O artigo versa sobre o relato de experiência da interação entre educação e saúde na Rede de Atenção Psicossocial no contexto amazônico. Ele utiliza como recorte espacial a cidade de Belém do Pará, na qual se desenvolve o Projeto Integrar: Formando Gestores para Saúde Pública, oriundo de uma parceria entre as Instituições de Ensino Superior e a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (SESPA).
Ressalta-se que essa prática de ensino voltada para a Gestão de Políticas Públicas contribui para articulação e fortalecimento da atuação dos trabalhadores de saúde nos diferentes dispositivos que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), no Estado do Pará. A transversalidade da Política Pública de Saúde Mental perpassa em todas as áreas de atuação das redes de saúde e isso requer uma educação permanente dos trabalhadores de saúde estimulando-os para práticas inovadoras na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).
As vivências relacionadas à atuação em gestão, por meio do Projeto Integrar, ocorreram durante o Estágio Supervisionado Específico I de acadêmicos do 8º e 9º semestre do curso de Psicologia de uma Instituição de Ensino Superior Privada, localizada na cidade de Belém/PA.
As atividades desenvolvidas pelos estagiários ocorreram a partir de leituras científicas, participação em atividades administrativas de gestão (reuniões, visitas técnicas aos serviços especializados em saúde mental, elaboração e confecção de material didático pedagógicos, tabulação de dados e organização de eventos científicos), além da construção da minuta de uma Nota Técnica Conjunta, entre a Coordenação Estadual de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (CESMAD) e o Núcleo de Informação em Vigilância em Saúde/SESPA.
A organização do 1º Encontro Estadual de Referências Técnicas em Saúde Mental do Estado do Pará foi uma das práticas que contou com a colaboração dos estagiários de psicologia, e que também contribuíram para a formação da Rede de Atenção Psicossocial nos 144 municípios paraenses. O evento objetivou a capilarização do conhecimento sobre saúde mental na gestão pública junto aos gestores dos 13 Centros Regionais de saúde.
O cenário da saúde mental no contexto amazônico caracteriza-se pela judicialização das internações compulsórias, em sua maioria, demandadas pelos serviços especializados, fato este que demonstra a fragilização do manejo dos diversos casos de saúde mental pelos trabalhadores de saúde que atuam nos diferentes dispositivos da RAPS. Vale ressaltar que atualmente essa dificuldade em atender demandas relacionadas à saúde mental pode ser resultado de um ensino superior que não aprofunda o conhecimento e debate acerca das diversas políticas públicas existentes, e que incluem a Rede de Atenção à Saúde, entre elas, a sua transversalidade da saúde mental. Tal problemática está vinculada a um ensino superior focado no modelo de atendimento assistencial e pouco no modelo de gestão governamental de políticas públicas em saúde mental.
Sendo assim, esta insuficiência na formação dos profissionais que entram no mercado de trabalho com noções mínimas de políticas públicas, dificulta a compreensão de que, além do atendimento assistencial humanizado, também deve haver a garantia de direitos dos usuários de saúde mental por parte das Redes de Atenção à Saúde.
Dessa forma, relata-se que a experiência do estágio dos acadêmicos do Projeto Integrar na CESMAD permitiu a aproximação destes à legislação acerca de políticas públicas e sua aplicabilidade nos territórios e a observação do processo de articulação das estratégias e modelos de organização das redes de atenção à saúde nos municípios, conforme as peculiaridades locais do contexto amazônico.
As visitas técnicas possibilitaram aos estagiários o conhecimento da realidade do funcionamento da rede assistencial em saúde em diferentes setores na capital do Pará. Este aspecto se constitui como uma potencialidade do Projeto Integrar, considerando que esta prática se faz pouco presente nas Instituições de Nível Superior, uma vez que não aproximam os alunos do ambiente profissional real, sobretudo quando se trata da prática em gestão pública.
A Construção da Nota Técnica Conjunta de Notificação de Violências desenvolvida pela equipe da SESPA e seus estagiários, incentivou os acadêmicos a se tornarem protagonistas na elaboração de políticas públicas, sendo este um processo educativo e potencializador na formação de futuros profissionais para atuação em gestão de saúde pública.
As leituras e discussões dos referenciais teóricos que embasam as práticas dos estagiários e a participação destes em eventos científicos, reafirmam a articulação entre ensino e serviço com as entidades acadêmicas/científicas/sociais com o objetivo de compartilhar as experiências vivenciadas no estágio supervisionado e incentivar outras instituições de ensino superior a oportunizar este cenário de prática para acadêmicos das diversas áreas da saúde.
O Pará é um Território Continental onde se encontra o Parque Nacional da Amazônia. Nesse sentido, considerando que as dimensões territoriais do Estado do Pará, onde há localidades de difícil acesso, com necessidade de deslocamento aéreo, fluvial e terrestre, além das diversidades sócio culturais, exige-se uma adequação contínua das políticas públicas e suas diretrizes que conversem com cada particularidade do cenário paraense, a fim de assegurar os direitos dos usuários de saúde mental no SUS.
Tal relato de experiência ampliou a percepção dos estagiários de psicologia como futuros trabalhadores da saúde para uma atuação profissional de clínica ampliada e humanizada voltada para o cuidado e promoção da saúde mental dos usuários da rede de atenção à saúde. Assim, a oportunidade de práticas ativas fora do ambiente acadêmico promove vivências significativas, com maior qualificação da equipe dos envolvidos.
Destacamos a importância da continuidade do Projeto Integrar na formação de acadêmicos do curso de psicologia e a necessidade de expansão do projeto, para incluir acadêmicos de outras disciplinas pertencentes à área da saúde, viabilizando que, a gestão pública democrática e participativa seja uma realidade possível na educação superior paraense e brasileira.
Por fim, este trabalho demonstra que a interação ensino e serviço da rede de saúde, possibilita experiências e práticas inovadoras da atuação desses futuros profissionais na gestão do SUS, bem como, a participação das Instituições de Ensino Superior junto aos órgãos públicos, possibilitam aos acadêmicos experiências para além de assistência, incluindo práticas que permitem ampliar a visão do cuidado de forma resolutiva e humanizada da gestão da política pública de saúde mental no cenário amazônico.