Introdução: De 1530 a 1888, milhões dos ancestrais africanos foram trazidos de além-mar para o Brasil como escravizados. A escravidão e a abolição inacabada promoveram o racismo como prática social dominante, carregado de estereótipos, inferiorização, opressão, desqualificação e exclusão social da população negra, minimizando a possibilidade de ingresso e permanência de pessoas negras no ensino superior. Se no período colonial e imperial a luta da população negra era pela sua liberdade, nas muitas décadas seguintes do pós-abolição a luta passa a ser por melhores condições de vida e oportunidade. Tão logo, esta resumo trata-se de um recorte da dissertação de mestrado intitulada Coletivos Negros na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) em escrevivências: Produção de subjetividades a partir das vivências no ensino superior e tem por objetivo apresentar uma revisão integrativa acerca da produção de subjetividades à partir da vivência dos atores sociais.
Metodologia: A revisão integrativa foi elencada como método para reunir e sintetizar estudos, utilizando as seis etapas descritas por Mendes; Silveira; Galvão (2008): Elaboração da pergunta norteadora; Busca ou amostragem na literatura; Coleta de dados; Análise crítica dos estudos incluídos; Discussão dos resultados; e Apresentação da revisão integrativa. Para busca utilizou-se o Portal Periódicos CAPES, com os descritores: Escrevivências; Coletivos negros; Subjetividade negra; estudantes negros no ensino superior; negros no ensino superior, acompanhados do operador booleano AND. Foram incluídos artigos com população negra; escrevivências como forma de análise ou apresentação dos dados; artigos com discussão de racismo e saúde mental mesmo que não contemplassem os demais critérios de inclusão na íntegra. Excluiu-se artigos: duplicados, caso fosse de interesse somente 1 deles foi considerado na seleção; acesso pago; sem acesso ao texto completo; publicações em portais de internet; idiomas que não fossem Português, Inglês ou Espanhol; que trouxessem as escrevivências como forma de análise ou apresentação dos dados, mas da população não negra. A busca foi realizada entre agosto e novembro de 2023.
Resultados: Foram encontrados 92 artigos. Com os critérios aplicados, foram incluídos 19 artigos. Estes indexados em: 12 no Directory of Open Access Journals; 3 na Scientific Electronic Library Online; 1 no Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, 1 no SCOPUS; 1 no LATINDEX (Sistema Regional de Información en línea para Revistas Científicas de América Latina,el Caribe, España y Portugal); e 1 na LIVRE - Revistas de Livre Acesso. Utilizou-se para análise dos artigos a estratégia PICo: P (população), I (fenômeno de interesse), Co (contexto do estudo) (Gomes et al., 2022). Todos os artigos incluídos estavam no idioma português e apresentavam predominância metodológica qualitativa.
Discussão: Os achados corroboram com o processo histórico da população negra no Brasil, ao qual foi negligenciada e afastada de estar em espaços educacionais por muitos anos, implicando que para manter viva sua verdadeira história utilizou-se da da oralidade para repassar suas vivências individuais e experiencias coletivas, como descrito nos artigos de Souza; Freitas (2021) e Oliveira; Lima; Santos (2022), tendo o pesquisador de lançar mão de coleta de narrativas dentre outras abordagens de coleta de dados qualitativa, a fim de compreender toda complexidade que envolve o ser negro.
A população dos estudos permeiam por diversos estudantes; prounistas do curso de Psicologia da PUC-SP e a discussão de desigualdade social em Amaral; Paparelli (2019), até docentes como em França Neto et al. (2022) abordando o tema do racismo, trauma colonial e agência crítica no contexto do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro.
Artigos como o de Sousa; Freitas (2021) e Santos et al. (2022) exploram as experiências de mulheres docentes negras na sociedade brasileira na perspectiva das Escrevivências. Esse estudo corrobora com da Rosa; Alves (2021) e destaca a importância das narrativas de autoria negra como formas de expressão, resistência e reconhecimento de identidades marginalizadas.
