ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO: A ARTICULAÇÃO DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (RAPS) NA CLÍNICA AMPLIADA.

  • Author
  • Robenilson Moura Barreto
  • Co-authors
  • Franciely Cristine Costa Neumann
  • Abstract
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    Essa pesquisa traz como ponto de investigação como o acompanhamento terapêutico atua na articulação da rede intersetorial no contexto da clínica ampliada. Para isso, a pesquisa construiu um percurso histórico da concepção da clínica ampliada chegando ao Atendimento Terapêutico (AT) como articulador da rede intersetorial. A pesquisa tratou de uma revisão de literatura narrativa, que consistiu em uma busca sem critérios explícitos e sistemáticos, não tendo como finalidade esgotar as fontes de informações e sem delimitação de palavras-chave. O percurso da pesquisa tinha como foco, a integração da história do AT trazendo a perspectiva do trabalho de articulador da rede intersetorial e relacional. A pesquisa ocorreu no ano de 2022. O tratamento da loucura ao longo dos séculos visava a exclusão dos ditos loucos da sociedade, abrigando-os em prisões, hospitais psiquiátricos, instituições asilares, historicamente colocados como pessoas moralmente comprometidas. A desrazão como sendo “erro, cegueira, obnubilação da relação do homem com a verdade do mundo”. Verdades e sentidos que aprisionam os sujeitos em uma lógica excludente e segregadora numa esfera social supostamente harmônica com a pluralidade e a diversidade. A dinâmica entre enclausuramento, loucura e exclusão da cidade não foi abertamente questionada até o pós-Segunda Guerra Mundial na década de 1945, com o movimento da reforma psiquiátrica que iniciou nos países europeus, chegando ao Brasil na década de 1970. Nesta época surgem movimentos sociais que visavam a democratização da saúde em defesa da saúde coletiva, movimentos que fazem parte da Reforma Sanitária brasileira que começa a ganhar forma, marcada pelo cenário internacional de mudanças em prol da superação da violência asilar, ficando estabelecida a evitação da internação como finalidade, a deixando como possibilidade de recurso em último caso após se esgotarem as tentativas de cuidado em meio aberto, proporcionando a reinserção social das pessoas em adoecimento psíquico. Surge como resposta, a esse novo cenário político, social e institucional, a clínica ampliada como perspectiva de atuação na contramão da lógica manicomial e institucional, de maneira a expandir o modelo da clínica com enfoque no sujeito e não na doença e vencer o modelo hospitalocêntrico. Nessa esteira, se apresenta como alternativa na América Latina o movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira, marcado pela complexidade social e política, que contou com a presença de diversos agentes, que possibilitou um novo olhar sobre o lugar social que a loucura ocupava na nossa sociedade, viabilizando um novo entendimento capaz de originar serviços inovadores. E é dentro dele que surge o Movimento da Luta Antimanicomial brasileira que apresenta a intenção de reformular o modelo manicomial asilar, não apenas o questionando como método terapêutico, mas questionando a sua base de modelo médico-psiquiátrico, o que possibilitou uma abertura para superação da relação contratual entre pacientes e profissionais de saúde mental, convidando-os a uma participação ativa em todo processo. Foi por meio de equipes como a de Santos–SP, no ano de 1989, que aconteceu uma ascensão do serviço em saúde mental que ficou conhecido como “rede substitutiva” que se deu a partir da finalização dos atendimentos no trabalho do hospital psiquiátrico local, por meio de gestores que decidiram acelerar a implementação do SUS, formando uma rede de serviços distribuídos pelo território e não mais centralizada, abrangendo circunstâncias outras da vida, por exemplo, cultura, habitação, lazer, etc. O foco para os serviços substitutivos passa a crescer em diversos municípios do país. É na década de 1980 que surgem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), regulamentado posteriormente pela portaria SAS/MS n.