A criação dos Centros de Atenção PsicoSocial (CAPS) na década de 1980 como rede substitutiva ao modelo manicomial de tratamento dos transtornos mentais foi um passo importante no processo de desinstitucionalização que começa no Brasil nos anos de 1970 e culmina na Promulgação da Lei 10.216. O CAPS II, portanto, surge para dar atenção ao adulto em sofrimento psíquico grave e persistente que perdeu sua autonomia no cuidado pessoal, dimensionando o cuidado intensivo e de longo prazo em meio aberto e comunitário. As atividades desenvolvidas prezam pela humanização e respeito à singularidade do sujeito e buscam a reinserção social dos usuários ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários, reinstituindo assim sua agência e capacidade de agir sobre o mundo, modificá-lo e enfrentar assim o sofrimento e alienação decorrente do modelo de tratamento fundamentado na exclusão social.
Este trabalho é baseado no relato de experiência de estágio curricular da primeira autora em um CAPS II em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), com foco nas oficinas ofertadas como parte do “regime intensivo” - grupos abertos formados por usuários com Projeto Terapêutico Singular (PTS) provisório de comparecer todos os dias ao CAPS II, seja por episódios de tentativa de suicidio, agressão a si ou a terceiros recentes ou recém inseridos no serviço. As oficinas foram classificadas em 3 momentos, um primeiro de trabalho com mapas e identificação das redes afetivas favorecedoras e fortalecedoras da autonomia dos usuários no território, um segundo de produção de linhas da vida, poemas e cartas pessoais como resgate da história pessoal dos sujeitos além do estigma, e um terceiro com foco na implicação dos usuários em seu autocuidado e na participação ativa nas decisões e práticas referentes a seu PTS.
Através dos mapas fomos capazes de compreender a relação do sofrimento atual dos usuários com ambientes familiares e de trabalho ansiogênicos e insalubres, mas também a importância de padarias, igrejas e áreas verdes para a recuperação de seu bem estar pessoal e comunitário, sendo pontos chaves de autocuidado. As linhas, cartas e poemas se mostraram grandes ferramentas para validação das histórias pessoais de cada um: As linhas permitiram aos usuários se verem como produto de seu meio e terem suas histórias ouvidas e validadas; Os poemas funcionaram como forma de representação e validação da luta e resistência contra o luto, a desesperança, a perda e o vazio, mas também de desejos amorosos e conexão com a natureza; Já as cartas deram a oportunidade de fechar pontas soltas do passado e produzir sentido sobre seu presente, assim conseguindo planejar ações para um futuro possível.
Concluindo, ao longo do processo ficou claro a potência dos mapas, cartas, linhas e poemas como instrumentos capazes de desvelar dimensões afetivas muitas vezes renegadas e invisibilizadas pelo modelo hospitalocêntrico, mas também pela rede de atenção psicossocial. Além disso, através deles suas experiências e emoções negativas em relação ao modelo hospitalar foram validadas e expressadas, provando-se assim ferramentas promissoras na psicoeducação sobre a luta antimanicomial.