Já em outro polo, os estudantes, Amaral; Paparelli (2019) apontam que estes advindos de cotas em universidade particular, passam por atravessamentos permeados por um “encontro desigual com a universidade” promovido pelo choque de culturas.
Tão logo, estes desafios tanto para docentes quanto para estudantes, vem alicerçados no racismo estrutural, estético, linguístico e religioso que afasta todos os dias pessoas negras dos espaços acadêmicos, buscando manter a estrutura de sociedade onde estes têm de estar em profissões de base para mantimento de uma branquitude racista no topo do poder (Silva; Daltro, 2018; Siqueira; Ramos, 2022; Almeida, 2018; Piedade, 2017).
Neste sentido Costa; Reis (2022); Fortes et al. (2020) e Maciel Ramos; Siqueira (2022) aprofundam sobre as experiências de estudantes negros/as no ensino superior, destacando a emergência dos coletivos de estudantes negros/as e a importância destes para enfrentamento à todos os desafios e para minimização da escassez epistemológica e a (re)existência coletiva na universidade. Esses estudos mostram que é necessário aquilombar-se para resistir, para permanecer.
Ainda Costa; Reis (2022) destacam que o determinante dos desafios do estudante no ensino superior são as universidades ainda insistirem em manter a discussão de conteúdos dentro do eixo branco-europeu.
Trindade (2022) complementa que ao realizar a prática de produção e disseminação de conteúdos eurocentrados e hegemonicos dominantes, se vai totalmente na contramão do processo de socialização interno necessário para uma experiência menos árida dos estudantes negros. Siqueira; Ramos (2022) neste panorama, alertam para outros indicadores que impulsionam aos estudantes negros a aquilombar-se, como autossabotagem, solidão e adoecimento que constantemente são promovidos pelo ambiente acadêmico pelos atravessamentos como a desqualificação de seus saberes.
Tão logo, Trindade (2022) e Pereira et al. (2021) abordam que as estratégias de resistência e enfrentamentos passam pelos coletivos de estudantes negros/as nas universidades brasileiras, enquanto Guimarães et al. (2020) discutem a formação de novas identidades raciais por meio dos coletivos negros. Esses estudos afirmam a importância de todos os movimentos de resistência e afirmação identitária para a transformação social e a construção de espaços mais inclusivos e igualitários.
Percebe-se em foco que os coletivos negros vem então como espaços horizontalizados, não hierárquicos ao qual a escuta e a compreensão de sí fazem parte. Onde a escuta de cada vivência faz ecoar “a Dor e a nem sempre delícia de se saber quem é, quem somos numa sociedade mascarada pelo mito da democracia racial…” (Piedade, 2017, p.18).
Destaca-se então, a importancia da escuta qualificada antirracista em Alves; Jesus; Scholz (2015) ao qual debatem que ao pensar a importância da compreensão da linguagem e lógica da população negra para a saúde mental, ao utilizar uma perspectiva de reparação civilizatória impulsiona-se e revoluciona-se na busca de aproximação do princípio da equidade do Sistema Único de Saúde (SUS) (Alves; Jesus; Scholz, 2015).
Por fim, Rosa; Alves (2021) nos direcionam a consideração de Grada Kilomba (2019, p.41 apud Rosa; Alves, 2021, p.5). quando dizem que deve-se romper o silenciamento promovido pela branquitude à população negra.
Conclusão: Ao integrar os estudos, foi possível obter uma compreensão das camadas que estruturam a sociedade e que permeiam a realidade do ser negro no Brasil, especialmente no que diz respeito às experiências e lutas dos estudantes negros/as no ensino superior e de quem já foi estudante à construção de novas formas de resistência e afirmação identitária.
Ainda, há a necessidade de “escreviver” mais para compreender o que somos e como somos no espaço acadêmico. Há muito o que se avançar! Ubuntu!