Apresentação:
O consumo de alimentos ultraprocessados (AUP) está associado com o aumento do risco de Diabetes Mellitus do tipo 2 (DM2) e doenças cardiovasculares. No que diz respeito à DM2, o consumo desses alimentos pode aumentar de 12% a 31% o risco de desenvolver essa doença. Em contrapartida, consumir frutas, verduras e legumes pode reduzi-lo em 10%, principalmente quando ingeridos, pelo menos, 200-300g/dia. Cabe destacar que o consumo de carne processada pode elevar em até 27% o risco de DM2, sendo que o consumo diário de 50g/dia pode resultar em um aumento de até 37%. O excesso de peso e a dieta inadequada são fatores de risco modificáveis de DM2 e, portanto, a melhora da dieta, sobretudo associada ao aumento do nível de atividade física, contribui tanto para prevenir DM2 quanto retardar a sua progressão. Nossa hipótese é de que o consumo de AUP se associa com os marcadores de controle glicêmico, contrário à qualidade da alimentação, independentemente do consumo de vegetais, em adultos com alto risco para desenvolver DM2. Sendo assim, o objetivo desta análise foi investigar se existe associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os marcadores de controle glicêmico, independentemente do consumo de frutas, verduras e legumes, bem como da adesão à uma alimentação saudável como a alimentação cardioprotetora brasileira.
Desenvolvimento do trabalho:
O PROVEN-DIA é um ensaio clínico multicêntrico controlado e randomizado (ClinicalTrials NCT05689658), conduzido pela BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo em parceria com o Ministério da Saúde via Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), cujo objetivo principal foi avaliar a eficácia do Programa Brasileiro de Prevenção de Diabetes em adultos com alto risco para DM2 (i.e., presença de sobrepeso, inatividade física, hipertensão, histórico familiar de DM2 e/ou diabetes gestacional, idade ? 40 anos e sexo masculino). Para esta análise transversal com dados de linha de base, foram obtidos os dados demográficos e socioeconômicos (idade, sexo, estado civil, escolaridade, raça e renda), marcadores do controle glicêmico (insulina, hemoglobina glicada e glicemia de jejum) por meio de exames laboratoriais, o consumo alimentar através de dois Recordatórios Alimentares de 24 horas e escores de adesão à Alimentação Cardioprotetora Brasileira (DICA-Br) e do Cardiovascular Health Diet Index (CHDI). A alimentação cardioprotetora leva em consideração quatro densidades para dividir os alimentos: densidade energética (?1,11kcal/g), densidade de colesterol (?0,04mg/g), densidade de gordura saturada (?0,01g/g) e densidade de sódio (?2,01mg/g). Conforme as densidades, os alimentos e/ou preparações são classificados em cores, sendo verde (densidades ? pontos de corte), que devem ser consumidos em maior quantidade; amarelo (uma ou duas densidades > pontos de corte), orientados a consumir em quantidade moderada; azul (3 ou mais densidades > pontos de corte). Cada cor apresenta um escore de 0-10, os quais somados resultam em até 40 e equivalem ao escore total de adesão à dieta cardioprotetora. Quanto maior a pontuação, maior a adesão à alimentação cardioprotetora. O CHDI é um escore de adesão a uma alimentação saudável e também cardioprotetora que define, a partir da quantidade de porções consumidas de vegetais, frutas, cereais, leguminosas, lácteos, bebidas açucaradas, carnes vermelhas, carnes processadas, peixes, oleaginosas e ultraprocessados a adesão às recomendações da American Heart Association e do consumo de AUP. No software JASP, conduzimos uma análise transversal com os dados basais dos 220 participantes do estudo PROVEN-DIA. Os dados foram analisados descritivamente, sendo apresentados em frequências absolutas e relativas e média (desvio padrão) segundo a sua distribuição. As associações entre o consumo alimentar e os marcadores do controle glicêmico foram investigadas por meio de análises multivariadas. Foram elaborados três modelos tendo em cada modelo uma variável dependente representada por um marcador glicêmico: glicemia em jejum, hemoglobina glicada ou insulina. Nestes modelos, as porções dos alimentos do CHDI (carne processada e ultraprocessados ajustados por porções de verduras e frutas) são as variáveis independentes. Também foram elaborados três modelos tendo em cada modelo uma variável dependente e o escore de adesão ao grupo vermelho da alimentação cardioprotetora como variável independente (representando o consumo de AUP) e ajuste pelo escore verde (representando o consumo de vegetais). Cabe destacar que os modelos multivariados foram do tipo enterwise, sendo ajustados por idade, sexo, raça, estado civil, escolaridade, nível socioeconômico e índice de massa corporal (IMC). Os dados omissos foram excluídos das análises e a multicolinearidade foi devidamente considerada (tolerância e VIF). A significância estatística foi fixada em 0,05.
Resultados:
Foram analisados 220 participantes, sendo a maioria do sexo feminino (71,8%) e com média de idade de 48,8±9,5 anos. Em média, o consumo alimentar diário destes indivíduos com alto risco para desenvolver DM2 foi de 1,6±1,0 porções de frutas, 1,7±1,4 porções de vegetais, 0,6±1,0 porções de cereais integrais, 1,1±0,9 porções de lácteos, 1,0±1,1 porções de bebida açucarada e 1,1±0,9 porções de leguminosas. O consumo semanal, por sua vez, foi de 0,8±1,7 porções de oleaginosas, 4,2±2,8 de ultraprocessados, 2,1±2,0 porções de carne processada, 5,0±3,7 porções de carne vermelha e 0,9±1,0 porções de peixes. No que se refere aos modelos preditivos para investigar a associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e os marcadores de controle glicêmico, independentemente do consumo de vegetais (utilizando porções de alimentos do CHDI), apenas o consumo de carne processada mostrou ser preditivo do aumento de insulina (coeficiente: 0,497; R²=0,270; p=0,017) nesta população. Em relação aos escores de adesão à alimentação cardioprotetora, a média do escore total foi de 17,5±6,0 pontos. Os escores específicos foram: azul, 5,0±6,6; verde, 4,9±2,4; vermelho, 4,2±3,3; e amarelo, 3,5±2,7 pontos. No modelo preditivo utilizando dados do escore de adesão à alimentação cardioprotetora brasileira, o escore de adesão ao grupo vermelho não foi preditor dos marcadores de controle glicêmico no grupo estudado.
Considerações finais:
Em indivíduos com alto risco para desenvolver DM2, o consumo de carne processada é preditor do aumento da insulina de maneira independente da ingestão de frutas e vegetais. Em relação ao consumo de outros alimentos ultraprocessados e ao grupo vermelho da alimentação cardioprotetora, o maior consumo destes não esteve associado de forma independente com os marcadores do controle glicêmico. Ressaltamos que devido ao tamanho amostral e o desenho da pesquisa (análises exploratórias que não foram corrigidas para múltiplas comparações), novos estudos são necessários para confirmar os resultados aqui apresentados. Ainda, investigações futuras podem considerar se o consumo de UP é mediador da associação entre os marcadores de controle glicêmico e a ingestão de frutas, verduras e legumes.