Apresentação: Segundo o Censo de 2022, a população indígena representa 0,83% dos brasileiros, o que equivale a aproximadamente 1.694.836 pessoas. Destes, 42,32% residem em áreas não indígenas. A migração para zonas urbanas é, muitas vezes, a solução encontrada na busca por melhores condições de vida, havendo exemplos como a etnia tikuna, que na década de 1990 formou um grupo importante na cidade de Manaus. Apesar do número expressivo de indígenas no Amazonas e no Brasil, de forma mais geral, ainda prevalece nos espaços convencionais de saúde, atendimentos etnocêntricos, que desconsideram a alteridade e as distintas cosmovisões dos povos indígenas. Alguns movimentos têm sido realizados, no intuito de superar essas adversidades, a exemplo das práticas desenvolvidas no Parque das Tribos, território indígena urbano, localizado na cidade de Manaus, Amazonas. O presente trabalho apresenta a vivência de acadêmicos de medicina da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) que acompanharam atendimentos e ações de educação e promoção da saúde voltados aos povos indígenas atendidos pela Unidade de Saúde da Família (USF) Parque das Tribos, no percurso do Estágio Curricular Obrigatório em Medicina Preventiva e Social/Internato Rural; a USF Parque das Tribos foi inaugurada em fevereiro de 2024 e está localizada no bairro Tarumã, uma comunidade com mais de 1.300 indígenas, de 35 diferentes etnias. Desenvolvimento: O cenário de prática foi desenvolvido conforme plano de ensino regido pela coordenação do estágio do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFAM. Portanto, o objetivo do estágio em Medicina Preventiva e Social/Internato Rural era imergir na realidade do território e do serviço, no intuito de compreender todas as nuances, potencialidades e fragilidades da Atenção Primária à Saúde (APS). O estágio fora iniciado no primeiro dia de funcionamento da Unidade de Saúde, dia 01/02/2024, sendo finalizado no dia 08/03/2024. Em um primeiro momento, os internos de medicina foram divididos tanto em consultórios médicos, quanto da equipe multiprofissional da instituição, e a metodologia de prática era aplicada em formato de rodízio, sendo necessário o estudante permanecer em todos os setores disponibilizados para o cenário de prática, quais sejam: Farmácia, Sala de Preparo, Sala de Vacina, Consultório de Fisioterapia, Consultório de Medicina de Família e Comunidade, Consultório de Enfermagem, além das visitas domiciliares e atividades de Promoção em Saúde. Os atendimentos em saúde envolveram atenção às doenças mais prevalentes em saúde pública como diabetes mellitus, hipertensão, tuberculose, sífilis, além de atendimento pré-natal e em puericultura. Dentre as atividades de promoção em saúde, foram realizadas palestras para a comunidade abordando os temas de Tuberculose, Obesidade, Dengue e Câncer de Colo do Útero. Estas tiveram lugar na sala de espera da USF e também em locais externos à Unidade. As práticas externas ao ambiente da USF envolveram atividades semanais na Maloca dos Povos Indígenas, localizada na Comunidade Parque das Tribos, as quais foram desenvolvidas juntamente à liderança indígena local e à equipe multiprofissional. Em relação a Maloca, cabe destacar que esta funcionava como complexo comunitário e casa de saúde, possuindo, portanto, uma grande área de convivência associada a espaços para atendimento médico, com uma estrutura de madeira e telhado de aço e decoração composta por diversos grafismos indígenas. Além disso, os internos de medicina também fizeram parte de uma ação de saúde na Aldeia Waikiru, com realização de atendimento médico, odontológico, vacinação, prevenção em saúde bucal, testes rápidos para Infecções Sexualmente Transmissíveis e educação em saúde. Resultados: O estágio ocorreu em uma USF, ou seja, uma unidade de saúde que conta com uma equipe composta por, no mínimo, um médico de família e comunidade ou um generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde (ACS). No entanto, a USF Parque das Tribos também conta com fisioterapeuta, farmacêutico, dentista e pediatra, o que permitiu que os alunos vivenciassem uma rotina multiprofissional em diversos âmbitos, incluindo: consultórios e em visitas domiciliares do fisioterapeuta, do médico e do enfermeiro; farmácia; sala de preparo; sala de vacinação; e também atividades de promoção em saúde. Dessa forma, foi possível ter a experiência de como se intercomunicam as diversas áreas envolvidas no funcionamento de uma USF. Além disso, o referido estágio também proporcionou uma rica troca de conhecimentos através do contato direto entre os estudantes, comunidade, lideranças indígenas locais e profissionais da unidade, favorecendo o sincretismo entre os cuidados de saúde da medicina moderna e da medicina tradicional dos povos originários. A execução das atividades da unidade de saúde necessitava de conhecimento antropológico, ecológico, social e etnocultural acerca dos povos indígenas. Esse alicerce é essencial para compreender os determinantes sociais que reverberam sobre os processos de saúde e doença dos indivíduos e da comunidade como um todo, em prol de garantir três importantes princípios do Sistema Único de Saúde (SUS): equidade, universalidade e integralidade. A participação da liderança indígena e de especialistas de saúde indígena nas atividades fortaleceu o vínculo entre a unidade de saúde e comunidade, atuando como um meio de transmitir as demandas locais e reconhecimento das práticas de cura da medicina tradicional indígena, elementos importantes para a promoção, recuperação e manutenção da saúde dos povos originários. Apesar de a maior parte da comunidade indígena da região ser urbanizada, o impacto cultural era vivenciado diariamente. No dia a dia dos consultórios, os pacientes da comunidade frequentemente solicitavam tratamentos mais "naturais". Nas atividades externas à unidade, como as ações na Maloca dos Povos Indígenas e na Aldeia Indígena Waikiru, era possível observar com grande nitidez elementos próprios da cultura indígena, tais como gravuras e padrão de organização das habitações. Considerações finais: Cada uma das áreas das atividades multiprofissionais no estágio tiveram suas nuances de como abordar essa comunidade, seus focos de atuação e o diferencial nos detalhes. Atentar-se que algumas vezes o paciente vai preferir o medicamento fitoterápico ou “mais natural”, na dificuldade de locomoção da população local para chegar na USF, que a maioria dos pacientes provavelmente não terá como comprar remédios de custo mais elevado. A equipe na farmácia, enfermagem e os médicos atuando juntos diretamente para ajudar essa população no acesso ao tratamento adequado; os ACS tendo mais dificuldade de locomoção ao buscar ativamente as pessoas em suas casas para promover a saúde; a fisioterapia saindo da unidade de saúde e atuando na Maloca, um local onde a população já estava acostumada a buscar atendimento, trazendo um ambiente mais acolhedor para os pacientes. Ficar tão integrado a essa população gerou um afeto muito mais intenso do que o gerado em meio urbano. Atuar junto com uma comunidade específica trouxe aos estagiários conhecimentos sobre essa população e novas experiências, distante culturalmente e em ritmo dos grandes centros urbanos. Assim como os futuros profissionais médicos aprendem com os povos originários, as atividades em conjunto também podem incentivar as pessoas dessa população a participarem mais no SUS e nas políticas envolvendo a saúde local. Fazendo, assim, com que as ações e os conhecimentos compartilhados sejam uma via de mão dupla, onde todos ficam unidos e ganham com a presença da USF Parque das Tribos.