Serie Vigia Povo: narrativas e protagonismos no contexto de um Participatório em Vigilância Popular em Saúde
A web série Vigia Povo é um dos produtos de uma pesquisa-ação constituída com participantes da teia de experiências de Vigilância Popular em Saúde articulada pelo Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes da Fiocruz Ceará . Esse percurso envolveu pessoas e coletivos de várias regiões do Brasil contemplando populações do campo, floresta, águas, comunidades tradicionais indígenas, quilombolas e territórios urbanos vulnerabilizados. O ponto de partida foi a reflexão sobre experiências territoriais consideradas emblemáticas de vigilância popular em saúde construídas de forma compartilhada com sujeitos(as) protagonistas dessas experiências, que envolviam movimentos populares, muitas vezes apoiados pela academia. Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as possibilidades de produção compartilhada de conhecimento tendo como referência a web série Vigia Povo. De modo mais específico, busca detalhar o processo de construção dos roteiros e as escolhas narrativas do produto e problematizar o papel dessa produção na pesquisa e no fortalecimento e visibilização das experiências. A construção metodológica da pesquisa se ancorou na educação popular e na ecologia de saberes e as reflexões se fizeram a partir de círculos de cultura, oficinas e rodas de conversa realizadas de modo presencial e virtual. A construção dos roteiros de cada episódio da série, foi produzida em diálogos com o diretor, a coordenação coletiva da pesquisa e os pesquisadores dos territórios e a abordagem documental teve como centralidade a narrativa dos protagonistas do território com imagens de apoio e outros elementos visuais gravados durante as oficinas territoriais. O processo de finalização também foi construído em diálogo com os protagonistas na perspectiva de que o produto pudesse dar visibilidade e fortalecer as experiências. Os episódios contemplaram cinco experiências do Ceará, uma do Rio Grande do Sul, uma de Mato Grosso e duas do Maranhão, constituindo oito episódios. De modo geral propõe-se a problematizar como o modelo atual de desenvolvimento afeta as comunidades do campo, floresta e águas e apontar possibilidades da vigilância popular em saúde, na denúncia e no anúncio de ações para a defesa da vida de comunidades ameaçadas pelo modelo de desenvolvimento hegemônico no Brasil. No Ceará, os episódios nos levam a viajar por comunidades indígenas, quilombolas, assentamentos e comunidades campesinas trazendo anúncios e denúncias por meio das vozes desses territórios para entendermos como a vigilância popular pode ser uma ferramenta de luta pela vida. O episódio 1 - A Chapada é do Povo, retrata a Chapada do Apodi, região em que tradicionalmente as pessoas vivem da agricultura familiar e da criação de abelhas, produzindo alimentos de forma agroecológica. Evidencia a chegada do agronegócio na região desmatando, introduzindo o uso de agrotóxicos que acabam chegando nos quintais, criações de abelhas e nas casas das pessoas. Mostra também como a organização popular vai produzindo resistências via o fortalecimento de quintais produtivos e feiras agroecológicas. O episódio 2 - Maré Mãe retrata a comunidade do Jardim em Fortim, território por onde passa o rio Jaguaribe e onde as pessoas vivem da pesca artesanal de peixes e mariscos. Ali as lutas políticas são lideradas por marisqueiras que consideram o rio, pai e mãe, parte do organizando para dar visibilidade às lutas e denunciar o derramamento do petróleo que ocorreu em 2019, as mazelas trazidas pela carcinicultura e o direito ao território. O episódio 3- Povo Cuidando do Povo tem como referência o cotidiano de trabalho de uma agente comunitária de saúde em um assentamento do MST e que a partir de uma formação durante a pandemia, assumiu-se também como agente popular de saúde do campo os diálogos com os saberes populares no cuidar. O episódio 4 Onde caminha o Grande Espírito traz a reflexão sobre o Rio Cauípe que, para o povo indígena Anacé, é onde caminha o Grande Espírito. Esse rio vem sendo explorado pelo Complexo Industrial Portuário do Pecém e parte desse povo foi expropriado e conduzido para outro território enquanto parte ali permaneceu lutando como guardiões da natureza, pelo seu reconhecimento e demarcação como território indígena e pelo livre acesso às águas do rio. O modo de vida desse povo ancorado no respeito à natureza, os impulsiona a se constituírem como guardiões. O episódio 5 Guardiões do Território traz o Cumbe, território quilombola que inclui o ecossistema manguezal. A comunidade vem sendo atingida pela carcinicultura que polui o rio e o mangue. A instalação de um parque eólico, retirou o livre acesso da comunidade à praia, destruiu dunas, aterrou lagoas. O foco é a luta dos moradores e suas organizações que se colocam como guardiões desse território quilombola, o acesso livre ao mar, o enfrentamento ao avanço da carcinicultura e a defesa do turismo comunitário. Os episódios 6, 7 e 8, ainda inéditos, contaram com uma parceria com a ABRASCO e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida. Da luta das camponesas e camponeses do MST que produzem arroz agroecológico no Rio Grande do Sul, passando pelos Quilombolas de Poconé no Mato Grosso até as comunidades de Açailândia no Maranhão, ambas atingidas por empreendimentos agrominerais as narrativas seguem o propósito de problematizar a realidade e desvelar inéditos viáveis para a superação de situações -limite do cotidiano. Destaca-se nessa 2a Temporada os impactos dos agrotóxicos na vida nos territórios com destaque para a pulverização aérea, muitas vezes usada como arma química pelos fazendeiros para expulsar as famílias de suas terras. A web série, disponibilizada no canal Vigia, Povo! no Youtube, tem sido apresentada em momentos da luta comunitária nos territórios envolvidos, e em encontros de agroecologia, espaços de luta contra os agrotóxicos, entre outros. As exposições em eventos comunitários, plenários em espaços políticos têm apontado potencias desse material também como instrumento de comunicação popular de sujeitos individuais e coletivos nas lutas em defesa da saúde e da vida. Apresentações realizadas em eventos científicos e de formação têm revelado as possibilidades desse material como ferramenta pedagógica e de construção compartilhada de conhecimento. Como reflexão final, pontuamos que apesar de tantas potencias reveladas nessa e em outras experiencias que envolvem as linguagens da arte, essas linguagens ainda são pouco consideradas no fomento à produção de pesquisas e processos que incorporem essas abordagens enfrentam sérios desafios na viabilização orçamentária e na inclusão de sujeitos(as) com o perfil de competência técnica e sensibilidade para trabalhar de modo compartilhado e promovendo o diálogo e inclusão de saberes e protagonistas populares.