Associação entre renda e adesão à alimentação cardioprotetora em adultos com alto risco de Diabetes do tipo 2: uma análise preliminar do estudo PROVEN-DIA

  • Author
  • Camila Martins Trevisan
  • Co-authors
  • Danielle Cristina Fonseca , Thatiane Lopes Valentim Di Paschoale Ostolin , Raira Pagano , Josefina Bressan , Rita de Cássia Gonçalves Alfenas , Rita de Cássia Santos Soares , Olívia Gonçalves Leão Coelho , Ângela Cristine Bersch Ferreira
  • Abstract
  •  

    Apresentação: A alimentação saudável e os padrões de consumo alimentar estão intimamente associados com diversos desfechos de saúde a curto, médio e longo prazos. A insegurança alimentar moderada ocorre quando os indivíduos enfrentam incertezas sobre a condição, sobretudo financeira, de obter alimentos, comprometendo tanto da quantidade quanto da qualidade dos alimentos consumidos. No Brasil, mais de 70 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar. Indivíduos com menor renda tendem a gastar cerca de 20% com a alimentação, porém, para aqueles com alta renda, o custo com a alimentação corresponde a até 10%. Para garantir uma alimentação adequada e saudável, a renda familiar direcionada à alimentação deve ser, pelo menos, correspondente ao valor da Cesta Básica de Alimentos (entre R$517,26 e R$766,53). Nesse sentido, o valor mínimo necessário (salário-mínimo necessário) para atender as necessidades básicas (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social) de uma família (dois adultos e duas crianças) em dezembro de 2023 foi equivalente a quase cinco vezes o valor do salário-mínimo nominal (R$6.439,62 vs. R$1.320,00). Portanto, o objetivo do presente estudo foi comparar a acessibilidade e a adesão à alimentação cardioprotetora brasileira em adultos brasileiros com alto risco de desenvolver Diabetes Mellitus do tipo 2 (DM2) estratificado por renda.

    Desenvolvimento do trabalho: O objetivo do ensaio clínico multicêntrico controlado e randomizado PROVEN-DIA (ClinicalTrials NCT05689658), desenvolvido em parceria entre BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e o Ministério da Saúde via Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), foi avaliar a eficácia do Programa Brasileiro de Prevenção de Diabetes no nível de atividade física e consumo alimentar em adultos com alto risco para DM2 (i.e., presença de sobrepeso, inatividade física, hipertensão, histórico familiar de DM2 e/ou diabetes gestacional, idade ? 40 anos e sexo masculino). Conduzimos uma análise transversal com os dados basais de 220 participantes divididos em dois grupos segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil de 2022. A amostra foi dividida segundo a renda, tendo como ponto de estratificação o valor de R$3.276,76 correspondente à classe C1. Sendo assim, os dois grupos foram compostos por classes A, B1 e B2 em comparação às classes C1, C2 e DE. Foram obtidos dados socioeconômicos (idade, sexo, macrorregiões brasileiras, raça, escolaridade e estado civil), medidas antropométricas (peso corporal e IMC), acessibilidade aos alimentos (EPIFloripa), consumo alimentar do dia anterior (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional/SISVAN e índice de adesão à alimentação cardioprotetora Brasileira/DICA-Br). A alimentação cardioprotetora atende às recomendações nutricionais de diretrizes brasileiras para tratamento das doenças cardiovasculares, dividindo alimentos e preparações segundo densidades de nutrientes: energética (?1,11kcal/g), colesterol (?0,04mg/g), gordura saturada (?0,01g/g) e sódio (?2,01mg/g). Alimentos/preparações com densidades equivalentes ou abaixo dos pontos de corte pertencem ao grupo verde (feijões, frutas e vegetais), enquanto os demais referem-se aos grupos amarelo (uma ou duas densidades superiores aos pontos de corte, como cereais, tubérculos e farinhas) e azul (três ou mais densidades superiores aos pontos de corte, como carnes, ovos e manteiga). Os alimentos do grupo vermelho são os ultraprocessados (devem ser consumidos na menor quantidade possível), segundo a definição do Guia Alimentar para a População Brasileira. No índice de adesão à alimentação cardioprotetora, cada cor apresenta um escore de 0 a 10 (quanto maior a adesão ao consumo do número de porções recomendadas ao dia referentes a cada cor, maior é a pontuação) e o escore total soma até 40. Quanto maior o valor, melhor a qualidade da alimentação. A comparação entre os grupos foi realizada por meio do teste qui-quadrado ou Mann-Whitney.

