PESQUISANDO A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA 17ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE: UM EXERCÍCIO IMPLICADO DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS

  • Author
  • Janainny Magalhães Fernandes
  • Co-authors
  • William Pereira Santos , Alcindo Antônio Ferla
  • Abstract
  • Introdução: A 17ª Conferência Nacional de Saúde (17ªCNS;2023) reuniu, aproximadamente, 6 mil pessoas para defender, monitorar e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) em sua perspectiva universal, equânime, igualitária e de qualidade para todas as pessoas. Essa Conferência teve como tema "Garantir direitos, defender o SUS, a vida e a democracia - Amanhã vai ser outro dia!” e os convidados/participantes representavam a sociedade civil, diversos movimentos sociais, instituições e segmentos (usuários, trabalhadores e prestadores de serviços de saúde) com pautas que requeriam a criação, implantação e melhorias de políticas públicas sanitárias para pessoas LGBTQIAPN+, pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua, pessoas idosas, mulheres, quilombolas e diversas condições nos mais plurais territórios do Brasil. A retomada da democracia e da participação popular foi uma das principais marcas da conferência, reverberada nas falas, gestos e posturas dos participantes. Os registros evidenciaram a diversidade e a pluralidade das causas, propostas, pessoas, grupos e territórios. Isso significa a iniciativa da retomada da democracia e reconstrução da saúde expressa em várias iniciativas, lideranças e estratégias. Em um contexto de crise civilizatória, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Comissão de Relatoria da Conferência, avaliaram que havia a necessidade de compreender a participação social, numa perspectiva compartilhada entre o fórum participatório e a pesquisa. A iniciativa foi uma pesquisa desde diferentes lógicas que compõem a participação, superando a lógica de pesquisar sobre os participantes.

    Objetivo: Analisar desfechos sobre o pesquisar no projeto “Saúde e democracia: estudos integrados sobre participação social nas Conferências Nacionais de Saúde”, realizado em parceria entre o CNS, Associação Rede Unida e a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) na 16ª e 17ª Conferências Nacionais de Saúde, analisando distinções, semelhanças e singularidades entre ambas.

    Metodologia:Pesquisa descritiva de análise documental, compondo o escopo de uma pesquisa participativa com maior abrangência, onde foi realizada comparação da participação e perfil de pessoas delegadas, convidadas e usuárias, através de banco de dados das pesquisas da 16ª e 17ª Conferências Nacionais de Saúde. Foram analisados o perfil dos participantes em cada conferência, as propostas e diretrizes aprovadas. Essa triangulação de fontes foi essencial para compreender as singularidades na participação, formulação e aprovação de propostas para o SUS.