º 224/92 com intuito de garantir um cuidado de base territorial aos usuários portadores de sofrimento psíquico. Encontramos ainda, na cartilha do programa HumanizaSUS do Ministério da Saúde, a clínica ampliada como resposta a descentralização do conhecimento biomédico, social e psicológico, não desvalorizando nenhuma abordagem disciplinar, mas buscando integrar várias abordagens para possibilitar um manejo eficaz da complexidade do trabalho em saúde. Em 2011, a RAPS - Rede de Atenção Psicossocial é instituída pela Portaria GM/ MS n.º 3.088/2011 para ampliar e articular os pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental, e necessidades derivadas do uso de crack, álcool ou outras drogas. A RAPS é composta pela atenção básica em saúde, atenção psicossocial especializada, atenção de urgência e emergência, atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar, estratégias de desinstitucionalização e reabilitação psicossocial. Em meio a todo esse aquecimento no campo da saúde mental, o Acompanhamento Terapêutico como estratégia de cuidado aparece na Argentina em meados da década de 70, onde se mostrou um método eficaz no tratamento das psicoses, comumente articulado com outros dispositivos, em especial, vinculados com a inserção escolar. A eclosão da base do Acompanhamento Terapêutico (AT) no Brasil, na verdade, se deu a partir de ideias nos anos 1960, reverberando o desejo das minorias de ter voz e reconhecimento, mas ainda restrito a esfera privada. O AT surgiu como uma prática no centro da Reforma Psiquiátrica, como sendo um dispositivo da posteriormente chamada clínica ampliada que preconizava o tratamento da loucura fora dos manicômios, em condições mais humanas e que não excluísse o louco do laço social compondo uma lógica antimanicomial, apresentando um dispositivo que se propõe a subverter a lógica hospitalocêntrica desde a sua concepção e apresentar o dispositivo do AT na clínica ampliada e a importância do trabalho através da articulação em rede como um processo de descentralização do processo da doença, a colocando entre parênteses, centrando na existência real do indivíduo. Desde os anos 50 e 60, se tem notícias de profissionais que podem ser considerados precursores do AT, como o auxiliar psiquiátrico, assistente recreacionista e o enfermeiro, nos anos 70 passou a ser conhecido como amigo qualificado, fazendo com que a mudança da nomenclatura para acompanhante terapêutico (AT) surgisse como crítica a palavra amigo que descaracterizava o serviço como uma prática profissional. O AT acompanha o cliente em seus espaços cotidianos, ajudando-os a restaurar sua autonomia e retomar, respeitar sua singularidade; possibilitando novas formas de reinserção social. Sendo entendido como local de reinserção social a casa, as relações com familiares, a vizinhança, o bairro e a cidade, trabalhada a construção “in loco” onde o acompanhado e o acompanhante se abrem a todas as eventualidades. O processo de tratamento em saúde mental remete-nos a ideia de um modelo reticular: uma rede tecida com fios amarrados em pontos. Essas amarrações são flexíveis de um ponto ao outro, fazendo parte da rede os profissionais que trabalham como equipe multidisciplinar, o acompanhado (usuário do serviço do AT), a família e instituições como hospital-dia ou centros de convivência, por exemplo. Portanto, o AT proporciona a junção ou a criação de novos pontos na rede, de maneira que o acompanhado ultrapasse a rede de saúde mental, construindo sua própria rede, ampliando o espaço social e afetivo. No atual cenário econômico e político do Brasil ocorre um esvaziamento de programas voltados a preservar a autonomia do usuário dos serviços de saúde mental. Esse movimento tomou força no ano de 2016 e vem ocorrendo ano após ano. Faz-se necessário recuperar conceitos como o da clínica ampliada e dispositivos de cuidado como o acompanhamento terapêutico para retomar o processo previsto na Lei 10.216/2001 que determina que o cuidado deve ser feito em liberdade.

     

  • Keywords
  • Acompanhamento Terapêutico, Clínica ampliada e RAPS
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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