacidade de cuidar, enquanto a dos homens são marcadas por força física, afirmação viril, fama e riqueza. São aspectos importantes que devem ser observados para que não sejam naturalizados, pois quando esses fatores são silenciados o sistema de atenção à saúde mental pode reforçar os papéis sociais e estigmatizar comportamentos que desviam as expectativas do modelo patriarcal (ZANELLO, 2014).
Mas o gênero é apenas um dos marcadores desses sujeitos, trazemos aqui a correlação com dados relativos à “raça ou cor”. Entre os imigrantes temos 40,9% que se declaram brancas; 36,4% que se declaram pretas; 18,2% que se declaram pardas e 4.5% em que o campo “raça ou cor” nada consta. Além dos marcadores apresentados, ao complexificar o olhar sobre o sujeito, compreendemos que ele carrega múltiplas marcas e isso compõe diferenças entre uma mesma população. A partir das descrições apresentadas é possível realizar outros cruzamentos entre dados como gênero, cor ou escolaridade também são aspectos importantes de análise.
Pensar a população imigrante a partir dos marcadores sociais, intersecciona atravessadores, pois ser uma mulher imigrante branca compõe uma experiência diferente de uma mulher imigrante negra. Portanto, o conceito foi uma ferramenta potente de análise.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Buscamos apresentar um recorte analítico de uma pesquisa mais ampla em andamento, os dados trouxeram pistas que auxiliam a pensar como modo de atendimento e cuidado da população imigrante nos dispositivos de saúde mental, os quais afetam a dimensão clínica e política do cuidado. Nesse sentido, torna-se fundamental o não silenciamento desses sujeitos e da caracterização dos mesmos, pois somos convocados a buscar outras formas de compreender a experiência migratória na vida e rever a oferta de cuidado a partir dos marcadores sociais da diferença e respeitando a complexidade dos sujeitos em suas diferentes dimensões.