Possuir automóvel e o consumo de frutas, verduras, legumes e alimentos ultraprocessados: existe associação? Uma análise transversal do estudo piloto PROVEN-DIA

  • Author
  • Thatiane Lopes Valentim Di Paschoale Ostolin
  • Co-authors
  • Danielle Cristina Fonseca , Camila Martins Trevisan , Raira Pagano , Ana Clara Martins e Silva Carvalho , Inaiana Marques Filizola Vaz , Malaine Morais Alves Machado , Ana Paula Perillo Ferreira Carvalho , Ângela Cristine Bersch Ferreira
  • Abstract
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    Apresentação:

    O consumo regular e adequado de grãos integrais, frutas e verduras reduzem, respectivamente, em 25%, 10% e 9% o risco de Diabetes Mellitus do tipo 2 (DM2), enquanto ingerir bebidas açucaradas, carne vermelha e processada aumenta cerca de 30% a chance de desenvolver DM2. Quando considerados os alimentos ultraprocessados (UP), seu consumo moderado pode aumentar em 12% o risco de DM2, enquanto o consumo de 5 porções ou mais de UP pode elevar este risco em até 31%. O incremento de uma porção por dia aumenta em 5% a chance de ter DM2. Contudo, reduzir o consumo de UP, bebidas açucaradas, carne vermelha e/ou processada pode contribuir expressivamente para a redução do risco de DM2, assim como aumentar a ingestão de frutas, grãos integrais, verduras e legumes. No Brasil, o consumo regular de frutas e hortaliças variou entre 18,1% e 41,2% em adultos, sendo maior entre as mulheres (35,3%) e com tendência de aumentar conforme idade (acima de 45 anos) e escolaridade. Neste sentido, o adequado consumo de frutas, verduras e legumes tem sido associado a idade aumentada, sexo feminino, raça branca, maior escolaridade e maior nível socioeconômico em brasileiros.  Todavia, em condições de menor renda, tempo e dinheiro são considerados barreiras à compra dos alimentos. Neste sentido, a posse de automóvel, por sua vez, pode mediar a relação entre o consumo, a compra e o acesso aos alimentos, ainda que a distância represente um fator importante a ser considerado. Dada a marcante desigualdade social e acessibilidade a alimentos in natura, bem com a variação expressiva da frequência de adultos que consome o recomendado (cinco ou mais porções diárias) de frutas e hortaliças entre os estados brasileiros (10,9% a 27,5%), é relevante associar a posse de carro ao consumo alimentar, sobretudo de UP, frutas, verduras e legumes. A hipótese é de que não ter carro favorece o consumo aumentado de UP concomitante ou não ao consumo reduzido de frutas, legumes e verduras, de maneira independente em relação à acessibilidade dos alimentos e a renda. Portanto, o objetivo é analisar se a posse de automóvel aumenta e/ou reduz o consumo de UP, frutas, vegetais e legumes, quando ajustado por renda e acessibilidade aos alimentos.

    Desenvolvimento do trabalho:

