A produção do cuidado a partir da construção de redes é uma temática que permeia todo o campo da saúde pública, e vem corroborar com uma proposta de construção de relações mais horizontalizadas entre os serviços de saúde e os usuários, apostando no indivíduo enquanto peça central do seu cuidado. No entanto, existem certos cenários onde o estabelecimento destas redes encontra-se fragilizado e os usuários acabam se isolando, e buscando outras alternativas para o enfrentamento de tais barreiras. É o caso das pessoas com deficiência (PCDs), que estão constantemente buscando formas de existir frente às dificuldades impostas por uma sociedade normativa e à uma rede de cuidados que nem sempre consegue “pescá-los”. Dito isto, o presente estudo, tem como objetivo dar visibilidade ao isolamento da pessoa com deficiência e ao enfraquecimento das possibilidades de existência. Trata-se de um estudo qualitativo, recorte de uma dissertação de mestrado intitulada “Tecendo Redes em meio ao Isolamento: o Desafio de uma Mãe-Usuária-Guia na Produção do Cuidado do Filho Autista”, realizada em um município da região sul do país. Para tal, utilizou-se como caminho metodológico a cartografia, que busca registrar as paisagens sociais através da investigação na experimentação, utilizando como metodologia os encontros. Pode-se dizer que cartografar é capturar as intensidades registradas nos encontros. Estes são marcados pela subjetividade dos sujeitos, fazendo com que os caminhos percorridos pelo pesquisador produzam, a partir das afetações, uma desterritorialização para a então criação de novos mundos. Como peça chave deste processo, está o Usuário Cidadão Guia (UCG), cujo papel é conduzir o pesquisador pela construção dos seus modos de fabricar as redes existenciais, sendo parte central do cuidado. É a partir dele que se constroem diferentes pontos de vista de um mesmo ponto, considerando sua multiplicidade e a realidade a qual ele pertence, de forma que a pesquisa seja conduzida por ele, não olhando para ele, mas sim pelo próprio olhar do usuário. No caso desta pesquisa o UCG é o Nico, um adolescente autista de 16 anos, que mora com sua mãe em uma chácara nos entornos do município onde foi realizada a pesquisa. E conforme a pesquisa foi acontecendo, percebeu-se a grande importância desta mãe na construção das narrativas e do cuidado, passando a considerá-la Mãe Usuária Guia (MUG). A família, até então, era composta pelo pai, mãe, Nico e mais três irmãos, que moravam em um município de pequeno porte. No entanto, após receber uma proposta de emprego em uma cidade grande, a família se mudou em busca de melhores oportunidades. Conforme contado pela MUG, a mudança não aconteceu como esperavam. Se instalaram na nova cidade, foram morar na chácara que residiam até o momento em que ocorreu esta pesquisa, e à medida que os problemas se tornaram insustentáveis, o casal se separou. A mãe assumiu o papel de chefe do lar e cuidadora em tempo integral do filho autista. A partir daí a vida da família foi se tornando solitária e o isolamento se deu de maneira multifatorial. Dificuldades financeiras, de transporte, de relacionamento, de cuidado com o filho foram ainda mais agravadas pelo contexto do autismo e o isolamento naquele lugar foi inevitável. Conforme os encontros entre uma das pesquisadoras e a MUG foram acontecendo, percebeu-se como o isolamento da família foi se dando pouco a pouco, mas o que assunto que imperava era o preconceito social com a deficiência em suas diversas manifestações. Para analisar este cenário de enfraquecimento das possibilidades de criação de redes de maneira mais didática, comparou-se a conexão dos serviços à ideia de uma estrutura de teia de aranha. Teia esta, que parte de um centro, o UCG, e vai se entrelaçando conforme vai tomando forma e ganhando proporção. Quanto maior a teia, maior suporte a aranha tem. Trazendo para o campo do cuidado, entende-se que quando a rede de existência de uma pessoa, ou no caso, uma família é composta por poucos elementos de conexão, sofre-se de alta dependência. Por outro lado, se a rede é constituída por muitos componentes, mais pontos de apoio sustentam aquela família, produzindo maior autonomia. Ao longo da vida da família houve algumas tentativas de inserção na rede de saúde, educação e assistência social. A MUG relatou como foram feitas tentativas tanto da parte da família, quanto dos serviços. No entanto, os processos burocráticos, protocolos e fluxos dificultaram a inserção do filho nessa rede de serviços, e o que antes era visto enquanto uma possibilidade de cuidado, passou a se tornar uma barreira para tal. Muitos usuários encontram dificuldades em construir suas redes de cuidados por barreiras impostas pela organização normativa dos serviços. Em contrapartida a este movimento de exclusão da rede formal, a mãe de Nico, durante os encontros relatava o apoio que ela e o filho recebiam de uma voluntária de um órgão da igreja católica e como o vínculo entre elas estava muito estreitado. Além de voluntária, ela também era vizinha, o que facilitava ainda mais a relação com a família de Nico. Conforme a MUG ia contando, era essa pessoa que provia alimentos básicos, medicação, consultas, transporte e até mesmo apoio emocional para ela e o filho. Esta relação ganha destaque neste trabalho, pois a questão do assistencialismo esbarra fortemente na possibilidade de criação de redes. Entende-se que ações de caridade, como esta, principalmente quando relacionadas a valores paternalistas e cristão, aparecem velados por bondade e com a finalidade de diminuir o sofrimento. No entanto, retomando a ideia da teia de aranha e considerando mãe e filho na centralidade, a relação com a voluntária passou a ser interpretada como apenas um ponto de conexão dessa rede, ou seja, uma rede enfraquecida, altamente dependente. Foi possível perceber que ações assistencialistas não buscam a emancipação do indivíduo, não concedendo a ele ferramentas para se tornar independente daquela ajuda pontual e dando uma falsa impressão de inclusão. Portanto, a partir desta vivência, ficou evidente que as políticas públicas não alcançam os que, por diferentes motivos, não chegam até os serviços, fazendo com que eles busquem novas rotas de acesso. Dar visibilidade às múltiplas formas de atendimento às PCDs e entender quais dificuldades imperam no acesso à rede de saúde é uma forma de revelar inúmeras situações vividas pelos usuários. Salienta-se a necessidade de se tecer redes institucionais, que possam sustentar minimamente as demandas dos usuários, concomitante às redes informais que vão surgindo para além dos serviços.