    Desenvolvimento:O Grupo da Pesquisa da 17ªCNS representou todas as regiões brasileiras. A equipe esteve vinculada ao projeto do CNS aprovado pela CONEP (CAAE nº 14851419.0.0000.0008; Parecer nº 6.153.447). O projeto tem como objetivo analisar a participação social no processo das Conferências Nacionais de Saúde, bem como “sistematizar evidências da relevância e da abrangência do processo participativo nas etapas e atividades que a compõem”. As etapas incluíam: (a) investigação e levantamento de dados dos participantes da conferência para construção do perfil; (b) análise e interpretação dos dados; e (c) divulgação dos resultados com ampliação de conhecimentos sobre participação social e políticas públicas por meio de publicações diversas. O compartilhamento dos resultados também demonstra um compromisso ético com o projeto, o evento e as pessoas envolvidas. O projeto existe desde a 16ªCNS e, desde então, é responsável por gerar um grande banco de dados com informações dos participantes das conferências nacionais (16ªCNS e 17ªCNS), mas, também, das etapas municipais e estaduais, entendidas como um processo legítimo de participação social até a etapa nacional da conferência. A atuação do projeto fomenta um grande acervo de documentos e materiais audiovisuais, que ajudam a contar a história da participação social na saúde pelas conferências. A pesquisa demonstrou grande potencial de estudo sobre a participação social na saúde, tanto em termos de inovação, como em formas de organização de trabalho, compromisso com o controle social e com o SUS, além de ser um dispositivo de motivação de participação popular, envolvendo diferentes pessoas, de diferentes segmentos e lugares, nacionais e internacionais. Na 16ªCNS, foi registrado o total de 2.713 pessoas delegadas, sendo 1.380 do segmento usuários, 718 do segmento trabalhadores e 615 dos segmentos gestores e prestadores de serviços em saúde. Durante a realização da 16ªCNS, foram aplicados questionários em 2.853 participantes, dos quais 2.168 eram pessoas delegadas (76%), 585 eram pessoas convidadas (20,5%) e 100 eram do grupo de demais participantes. Com a apuração dos dados referentes ao credenciamento dos participantes na 17ªCNS, foram registradas 5.827 pessoas, sendo 3.538 pessoas delegadas, 1.136 pessoas convidadas e 1.153 pessoas distribuídas nas demais categorias de atuação. Com a atuação da Comissão de Pesquisa, aproximadamente, 3.500 pessoas responderam ao questionário para levantamento do perfil, foi possível entrevistar 89 pessoas organizadoras de 85 das 98 conferências livres (CL) realizadas entre 2022 e 2023, quantidade quase 10 vezes maior do que as 9 CL realizadas para a 16ªCNS (2019). As CL elegeram 386 pessoas delegadas, das quais 373 (96,6%) foram credenciadas na 17ªCNS. Foram realizadas 147 entrevistas semiestruturadas com pessoas delegadas dos 27 estados brasileiros, sendo 70 entrevistas com pessoas delegadas do segmento usuário; 40 entrevistas com pessoas delegadas do segmento trabalhador; e 37 entrevistas com pessoas delegadas do segmento gestor. Também como parte de ampliar a pesquisa, foram realizados registros de participantes nas Atividades Autogestionadas, Grupos de Trabalho, Tendas Culturais e Espaço de Cuidados. As pesquisas terão seus resultados, debates, análises e discussões apresentados em livros, capítulos e artigos, apresentando diversas categorias analíticas, reflexões, produção de material educativo e histórico para a sociedade, como já acontece com os dados da 16ªCNS.

    Considerações: A pesquisa nas Conferências Nacionais de Saúde tem caráter inovador e se ajustou metodologicamente às mudanças existentes entre elas, incluindo entrevista com os organizadores das CL e análise do impacto dessas conferências na elaboração e aprovação das propostas. Mais do que aspectos operacionais e metodológicos, houve um efeito considerável sobre os pesquisadores envolvidos no processo, que apresentam suas percepções, interações, trocas e aprendizados em capítulos de livros e trabalhos diversos, mostrando também a potência formadora das conferências de saúde no processo acadêmico e investigativo. Embora recente, a pesquisa possui potencial de tornar-se dispositivo institucional para identificação do perfil dos participantes, singularidades, discussões, debates, propostas e produção de memórias do “entre”, ou seja, das disputas e do processo de construção da política pública para além das propostas aprovadas. Além disso, a pesquisa amplia possibilidade de trazer à cena análises robustas da conjuntura ético-política e estética da participação popular nas conferências, mediante as situações vividas no país, as necessidades de saúde dos segmentos e dos movimentos populares, e produzir visibilidades e dizibilidades da pluralidade trazida pelos territórios brasileiros e movimentos sociais que lutam pelo direito à saúde e pela defesa da vida. Entretanto, é preciso registrar que um efeito epistêmico da pesquisa sobre o pesquisar mostrou-se necessário, onde a enunciação sobre o como fazer a pesquisa e o papel dos participantes adquiriu outra conotação: de “informantes” de dados, para portadores de um saber singular, que provocou uma expansão da capacidade de perceber lugares de fala diversos. O hibridismo de papéis tornou possível a escuta e a síntese não apenas como compromisso de intelectuais orgânicos, mas de indignidade mesmo de falar pelos “participantes”. O “tratamento” dos dados, mais do que a aplicação de técnicas sobre discursos, foi a construção de categorias que tornam visíveis os diferentes lugares de fala, tornando o pesquisar em uma produção situada de conhecimentos. Dos encontros da pesquisa, não se produzem abstrações sobre a participação, senão ideias encarnadas do que pode a participação.

  • Keywords
  • Conferência Nacional de Saúde; Participação Social; SUS.
  • Subject Area
  • EIXO 4 – Controle Social e Participação Popular
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