CULTURA FORMATIVA DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE: O DESVELAR DE UM CONTENTAMENTO DESCONTENTE

  • Author
  • Andressa Ambrosino Pinto
  • Co-authors
  • Donizete Vago Daher , Irma da Silva Brito , Karla Santa Cruz Coelho , Enéas Rangel Teixeira , Audrey Vidal Pereira , Emília Galindo Cursino , Graziele Ribeiro Bitencourt , Hércules Rigoni Bossato
  • Abstract
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    Apresentação: Este tabalho é parte integrante da Tese de doutoramento defendida pela primeira autora na Universidade Federal Fluminense (UFF) e que buscou analisar processos de formação do Agente Comunitário de Saúde (ACS). Como profissional de saúde orgânico ou seja, que surgiu a partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS),  garante, no Brasil, a sustentabilidade do modelo de assistência à saúde público e universal. A sua cultura formativa inclui a formação técnica e ações de Educação Permanente em Saúde (EPS). Desde a constituição deste profissional a cultura proposta pelo Ministério da Saúde (MS) e que orienta a formação e a prática cotidiana baseia-se em ações de promoção da saúde e prevenção de gravos, nos diferentes territórios, mas que na atualidade, perpetua o foco da formação nos agravos em saúde na perspectiva biomédica, centrado na doença. E, após anos de formação efetivada pelas Escolas Técnicas do SUS (ET-SUS), no ano de 2020, esta formação técnica está sendo viabilizada, para parte destes profissionais, pelo “Programa Saúde com Agente” e  no modus operandi híbrido. Assim, é o substitutivo a formação vigente até então. As ações de EPS, por sua vez, são realizadas majoritariamente por enfermeiros, nos próprios serviços de saúde, e no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS), especificamente em Unidades de Estratégias de Saúde da Família (ESF), em que realidades plurais e pulsantes se fazem e (re)fazem cotidianamente. Objetivo: Desvelar a cultura formativa (técnica e ações de EPS) de ACS, do município de Macaé (RJ). Desenvolvimento do trabalho/ Método: Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, com aproximação da abordagem da Pesquisa-ação Participativa em Saúde (PaPS). Os cenários foram quatro Unidades de ESF do município de Macaé (RJ), norte fluminese, e os participantes foram 23 ACS, que atuam mais de um ano neste cenário e que aceitaram participar livremente, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Multidisciplinar UFRJ-Macaé (CEP/CM UFRJ-Macaé), nº. do CAAE: 65479522.9.0000.5699. A coleta de dados foi por meio de Entrevistas Semiestruturadas (ES), a partir de um roteiro norteador construído pela pesquisadora, o qual constou de tres questões indutoras: “Como foi a sua entrada para ser ACS?”; “Já participou de alguma capacitação, treinamento no seu serviço? Conte-nos sobre esta experiência?”  e  “Qual a correlação entre os cotidianos do trabalho e a formação por você vivenciada, especialmente pelo curso ofertado no Programa Saúde com Agente?”. Para a análise dos dados aplicou-se o software IRaMuTeQ® e, também, a modalidade compreensiva-interpretativa. Resultados: Os dados geraram três categorias, que são apresentadas a seguir: a) Primeira categoria: O itinerário de ingresso e os primeiros passos do ACS na ESF; b) Segunda categoria: O contentamento descontente do ACS: a educação permanente nos serviços minimiza as lacunas da formação técnica; c) Terceira categoria: O enfrentamento da diversidade e da pluralidade do cotidiano de trabalho e o Curso Técnico em ACS (parte integrante do Programa Saúde com Agente). No que tange, a primeira categoria, as dez palavras de maior coocorrência, advindas da Árvore de Similitude (AS) foram: 1ª) Não n=88; 2ª) Gente n=57; 3ª) Aqui n=27; 4ª) Curso n=26; 5ª) Falar n=24; 6ª) Muito n=22; 7ª) Lembrar n=20; 8ª) Sim n=20; 9ª) Concurso n=17 e 10ª) Ficar n=17. Assim, em relação ao ingresso dos ACS no espaço da ESF, todos os profissionais colocaram ser este um momento muito