Ao longo da história brasileira, verificamos que o fenômeno da urbanização das cidades
constitui-se como um fator crucial na construção coletiva da vida humana em seu
extenso processo civilizatório. Especialmente, ao abordarmos o contexto das ruas na
cidade somos invadidos pelas mais variadas sensações que nos incitam a experimentar
outras maneiras de olhar, compreender e se relacionar com a diversidade desse universo
muitas vezes díspar e ao mesmo tempo tão comum no cotidiano do nosso viver. Nessa
via, nos deparamos com uma população de rua presente na cena urbana em muitos
momentos invisibilizada e destituída de seus direitos cidadãos, assim como hostilizada
em seus modos de levar a vida tendo as ruas como o seu habitat. Dessa maneira, o
presente trabalho se refere a uma pesquisa de doutorado em curso no município de
Campinas SP, onde, através da análise da produção de saúde em redes de cuidado
disparada pelas práticas clínicas desenvolvidas pelo Consultório na Rua, se almeja
visibilizar a multiplicidade da vida em curso nesses territórios rueiros a partir alguns de
casos-guia enquanto norteadores desse processo, bem como compreender a sua relação
com as políticas públicas do SUS, Reforma Psiquiátrica e Atenção Psicossocial. Nessa
empreitada, nos balizamos através da questão-chave: Como captamos os sinais que vem
da rua nas trilhas dos agenciamentos de produção de vida nas paisagens do cuidado?
Nossa estratégia metodológica se configura pela cartografia enquanto metodologia de
pesquisa-intervenção, desdobrada a partir do caso-guia nômade como um meio
cartográfico traçador de análise de redes de cuidado em saúde em composição com a
pedagogia das encruzilhadas. Em nosso caminhar epistêmico transgressor, assumimos
como missão a construção de narrativas coletivas de existências rueiras marginalizadas
em conexão com outros campos de possibilidade, fabricando maneiras de compreensão
complexa e inacabada do fenômeno viver na rua em seu encontro visceral com as forças
vitais que atravessam essa experiência nas encruzilhadas da vida, em sua
processualidade e vicissitude. A vivência desse estudo produtor de conhecimento
habitado pelo nosso devir-pesquisador vem nos proporcionando importantes
aprendizados. Estamos colhendo valiosos processos de produção e reinvenção de vida
germinados através do entrecruzamento das inúmeras línguas e corporeidades que dão
forma e expressão aos afectos vividos in loco nos encontros dos atos cuidadores.
Simultaneamente, a singularidade do feitio desse estudo nos proporciona abrir outros
caminhos e modos possíveis de se fazer pesquisa compatíveis com a proposta de um
pesquisar que não nega a sua implicação e comprometimento com uma cocriação de
escrita intensiva pautada na potência do encontro dos corpos e da defesa incondicional
da reinvenção vida como valor maior, para além de compreensões fechadas e
unilaterais.