Este trabalho busca discutir a ideia de cuidado aplicado nas políticas públicas, assim como a própria atuação da psicologia nesse campo. Entende-se que muitas das práticas de cuidado em vigor nos espaços de saúde e de assistência social estão alinhadas a políticas de dominação, como o sexismo e o racismo. Esse fato é resultado direto das heranças coloniais que resultam em modos de sentir, pensar, falar, atuar, assim como, perceber o mundo e a vida sobre uma perspectiva universal. Como tal, o cuidado validado e institucionalizado continua reverberando lógicas de violência e controle. A psicologia assume importante papel nesse sentido ao validar, em um âmbito de autoridade sobre o sujeito, noções de padronização e práticas disciplinadoras. Assim, pretende-se indagar o conceito de cuidado e investigar modos de acolhimento que proponham um desvio a essa perspectiva colonizadora, utilizando para isso a ideia do encontro como potencializador das relações entre diferentes sujeitos. O encontro pode servir de ferramenta de cuidado, pelo qual um diálogo possa surgir no reconhecimento de distintas vozes, seja pelo pronunciamento de quem a muito foi calado, seja pela escuta de quem possui essa responsabilidade de ouvir. Para essa discussão, utiliza-se de contribuições da saúde coletiva, dos estudos decoloniais e principalmente, do feminismo de intelectuais negras, como de Patricia Hill Collins, bell hooks e Audre Lorde. Não diferente, para alcançar um estudo sobre a temática que não repitam o instituído, visto que é também produto do processo colonial, pensou-se na proposta da escrita narrativa dada pelas experiencias da primeira autora durante sua trajetória na graduação. Assim, não se buscou cartografar as vivências nos serviços públicos frequentados, mas evidenciar passagens por meio de fragmentos imprecisos daquilo que se mostrou mais instigante ao campo do afeto, ressoando uma artesania de outras formas de cuidado que reafirmem a alteridade. Ao bordar cenas cotidianas, até então banalizáveis, indicou-se possibilidades do sujeito ali acompanhado possa emergir, não somente pela via pessoal de autonomia, mas também como uma construção coletiva de existência. O cuidado às avessas, isto é, oposto ao pontuado historicamente pelas políticas públicas de seguridade social, indica um posicionamento atento quanto as práticas ordinariamente miúdas, que soam repetitivas, imprecisas ou desimportantes. A narrativa aqui posta, não é só sobre a metodologia, mas é possibilidade de continuidade e alargamento do tempo daqueles envolvidos, um modo de cuidado em ato. É perceber as relações de cruzo entre os envolvidos, sem necessidade de fixação ou sentido, não com vias retas, mas encruzilhadas de modos de habitar o comum. É pelos emaranhados que é possível se pensar em um cuidado que valide todas as formas de existência e que possibilite que a vida possa ser experienciada em sua completude.