Apresentação: Trata-se de uma sistematização da experiência dos 20 anos do Centro Espiritual Pachamama (CEPAMA) como espaço de produção coletiva de cuidado na perspectiva do Bem Viver. O CEPAMA é uma instituição de espiritualidade universal sem fins lucrativos criada em 12 de maio de 2004 que atua no Rio Grande do Sul, Brasil, que se organiza com base na economia solidária e na autogestão, exercendo a não mercantilização das medicinas sagradas e das práticas espirituais, sobretudo as advindas dos povos indígenas. É um espaço de rezo que atua com o propósito de caridade, com inspiração nos saberes ancestrais do xamanismo, da umbanda e da doutrina do Santo Daime, contudo, sempre abrindo outras possibilidades de inserções e integrando outras tradições e culturas. O Centro realiza atividades que incluem Cerimônias de Medicina com a ayahuasca, rapé, sananga e outras, Rodas de Cura, Rodas de Aruanda, Yoga, Reiki, Feiras de Arte e Cultura, festividades e encontros coletivos para cultivos do jardim de plantas sagradas. Ressalta-se que, no Brasil, a ayahuasca é regulamentada desde a década de 1980 e conta com respaldo científico para auxiliar no tratamento de depressão, ansiedade, dependência química, traumas, entre outros. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é analisar a partir de uma sistematização da experiência, segundo Oscar Jara, a atuação do Centro Espiritual Pachamama, nos anos de 2004 até a presente data. Desenvolvimento: Um foco de sistematização é a liderança dos guardiões do CEPAMA e do grupo de membros que compõem a “Família Pachamama”. A sistematização dessa experiência ocorre por meio de imagens, músicas e depoimentos. Também foi registrada a forma de realização do preparo do chá da ayahuasca, cuja produção permite compartilhar conhecimentos sobre essa prática ancestral, que envolve o manejo e cultivo coletivo das plantas sagradas chacrona (Psychotria viridis) e do jagube (Banisteriopsis caapi), na construção de uma fornalha coletiva e no preparo das medicinas, produzidos pelo CEPAMA desde 2019. Resultados: O CEPAMA vem atuando desde a espiritualidade numa estética da amizade que, atravessada pela coletividade, impulsiona modos de viver e produzir mundos interconectados e plurais. As vivências, desde as atividades do CEPAMA, que produzem experiências, no sentido que possibilitam produções de cuidado de si, do outro e do mundo, estimulam, também, a compreensão que ninguém se cuida, cura ou vive sozinho e que só é possível a vida humana nessa Terra em comunhão com todos os seres. Sensibiliza e estimula a criação de relações que possibilitam a desindividualização e a produção de comunidades. As pessoas em comunidade podem experimentar suas singularidades ao mesmo tempo que criam redes de produção e compartilhamentos do comum. O posicionamento político, fortalecendo a manutenção da democracia, é outro ponto importante da trajetória do Centro. Sua atuação frente ao uso das medicinas da floresta e relações com a espiritualidade vem permeada a partir da atuação solidária e não comercial. Nesse contexto, o CEPAMA está junto a luta anticolonial com a defesa da natureza, da economia solidária, dos povos indígenas, das populações de origem africana, populações vulnerabilizadas e a preocupação em acolher as minorias. Luta por um sistema universal de saúde que integre diferentes práticas de cuidado, sendo contra a medicalização da vida e da patologização das pessoas. Destaca-se que dentro do coletivo do Centro há repúdio a qualquer tipo de discriminação e preconceito étnico, racial, de gênero, etário ou de classe. Também, outra frente de atuação está no desenvolvimento artístico e principalmente musical que inclui a aprendizagem individual e coletiva no CEPAMA. Seus integrantes compõem músicas autorais que relatam as experiências compartilhadas dentro da espiritualidade, sobretudo numa perspectiva de cuidado coletivo com a Mãe Terra, seus animais, vegetais e minerais. Ainda, como parte do processo de divulgação da sistematização, está sendo organizado um documentário - formato curta-metragem - que mostra a trajetória do Centro, com reflexões importantes da sua função social na construção de uma sociedade que integra saberes populares e ancestrais com a ciência, a arte e a cultura. Além disso, está em produção um álbum das músicas das/dos integrantes do CEPAMA. Entre as músicas criadas pelos integrantes da Família está “Chama da Alegria”, hino do CEPAMA que dará título ao curta-metragem e ao álbum. Mostrar a chama da alegria que se acende no CEPAMA configura o objetivo desta recuperação da trajetória de 20 anos. O curta-metragem junto com as músicas, frutos da sistematização, estão sendo financiados pela Lei Paulo Gustavo, uma política pública de fomento do Governo Federal por meio de desembolso do Município de Novo Hamburgo/RS que foi criada devido à crise econômica vivida pelo setor cultural no contexto da pandemia da Covid-19 e do abandono do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O CEPAMA, respeitando as normativas sanitárias, manteve apenas atividades virtuais durante a pandemia, sentindo os impactos gerados pelo descaso do governo com a vida e a cultura brasileira. Quando foi possível a presencialidade para a realização das atividades, o Centro construiu protocolos sanitários de distanciamento físico, uso individual de cachimbos, copos de ingestão dos chás, não compartilhamento de pertences e vacinação obrigatória para todas, todos e todes que participassem de atividades coletivas. Considerações finais: O Centro Espiritual Pachamama entende a espiritualidade como parte da produção de outros modos de viver, que integra cultura, arte e ciência numa caminhada ao Bem Viver. O Centro se constitui como um processo de construção coletiva de autogestão que estimula cocriações de um outro mundo possível. Um grande desafio é o diálogo entre saberes populares/ancestrais e acadêmicos. Integrantes do CEPAMA atuam no sistema de saúde pública e entidades ambientalistas. Estão na universidade e também nas comunidades. Compõem movimentos populares, comitês locais, conselhos de saúde, conselhos da cultura, conselhos de mulheres e conselhos do meio ambiente. Essa experiência evidencia que a inclusão da espiritualidade como tema importante na saúde coletiva e na busca por justiça socioambiental pode ajudar a construir possibilidades de saúde integral e equilíbrio socioambiental que levem a caminhos para uma produção de Bem Viver. Com os eventos climáticos extremos que têm atingido o Rio Grande do Sul, o CEPAMA reforça seu compromisso de solidariedade com os povos e seus territórios trabalhando a conscientização sobre a invisilidade entre sociedade e natureza, pois todos os seres são frutos do mesmo ventre, somos todos filhas e filhos da Mãe Terra, filhas e filhos da Pachamama.
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