PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO NO VIVER E MORRER APÓS O DIAGNÓSTICO DE HIV/AIDS
Introdução: Após 41 anos do surgimento da AIDS, os estigmas associados ao diagnóstico do HIV persistem, vinculados à homossexualidade, prostituição e ao estigma do termo "aidético". As pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) enfrentam dificuldades em reconhecer sua identidade e lidar com o estigma social, muitas vezes levando a problemas psicológicos e à exclusão social. Muitos desconhecem os avanços no tratamento e as medidas preventivas disponíveis, alimentando equívocos sobre a doença e perpetuando o estigma. A falta de informação sobre a sorologia do HIV, aliada a barreiras de acesso ao diagnóstico, contribui para a apreensão em torno do resultado do teste. O tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é seguro e eficaz, possibilitando a supressão viral e tornando o vírus indetectável e não transmissível. No entanto, o estigma social continua a ser uma barreira significativa para a adesão ao tratamento e para a qualidade de vida das PVHA. A experiência do diagnóstico do HIV/AIDS tem um impacto profundo na vida da pessoa, criando uma sensação de desconexão com o mundo e uma visão de fim de vida, especialmente devido à associação da doença com a interrupção da vida, reforçada por estruturas culturais patriarcais. Além disso, a condição de viver com HIV coloca as pessoas em uma posição de vulnerabilidade, especialmente quando combinada com outras condições desfavoráveis de natureza econômica e social preexistentes. Os estigmas que cercam o HIV/AIDS são interseccionais, entrelaçando-se e ampliando o sofrimento das PVHA. É fundamental compreender que o HIV não é apenas uma questão biomédica, mas também uma questão social e política, moldada por contextos históricos e sociais que determinam quem é reconhecido como sujeito de direitos e quem é marginalizado e privado desses direitos. Objetivo: Diante do exposto, este estudo teve como objetivo analisar percepção sobre a vida e morte de pessoas que vivem com HIV/AIDS a partir dos estigmas existentes e os processos de subjetivação vivenciados. Metodologia: Trata-se de um estudo qualitativo e exploratório realizado em uma unidade de referência municipal para atenção especializada a pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA), ISTs e Hepatites Virais em uma capital do Nordeste do Brasil. Os critérios de inclusão foram: ter diagnóstico de HIV/AIDS, acompanhamento no ambulatório por mais de um ano, idade superior a 18 anos e histórico de dificuldade na manutenção do tratamento ou abandono da TARV. O critério de exclusão foi ter outra doença infectocontagiosa. A amostra foi determinada pela saturação das respostas, totalizando doze participantes que para garantir o sigilo foi apresentado no texto por ordem numérica de acordo com o acontecimento da entrevista e precedido do termo entrevista abreviado (Ent. 01, Ent. 02, Ent.03, etc…). A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas, abordando aspectos socioeconômicos, produção do diagnóstico e cuidados com a saúde, itinerários terapêuticos e barreiras enfrentadas no processo de adoecimento. Posteriormente, com a conexão realizada com as leituras do material a fase de classificação dos dados é conduzida por meio da construção de unidades de registro, denominadas de núcleos de sentido, após terem sido identificados nos dados produzidos, e foram agrupadas em duas categorias temáticas: a morte e o viver com HIV/AIDS após o diagnóstico: estigmas do diagnóstico e processos de subjetivação sobre a vida e a morte no pós diagnóstico do HIV/AIDS. O início da pesquisa ocorreu após os participantes assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia (parecer nº 5.991.828 e CAAE 54898221.4.0000.0057), seguindo as normas éticas brasileiras de pesquisa com seres humanos (Resolução nº 466/2012) e as normas aplicáveis à pesquisa em Ciências Humanas e Sociais (Resolução nº 510/2016). Resultado e discussão: Os resultados revelaram que há desafios a serem enfrentados após o diagnóstico, principalmente referente os estigmas ainda existentes culturalmente relacionados ao HIV/AIDS diante do patriarcado, fica evidente que as pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) se deparam uma série de desafios significativos após receberem o diagnóstico, refletindo a complexidade dessa condição de saúde. Uma das principais dificuldades relatadas pelos participantes foi a aceitação do diagnóstico de HIV/AIDS. Sentimentos de desespero e resistência foram comuns entre aqueles que compartilharam suas experiências. O impacto emocional do diagnóstico foi exacerbado pelo medo do julgamento e da discriminação por parte da sociedade. Muitos indivíduos sentiram a necessidade de manter o diagnóstico em sigilo, buscando evitar o estigma associado à doença. Esse medo de serem rejeitados ou julgados pelos outros contribuiu para um sentimento de isolamento e solidão entre as PVHA. Além disso, a adesão ao tratamento representou um desafio significativo para muitos dos entrevistados. A resistência em iniciar o tratamento, seja por receio dos efeitos colaterais dos medicamentos ou por falta de informação, foi destacada como uma preocupação comum. A não adesão ao tratamento pode ter consequências graves para a saúde das PVHA, aumentando o risco de complicações e progressão da doença. É crucial fornecer apoio e educação adequados para incentivar a adesão ao tratamento e ajudar os pacientes a gerenciar os efeitos colaterais. Outro aspecto preocupante observado foi o pensamento suicida entre algumas PVHA. A estigmatização social em torno do HIV/AIDS pode levar ao aumento do isolamento e à falta de apoio emocional, contribuindo para problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade. É fundamental fornecer serviços de saúde mental acessíveis e sensíveis às necessidades das PVHA, oferecendo suporte psicossocial para ajudá-las a lidar com os desafios emocionais associados à doença. Além disso, a falta de apoio familiar foi identificada como um problema significativo para muitos dos participantes. A solidão e a falta de compreensão por parte da família podem agravar os obstáculos comuns vivenciados pelas PVHA, o qual torna ainda mais complicado o processo de enfrentamento da doença. Conclusão: A pesquisa revelou de forma evidente a persistência dos estigmas sociais associados ao HIV/AIDS e os desafios enfrentados pelas pessoas após o diagnóstico. Esses obstáculos, que incluem preconceito, discriminação, exclusão social e falta de conhecimento, prejudicam não apenas a prevenção e o tratamento, mas também o cuidado em relação à doença. Diante disso, concluiu-se que uma abordagem de cuidado humanizada/holístico e o acesso ao tratamento precoce são cruciais para o enfrentamento dos estigmas, bem como para reconhecer os modos de vida associados à condição de viver com HIV/AIDS. No entanto, é importante reconhecer as limitações da pesquisa, que se baseia em uma amostra específica e pode não representar todas as pessoas vivendo com HIV/AIDS.