    Resultados:

    Ao todo, 220 participantes compuseram a amostra do Proven-Dia. Dentre eles, 58,6% (n=129) dos participantes têm renda acima de R$3.276,76, enquanto 41,4% (n=91) tiveram renda igual ou inferior a R$3.276,76. Exceto pelo peso corporal (acima de R$3.276,76 vs. abaixo de R$3.276,76, respectivamente, 87,5±15,7kg vs. 90,2±20,1kg; p=0,496), os grupos apresentaram características significativamente diferentes entre si. Observamos menor proporção de mulheres (65% vs. 81% de mulheres, respectivamente, acima vs. abaixo de R$3.276; p=0,009), bem como menor proporção de pardos e negros (60,5% vs. 82,5% respectivamente, acima vs. abaixo de R$3.276; p=0,002) em pessoas com maior renda. O grupo de indivíduos com menor renda também são mais novos e apresentam uma média de IMC maior (49,7±9,6 vs. 47,1±9,3 anos; p=0,036 e 32,4±4,9kg/m² vs. 35,0±7,2kg/m²; p=0,008, respectivamente, acima vs. abaixo de R$3.276). Nas regiões Norte, Centro-oeste e Sul, a maior parte dos participantes apresentaram maior renda (31,7%, 27,9% e17.1%, respectivamente). Observamos que 97,6% do grupo com maior renda tem escolaridade alta (ensino médio completo em diante), uma proporção significativamente superior a encontrada no grupo de menor renda (63,7%; p=0,001). Além disso, aqueles com maior renda apresentam maior proporção de casados e/ou em união estável (69,8 vs. 52,7%; p=0,010).

    No que diz respeito à percepção sobre o preço de frutas, verduras e legumes em estabelecimentos próximos à residência, não houve diferença entre os grupos (p=0,180), que referem, sobretudo, que não são nem caros nem baratos. Contudo, 38,5% (n=35) dos indivíduos de menor renda referiram que os alimentos de sua residência acabaram antes que tivessem dinheiro para comprar mais. Tal valor é 2,6 vezes maior que a frequência relativa de indivíduos de maior renda (14,7% vs. 38,5%, respectivamente, >R$3.276,76 vs. ?R$3.276,76; p<0,001). Além disso, 56,6% dos indivíduos de maior renda referem preparar suas refeições em casa em comparação a 79,1% dentre os de menor renda (p<0,001).

    O consumo alimentar, avaliado por meio do SISVAN, foi similar entre os grupos para o consumo de feijões (61,7 vs. 71,4%, acima de R$3.276,76 vs. abaixo de R$3.276,76; p=0,136), embutidos (34,4 vs. 28,5%; p=0,364), bebidas açucaradas (50,7 vs. 39,5%; p=0,101) e macarrão instantâneo, salgadinhos em pacote ou biscoito salgado (12,5 vs. 12,1%; p=0,927). O consumo de frutas (79,7 vs. 53,8%; p<0,001), vegetais (78,1 vs. 65,9%; p=0,045) e doces (i.e., biscoito recheado, doces ou guloseimas) (38,2 vs. 19,8%; p=0,003) foi substancialmente maior no grupo de maior renda quando comparado àqueles com menor renda.

    A qualidade da alimentação segundo a alimentação cardioprotetora teve diferenças significativas para os escores total [16,6 (11,9-20,5) vs. 18,6 (14,2-23,0); p=0,003], vermelho [3,6 (0,5-5,6) vs. 5 (2,5-8,1); p=<0,001] e azul [5,0 (0,5-6,5) vs. 5,5 (4,1-10); p=0,003]. A maior pontuação no escore azul está relacionada a menor consumo de carnes e ingredientes culinários, tais como leite condensado e creme de leite processado e/ou fresco. No que se refere ao escore vermelho, o valor da mediana indica menor consumo de ultraprocessados entre os indivíduos de menor renda. Sendo assim, observamos melhor adesão à alimentação cardioprotetora dentre os indivíduos de menor renda.

    Considerações finais:

    Neste estudo com indivíduos com alto risco para desenvolver DM2, observamos que quanto maior a renda, maior o consumo referido de frutas frescas e vegetais no dia anterior. A despeito disso, houve maior adesão à alimentação cardioprotetora dentre os indivíduos de menor renda, sobretudo para alimentos e preparações pertencentes aos grupos azul e vermelho. Ressaltamos a limitação do presente estudo que inclui um tamanho amostral e desenho não próprio para estabelecer causa-efeito. Estudos futuros podem explorar a relação entre a renda e outros parâmetros do consumo alimentar tais como as porções consumidas dos grupos alimentares, as calorias, os macronutrientes e os micronutrientes, a curto, médio e longo prazos em indivíduos com alto risco de desenvolver DM2.

  • Keywords
  • Diabetes Mellitus Tipo 2; Alimentos, Dieta e Nutrição; Dieta Saudável; Ingestão de Alimentos; Renda; Fatores Socioeconômicos
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
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