Identidades e Afetos no Atendimento à Saúde

  • Author
  • Robenilson Moura Barreto
  • Co-authors
  • Gabriel Teixeira Batista , Carmen Hannud Carballeda Adsuara , Ítalo Sales de Souza , Aline Soares da Silva
  • Abstract
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    Ao longo dos mais de 30 anos do Sistema único e Saúde – SUS, a educação continuada de profissionais da saúde tem se revelado uma das principais estratégias na busca de garantir a qualidade nos serviços prestados aos usuários deste sistema, tendo inclusive criado um Política Nacional de Educação Permanente através da Portaria GM/MS n.º 198/2004, ainda que as suas diretrizes, pouco conhecida por parte dos profissionais de saúde, necessite de investimento das gestões em saúde para garantir a formação desses profissionais de forma equânime, universal e integral. E nesta perspectiva, o diálogo e a possível interação entre ensino/serviço/comunidade permitiu que o Instituto Obexorô; organização instituída a partir da percepção de uma casa religiosa de matriz africana sobre as demandas sociais propusesse a realização de um Workshop para abordar o tema das Identidades e Afetos no Atendimento à Saúde; direcionado aos profissionais e estudantes dos cursos de graduação em saúde, no município de Marabá/Pará, que ocorreu em setembro de 2023 em parceria com o Serviço Social do Comércio – SESC e o Curso de Psicologia da Universidade da Amazônia – UNAMA – Campus Marabá. Cabe destacar que a parceria entre o Instituto Obexorô proponente da ação, a Universidade e o SESC permitiu que a classe trabalhadora da saúde do município de Marabá, atuante no contexto da atenção básica à saúde, a comunidade local e a academia pudessem de forma conjunta contribuir para o que se cumpra o que preconiza a lei 8080/90 (Lei do SUS), em seu Artigo 14º, quando determina acerca das instituições de ensino superior, que “terá por finalidade propor prioridades, métodos e estratégias para a formação e educação continuada dos recursos humanos do Sistema Único de Saúde (SUS), na esfera correspondente, assim como em relação à pesquisa e à cooperação técnica entre essas instituições.” A percepção do Instituto Obexorô acerca da responsabilidade que lhe cabe enquanto representante da sociedade civil organizada, definiu a escolha do tema que fundamenta a sua defesa em prol das relações de afeto e identidades no atendimento aos usuários de forma que aspectos como raça/cor, religiosidade, gênero e sexualidade, territorialidade, entre outros aspectos presentes nestes processos e atravessados pelo preconceito tem produzido práticas discriminatórias em diversos dispositivos do SUS configuradas diante de uma realidade institucional atravessada pela colonialidade. A proposta buscou ainda trazer uma relação direta entre a formação em saúde e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – 17 ODS da Organização das Nações Unidas – ONU, dando ênfase no ODS3 – Saúde e Bem-estar e ODS4 – Educação de Qualidade, convocando ainda todas as pessoas à reflexão acerca das responsabilidades pessoais e institucionais para o alcance destes objetivos como meio de preservação da vida em todo ecossistema. E por este motivo, de forma muito incisiva, o workshop trouxe apontamentos relativos às convicções religiosas e profissões de fé para o centro da discussão, considerando que ainda percebemos a manifestação de um fenômeno presente na sociedade brasileira, por meio do conservadorismo expressado no fundamentalismo religioso como justificativa fundante para a violação de direitos. Violação expressa na omissão de socorro e negação ao atendimento de pessoas de matriz africana e à população LGBTQIAPN+, apenas para citar algumas destas práticas atribuídas à defesa da “Palavra de Deus”, impactando inclusive a relação entre profissionais nestes espaços da rede pública e/privada de saúde, sobretudo no nível da atenção básica. Como estratégia, adotou-se como metodologia a exposição de toda história do atendimento à saúde no Brasil, passando pelo movimento da reforma sanitária e as articulações em prol da aprovação da Lei 8080/90; inclusive validando os movimentos das pastorais, sindicatos, associações e outras instituições, que em campanhas de candidatos nas eleições que definiram a formação da assembleia constituinte se posicionaram em defesa dos princípios constitucionais tomados como lastro, garantindo assim a formulação do marco legal; numa perspectiva que trouxesse à atenção a importância da nossa participação no processo democrático e controle social. Ampliar a possibilidade de participação à estudantes da graduação de cursos de saúde, sobretudo, as estudantes de Psicologia se deve ao fato da participação e do reconhecimento a uma prática extremamente significativa realizada através do Estágio de Vivência no SUS (EV-SUS), proposto pelo Ministério da Saúde, que abria edital convocação para a participação de estudantes dos cursos de graduação em saúde. A vivência permitiu imergir por um período de aproximadamente 12 dias em municípios de várias unidades da federação, e ali conhecerem não somente toda fundamentação e princípios que determinam o SUS e seus marcos legais, como também toda a redes e sua articulação em todas as esferas, inclusive o controle social representado ali pelos Conselhos Municipais de Saúde. Ao longo da programação, os princípios que regem a atuação de profissionais da psicologia dialogavam com outras áreas do conhecimento, defendendo desta forma a reflexão acerca da relação do processo formativo com o que denominamos interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade; como possibilidade de que pudessem levar às suas IES a sede de discussão e de formação que atente para estes aspectos; fortalecendo entre estes, a construção da autonomia e interdependência no processo de defesa da saúde como um direito humano, que deve ser promovido de forma democrática e plural. Dentre os temas discutidos estiveram também as questões como respeito às crenças e convicções religiosas do paciente, cabendo destaque a questão da negação ao uso das transfusões de sangue, o uso de ervas e ritos pelas religiões de matrizes africanas; abrindo atualmente o precedente para discussão acerca do racismo religioso e negação às práticas culturais que devem ser consideradas no atendimento à saúde, inclusive como fator que muito contribui para adesão do tratamento pelo paciente. A participação de profissionais de áreas diversas da saúde permitiu que os estudantes entendessem a importância de um diálogo fundado nos pilares da democracia, do estado de direito, da respeitabilidade aos diversos saberes e profissionais que integram as equipes de saúde, bem como às suas historicidades, memórias e afetos. Todo esse conjunto de possibilidade na construção da existência de uma sociedade são mobilizados e construídos com os usuários que podem ou não encontrar nestes a identificação, abrindo inclusive um campo favorável para ressignificação de conceitos, numa perspectiva que contribui muito para a formação continuada que favoreça a qualificação da oferta de serviços a saúde. Ao final, percebemos, não somente a riqueza mostrada nesse encontro, mas sobretudo, como as organizações da sociedade civil, por meio do Instituto Obexorô podem contribuir para o processo de educação em saúde, revelando o interesse da população (famílias, profissionais e estudantes) pelo conhecimento acerca de seus direitos, dos serviços, das formas de acesso aos dispositivos e o desejo de encontrar atendimentos humanizados nestes espaços. Fez-se possível perceber que, ainda que pese o processo de mercantilização da educação, podemos estar certas de que existe no campo acadêmico um movimento significativo em defesa da garantia da saúde de forma que esta seja percebida como direito e não como produto a ser vendido, contrariando assim o pensamento hegemônico desta sociedade que cada vez mais clama pelo lucro, em detrimento da garantia do combate às desigualdades sociais como estratégia de sobrevivência do planeta. 

  • Keywords
  • Afetos, identidades e saúde
  • Subject Area
  • EIXO 1 – Educação
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