importante, e sobre o qual se expressaram com muita facilidade, leveza e propriedade. E sobre o ingresso em si, disseram que ele se efetivou de múltiplas formas: processos seletivos por meio de entrevistas, indicações políticas, cartas e concursos. Etapas que foram feitas em seus territórios de vida e de trabalho no SUS. Na segunda categoria as dez palavras de maior coocorrência, na AS, foram: 1ª) Gente n=216; 2ª) Curso n=77; 3ª) Pessoa n=38; 4ª) Importante n=29; 5ª) Equipe n=28; 6ª) Palestra n=27; 7ª) Paciente n=25; 8ª) Aprender n=25; 9ª) Unidade n= 25 e 10ª) Questão n=24. Destarte, os ACS, nos depoimentos sobre ações de EPS, nos revelaram temas variados e de acordo com as necessidades locais de cada cenário, mais especificamente, de cada Unidade de ESF. Foram destacados dentre os temas trabalhados nas ações de EPS: tuberculose, hanseníase, hipertensão, dengue, “e-SUS”, suicídio, dentre outros. Temas estes trabalhados especialmente por aulas expositivas, além de palestras, reuniões e oficinas, ou seja, são ofertadas capacitações mais técnicas instrumentais, pontuais, e, ainda pouco reflexivas. Por fim, na terceira categoria as dez palavras de maior coocorrência, na AS, foram as seguintes: 1ª) Gente n=111; 2ª)Não n=93; 3ª) Dia n=27; 4ª) Importante n=22; 5ª) Trabalho n=19; 6ª) Falar n=19; 7ª) Saber n=18; 8ª) ACS n=18; 9ª) Bom n=15 e 10ª) Curso n=15. Os depoimentos sobre os cotidianos de trabalho foram plurais e diversos, ou seja, a grande maioria destacou que tanto o Curso Técnico em ACS, quanto as ações de EPS, são formas de aquisição de novos saberes os quais conferem segurança para o atendimento das demandas de saúde trazidas pelos usuários e famílias. Além disto, ao serem indagados sobre os seus itinerários formativos, esses profissionais de saúde os conectaram diretamente às suas práticas na ESF, destacando que as limitações da formação vêm impactando as ações de cuidado que realizam de modo individual e coletivo. E, dessa maneira, os termos “trabalho” e “curso” são, na visão destes ACS, interconectados de forma a instrumentalizá-los apenas para o fazer técnico,  cumprindo protocolos e metas rígidas e produtivistas, sem uma reflexão crítica destes fazeres. Considerações Finais: Os ACS conseguiram, mesmo que de forma tímida, apontar lacunas ou limitações em sua cultura formativa e de EPS, as quais precisam ser reparadas. O aprender com e na prática e com outros profissionais de saúde é histórico e cultural e defendido pelo MS e gestores locais. Mas, nos cotidianos da ESF, ainda tomam lugar imposições de saberes biomédicos e de micropoderes. Valorizam as ações de EPS como ricos espaços de partilhas e de aprendizagens geradoras de oferta de cuidado integral e mais resolutivo. Sentem-se satisfeitos com a feitura do Curso Técnico em ACS, ofertado atualmente a nível nacional. Há, também, um “contentamento descontente” gerado pelas ações de EPS nos serviços de saúde que, quando ofertadas, os deixam contentes, com possibilidade de ampliação de suas capacidades resolutivas, minimizando as possíveis lacunas da frágil formação técnica. E, ficam descontentes quando as ações de EPS não acontecem. Por fim, ficou evidenciado que a formação técnica é necessária diante das  muitas atribuições individuais e coletivas que realizam os ACS e os desafios no “fazer saúde no SUS”. E que as ações de EPS precisam ser reavivadas, ofertadas com regularidade para fins de qualificar a assistência, o cuidado em saúde. Consideramos que há alguns avanços na formação destes profissionais, mas a centralidade no ensino técnico instrumental de caráter restrito deve ser revista, modificando a modalidade de formação a distância. Há que se construir uma outra consciência política e social entre todos os envolvidos nesta cultura formativa vigente. 

     

  • Keywords
  • Agentes Comunitários de Saúde; Formação em Saúde; Estratégia de Saúde da Família.
  • Subject Area
  • EIXO 1 – Educação
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