    O objetivo do ensaio clínico multicêntrico controlado e randomizado PROVEN-DIA (ClinicalTrials NCT05689658) foi executado em parecia entre a BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e o Ministério da Saúde (MS) via Programa de Apoio e Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) foi avaliar a eficácia do Programa Brasileiro de Prevenção de Diabetes no nível de atividade física e consumo alimentar em adultos com alto risco para DM2 (i.e., presença de sobrepeso, inatividade física, hipertensão, histórico familiar de DM2 e/ou diabetes gestacional, idade ? 40 anos e sexo masculino). Para a presente análise, foram obtidos dados demográficos e socioeconômicos (idade, sexo, escolaridade, estado civil, renda e raça), acessibilidade aos alimentos (EPI-Floripa) e consumo alimentar do dia anterior (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional/SISVAN). Tanto a renda quanto a posse de automóvel foram obtidas por meio da aplicação do Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP). Para tanto, consideramos a posse de automóvel como ter carro e/ou motocicleta, sendo que a quantidade não foi considerada. Conduzimos uma análise transversal com os dados basais de 220 participantes distribuídos em dois grupos segundo a posse de automóvel (carro e/ou motocicleta) através do uso do software JASP. As variáveis categóricas foram apresentadas em frequências absolutas e relativas, enquanto as contínuas foram apresentadas através de médias e desvios-padrão. Os grupos foram comparados por meio do uso do teste qui-quadrado e Mann-Whitney. Por último, para analisar a associação entre a posse do automóvel e o consumo alimentar, foram elaborados modelos de regressão logística do tipo enterwise. O consumo alimentar segundo o SISVAN (UP, frutas, verduras e legumes) foram utilizados como variáveis dependentes e desfechos dicotômicos, i.e., um modelo para o consumo de UP, um para frutas e o último para a ingestão de verduras e legumes. As variáveis incluídas nos modelos como variáveis independentes foram sexo, idade, IMC, escolaridade, renda, raça, posse de automóvel e acessibilidade aos alimentos. Renda, escolaridade e raça foram dicotomizados, respectivamente, maior e menor renda (acima e abaixo de R$3.276,76), maior e menor escolaridade (de fundamental incompleto a superior incompleto e a partir de superior completo) e indivíduos autorreferidos brancos e outros (brancos e pardos, negros e demais agrupados). Foram desenvolvidos cinco modelos, tendo, respectivamente, como desfechos dicotômicos o consumo do dia anterior de (1) frutas, (2) verduras e/ou legumes, (3) hambúrguer e/ou embutidos (presunto, mortadela, salame, linguiça, salsicha), (4) macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados, e (5) biscoito recheado, doces ou guloseimas (balas, pirulitos, chiclete, caramelo, gelatina). Mediante a Classificação NOVA de alimentos, vale ressaltar que as bebidas adoçadas foram desconsideradas para a elaboração de um modelo, haja visto que incluem refrigerante, suco e água de coco de caixinha, suco em pó, xaropes de guaraná/groselha, suco natural de fruta com adição de açúcar. A significância estatística foi fixada em 5%.

    Resultados:

    Ao todo, 75% (n=166) da amostra referiu ter carro e/ou moto. Comparando os indivíduos que possuem automóvel com os que não possuem, observamos maior proporção de homens (31,9% vs. 16,6%; p=0,030), menor IMC (32,5±5,3kg/m² vs. 36,3±7,4kg/m²; p<0,001), maior proporção de indivíduos casados e/ou em união estável (71% vs. 37%; p<0,001), de alta escolaridade (53,6% vs. 18,5%; p<0,001) e de alta renda (72,2% vs. 16,6%; p<0,001), menor proporção de pardos e negros (64,4% vs. 90,7%; p<0,001). O acesso a fruta, verduras e legumes não foi diferente entre os indivíduos (92,5% e 86%, respectivamente, dentre os que possuem automóvel e os não que possuem; p=0,205). No que diz respeito ao consumo alimentar, observamos uma maior proporção de indivíduos que consumiram vegetais e/ou legumes no dia anterior (79,3% vs. 53,7%; p<0,001) dentre os que possuem automóvel comparado aos que não possuem. Não houve diferença na ingestão de UP entre os grupos (p>0,05). Possuir automóvel se associou com o consumo de vegetais e legumes no dia anterior (OR=3,238[0,333;2,018], p=0,006), independentemente do sexo, idade, IMC, renda, escolaridade e acessibilidade aos alimentos. Possuir automóvel se associou com o consumo de frutas (OR=0,341[-1,996;-0,156], p=0,022), independente da idade, escolaridade e acessibilidade. Entretanto, ser do sexo masculino, ter alta renda e quanto maior o IMC parecem ser confundidores da associação entre a posse de automóvel e o consumo de frutas. Possuir automóvel não se associou ao consumo de UP de nenhuma categoria avaliada, a saber, hambúrguer e/ou embutidos (p=0,399), macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados (p=0,326) e biscoito recheado, doces ou guloseimas (p=0,567).

    Considerações finais:

    Nesta análise, a posse de automóvel aumenta a razão de chance de consumir vegetais e legumes no dia anterior. No caso do consumo de frutas, a renda pareceu exercer um papel mais relevante, podendo aumentar em até seis vezes a ingestão deste grupo de alimentos (OR=6,013[1.031;2.557], p<0,001). Contudo, possuir automóvel não se associou ao consumo de UP no dia anterior. Trata-se de uma análise exploratória, ressaltamos como limitação o tamanho amostral e o desenho do estudo, que não são adequados para conferir causa-efeito. Desdobramentos incluem a análise de possíveis mediações entre as variáveis de interesse, bem como utilizar outras medidas de consumo alimentar ao invés do SISVAN.

  • Keywords
  • Meios de Transporte; Renda; Fatores Socioeconômicos; Alimento Processado; Frutas; Ingestão de Alimentos
  • Subject Area
  • EIXO 5 – Saúde, Cultura e Arte
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