Introdução: Fisiologicamente o processo menstrual é marcado pela conclusão das fases hormonais que, na ausência de embrião, culmina na descamação do endométrio, camada interna do útero. Para indivíduos com útero que passam ou passaram pela puberdade, a compreensão da menstruação é crucial para assumir a corresponsabilidade pela sua saúde sexual. No entanto, muitas famílias temem que a educação sexual encoraje a atividade sexual entre adolescentes e jovens. Infelizmente, essa falta de diálogo contribui para a precariedade menstrual, o que pode fazer com que os jovens se sintam pouco preparados para empoderar-se sobre seu processo menstrual e sua saúde sexual. Para além das questões fisiológicas, a percepção da menstruação é influenciada pela cultura e crenças de cada sociedade, frequentemente envolta de tabus e preconceitos. A falta de comunicação e acesso à informação, associadas a práticas repressivas, resulta em situações de precariedade menstrual, onde a ausência de produtos de higiene íntima, instalações sanitárias adequadas e conhecimento sobre o corpo e saúde reprodutiva é prevalente. Essa realidade leva muitos a recorrer a soluções improvisadas ou ao uso prolongado de absorventes descartáveis, acarretando consequências negativas para a saúde física, como irritação de pele e mucosas, vulvovaginites e infecções. Ao considerar tais argumentações, é possível reconhecer a conexão entre saúde menstrual, bem-estar, equidade de gênero, educação, empoderamento e direitos. Diante disso, surge a inquietação de investigar essa temática, especialmente entre adolescentes em situação de vulnerabilidade social, visando promover melhores condições de saúde e igualdade de oportunidades. Objetivo: Descrever aspectos do processo menstrual na ótica de adolescentes escolares. Desenvolvimento: Trata-se de uma nota prévia relativa a um estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, realizado em uma escola estadual de um município da região sul do país, cuja interlocução se dá por meio do Programa Saúde na Escola (PSE). Participaram do estudo, até o momento, 16 estudantes do ensino fundamental, entre março e abril de 2024. Os critérios de inclusão para participação no estudo foram: ser estudante devidamente matriculada nessa escola, com idade entre 10 e 16 anos e já vivenciar o processo de menstruação. A produção de dados, ainda em andamento, se dá por meio de entrevista semiestruturada, com roteiro pré-estabelecido, gravada e transcrita integralmente. As entrevistas ocorrem na escola, local de costume e que expressa segurança para os alunos. Esse método de coleta de dados foi construído para identificar algumas percepções das adolescentes frente a menstruação, entender sua realidade, como foi o processo de menarca, conhecer o que ela sabe sobre menstruação, com quem ela costuma conversar sobre essas questões e se houve diálogo antes de vivenciar a primeira menstruação. A fim de realizar triangulação de dados, planeja-se que as próximas etapas da coleta de dados ocorram por meio de uma oficina com metodologias ativas, para instigá-las na garantia de seus direitos, auxiliando-as no cadastro do programa “dignidade menstrual”, criado pelo Governo Federal. Na sequência, será realizado grupo focal, com a realização de dois encontros. Essas etapas de produção de dados acontecerão no ambiente escolar, as quais serão gravadas e transcritas integralmente. O primeiro encontro do grupo focal abordará o processo menstrual a partir de questões disparadoras para a discussão. No segundo, serão retomados os pontos principais para validação e, posteriormente, as questões disparadoras abordarão o tema da pobreza menstrual e vida escolar. Os encontros serão orientados por uma agenda guia com as temáticas propostas para discussão de cada encontro, questões disparadoras e expectativas da pesquisadora. Todas as participantes foram esclarecidas sobre os aspectos éticos da pesquisa e as diferentes estratégias de produção de dados. Os dados obtidos pelas etapas da coleta de dados serão submetidos a análise de conteúdo temática proposta por Maria Cecília de Souza Minayo. A pesquisa foi autorizada pela escola alvo do estudo e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM nº 6.609.018, seguindo as recomendações éticas da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Resultados Parciais: A pesquisa está na primeira etapa de produção de dados que abrange as entrevistas, as quais apontam que falar sobre menstruação ainda causa vergonha e incômodo para as adolescentes. Notou-se isso pelas mudanças no tom de voz, o silêncio entre as perguntas manifestadas pelas entrevistadas, assim como o desconforto em responder sobre o ciclo menstrual e suas vivências. Sobre o que é a menstruação, ou como foi a vivência da menarca, novamente a primeira manifestação foi um silêncio prolongado, seguido de “não sei” ou “não lembro”. Tal situação se repetiu em muitas entrevistas. Para entender melhor como ocorreu a menarca, questionou-se se as adolescentes já haviam conversado com alguém sobre isso, antes de terem menstruado pela primeira vez. As respostas se dividiram entre as adolescentes que nunca haviam conversado sobre isso e que só dialogaram sobre, após experienciar a menarca e aquelas que já tinham iniciado essa conversa. Nesse último caso, a pessoa com quem haviam conversado era alguém da família, na maior parte das respostas essa figura era a mãe, seguido de irmã e primas. As adolescentes que nunca haviam conversado sobre isso passaram pela menarca sem terem noção sobre o que estava acontecendo. No entanto, em ambas as situações, tendo dialogado ou não sobre menstruação, as participantes entrevistadas apresentaram dificuldade em definir o que é a menstruação, o porquê ela ocorre ou qual a origem desse sangramento. Isso sinaliza o pouco conhecimento sobre o assunto e o desconhecimento da fase do ciclo vital que estão vivendo. Em algumas entrevistas repetiu-se a fala de que significava “virar mocinha” e uma adolescente trouxe que já tinha ouvido falar que menstruação é um “sangue sujo”, mas relata que tem dúvida se realmente é isso mesmo. Até o momento, identificou-se o quanto a menstruação é um assunto pouco discutido entre adolescentes, inclusive com amigas e, também, no ambiente familiar, reafirmando o tabu e o estigma que cerca esse processo fisiológico e cíclico da vida de pessoas com útero. Considerações Finais: Considera-se que esta pesquisa poderá fortalecer subsídios acerca da vivencia do processo menstrual de adolescentes para ancorar as ações de educação em saúde no âmbito do Programa Saúde na Escola. Da mesma forma, a pesquisa visa incentivar as adolescentes escolares a terem maior conhecimento do processo menstrual de modo a terem uma postura protagonista no autocuidado.