Apresentação: A construção da história da população negra no Brasil, desde seu início, foi marcada pela violência, ao chegarem forçadamente como escravizados. Foram submetidos a condições sub-humanas e cruéis, obrigando-os a romperem com suas tradições, cultura e laços familiares. Ainda que, após a Lei n.º 3.353, de 13 de maio de 1888, que institui a abolição da escravatura, na prática, os efeitos da escravidão perpetuam-se. Assim, o período após a abolição culminou em políticas de precariedade e opressão constantes, impactando, dessa maneira, no processo saúde-doença dessa população e no acesso a direitos fundamentais. Além disso, o racismo foi utilizado como ferramenta para intensificar as iniquidades sociais e em saúde. Em razão disso, ele não se restringe ao âmbito individual ou a um ser humano mau, ou bom, mas a toda uma construção histórica que promove disparidades sociais, econômicas e em saúde. Além do mais, o racismo pode se manifestar silenciosamente, mas igualmente nocivo, pois demonstra uma falsa sensação de equidade. Em outra análise, no Sistema Único de Saúde (SUS), embora alicerçado nos princípios de Equidade, Universalidade e Integralidade, os usuários negros estão submetidos a menor adesão às ações, quer sejam de prevenção ou não, devido ao racismo institucional.
Desenvolvimento do Trabalho: A metodologia é de caráter qualitativo, e a análise temática será feita após as entrevistas. Dessa forma, o método utilizado para analisar os dados será a construção de um tema adaptado. Conforme Minayo (2012), esses temas surgem da leitura constante e exaustiva de todo o material produzido, a classificação dos dados permitirá identificar os temas conforme os sentidos. O estudo foi realizado em uma unidade de referência na Bahia, especializada em pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e Hepatites Virais. Os participantes do estudo foram usuários e trabalhadores, e os critérios de inclusão foram ser atendidos pelo serviço de infectologia, com diagnóstico de HIV, ter histórico de abandono ou adesão dificultada ao tratamento TARV, sem restrições de gênero e orientação sexual. A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas, abordando aspectos socioeconômicos, produção do diagnóstico e cuidados com a saúde, itinerários terapêuticos e barreiras enfrentadas no processo de adoecimento. Posteriormente, com a conexão realizada com as leituras do material, a fase de classificação dos dados é conduzida por meio da construção de unidades de registro, denominadas de núcleos de sentido, após terem sido identificados nos dados produzidos e agrupados em uma categoria temática. O início da pesquisa ocorreu após os participantes assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia (parecer n.º 5.991.828 e CAAE 54898221.4.0000.0057), seguindo as normas éticas brasileiras de pesquisa com seres humanos (Resolução n.º 466/2012) e as normas aplicáveis à pesquisa em Ciências Humanas e Sociais (Resolução n.º 510/2016).
Resultados: A população negra é, historicamente, a mais afetada pelas dificuldades de acesso aos serviços de saúde, nas condições socioeconômicas e na violência em seu cotidiano. Essas ações não são meramente por acaso, pois estão alicerçadas na Necropolítica. Consoante com o filósofo Mbembe, a necropolítica dita quais “corpos” tem valor diante do Estado, isto é, há políticas de precarização da vida que favorece o genocídio de uma parte da população. Assim, esta pesquisa teve como objetivo compreender os processos de cuidado e as barreiras enfrentadas, sob a ótica da Necropolítica, de pessoas que vivem com HIV/Aids. Em primeiro plano, é importante destacar que, houve uma mudança do perfil epidemiológico da infecção por HIV/Aids, haja vista que nos anos iniciais de epidemia da infecção, seu perfil era composto por homens brancos, homossexuais e de renda elevada. Para mais, a população negra é a mais impactada pela dificuldade no acesso a serviços de saúde e condições socioeconômicas e de subsistência insuficientes. Desse modo, deve-se observar as facetas que envolvem as múltiplas vulnerabilidades infligidas a essa população. Essas práticas se baseiam, em sua maioria, no racismo estrutural, isto é, o cerne do racismo perpassa a política, os direitos, a economia e as relações dentro do próprio núcleo familiar. Além disso, das falas dos entrevistados, denota-se a política de precarização da vida e expansão de ações não voltadas para prevenção e promoção à saúde, mas voltadas para políticas de morte da população preta e, principalmente, LGBTQIA +. Outrossim, embora haja a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), cujo objetivo é desenvolver ações baseadas na população negra, com vistas a amenizar o racismo institucional presente no SUS, ainda há iniquidades no acesso ao diagnóstico e acompanhamento, mesmo que a 67% dos usuários do SUS sejam autodeclarados pretos e pardos, enfatizando um cuidado deficitário. Ademais, é imprescindível observar as diversas barreiras de acesso enfrentadas pela população negra. A partir das falas dos entrevistados, nota-se, históricos de múltiplas vulnerabilidades como famílias disfuncionais, pobreza e baixos níveis de escolaridade, esses fatores são fundamentados, na sua maioria, no racismo estrutural, ou seja, o núcleo do racismo que se estende à política, aos direitos, à economia e às relações dentro do núcleo familiar, afetando sobretudo a população preta e LGBTQI+, enfatizando a interseccionalidade, isto é, fatores como raça, orientação sexual, classe econômica e etnia se correlacionam e se entrelaçam, promovendo tratamentos diferenciados e desiguais. Nesse sentido, é impossível dissociar essas questões do processo saúde-doença que afeta uma parcela da população. Em consonância, percebe-se pela fala destes usuários que a cor e a orientação sexual impactam suas vidas, pois convivem constantemente com o medo da segregação e discriminação. Considerações finais: Conclui-se, então, que esses usuários estão constantemente submetidos ao diagnóstico tardio devido à falta de acesso no tempo hábil, à falta de acolhimento por parte dos trabalhadores, e ao estigma perante a família e a sociedade, sob a influência da Necropolítica, o Estado valida e promove essas mortes -simbólicas e físicas- diariamente. Para esses usuários do SUS, a adesão ao tratamento torna-se mais tortuosa. Salienta-se a importância de promover políticas públicas visando a mitigação das iniquidades em saúde no Brasil.