MULHERES QUE VIVENCIAM A MATERNIDADE NAS RUAS: QUEM SÃO ELAS?

  • Author
  • Cristina Elisa Nobre Schiavi
  • Co-authors
  • Carmem Layana Jadischke Bandeira , Letícia Becker Vieira , Adriana Roese Ramos
  • Abstract
  •  

    Este trabalho versa sobre mulheres que vivenciam a maternidade nas ruas. Para tanto, considera-se que o fenômeno da maternidade envolve não somente o momento da gestação, mas também as concepções das mulheres sobre ser mãe, o parto, o puerpério, o vínculo entre mãe-bebê e a criação dos filhos, assim como abarca a compreensão do contexto no qual esta mulher está inserida. Embora em menor número, as mulheres que vivem nas ruas estão mais suscetíveis à discriminações, desigualdades e violências que perpassam esse cenário. Dito isto, a literatura revela que o fenômeno da maternidade nas ruas se trata de um problema de saúde pública que afeta diversos países, haja vista que é decorrente de uma série de condições de vulnerabilidade. Desvela-se que esta temática demanda investigações que possam auxiliar na efetivação de intervenções que atendam às necessidades dessas mulheres e seus filhos. Feitos tais apontamentos, tem-se como objetivo deste trabalho descrever o perfil de  mulheres que vivenciaram a maternidade em situação de rua em uma capital do sul do Brasil. Trata-se de um estudo qualitativo, com caráter exploratório-descritivo, cujos campos foram o Consultório na Rua Centro e o Coletivo independente denominado Troque a Fome por Flor. As participantes da pesquisa foram doze mulheres, maiores de dezoito anos, que tiveram sua história de vida marcada pela vivência da maternidade nas ruas. Foram excluídas aquelas que apresentaram algum impedimento que inviabilizou a realização das entrevistas como, por exemplo, estar sob efeito de álcool e/ou outras drogas. Todas as participantes foram selecionadas intencionalmente, com o auxílio dos trabalhadores e apoiadores dos respectivos campos de estudo. A coleta das informações ocorreu de maio a novembro de 2021 por meio de entrevistas em profundidade realizadas pela pesquisadora principal. A análise das informações deu-se mediante a análise temática proposta por Minayo, em articulação com o referencial teórico da Vulnerabilidade e Direitos Humanos (V&DH). Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram consideradas as disposições bioéticas e legais presentes nas Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa sob CAAE nº 44865221.7.0000.5347. A partir dos resultados encontrados na pesquisa com mulheres que vivenciaram a maternidade nas ruas, é possível desvelar que as doze mulheres entrevistadas tinham entre 21 e 56 anos de idade. Com relação ao estado civil, onze se assumiram enquanto “solteiras”, sendo que cinco destas viviam com companheiros, e apenas uma mencionou ser viúva. No que diz respeito ao quesito raça/cor, nove se autodeclararam negras (considerando pardas e pretas) e três brancas. Todas possuíam ensino fundamental incompleto, sendo que três não sabiam ler e uma nunca havia estudado. Nenhuma delas tinha vínculo formal de trabalho, e a renda da maioria provinha da venda de artigos diversos nas ruas e sinaleiras da cidade ou de benefícios sociais. Dentre os motivos mencionados para a ida às ruas, destacaram-se as desavenças familiares, conflitos com companheiros, uso abusivo de drogas e questões relacionadas ao tráfico. O tempo de permanência nas ruas oscilou entre alguns meses até mais de vinte anos. Três mulheres informaram viver nas ruas desde a adolescência. Com relação às questões de saúde-doença, destaca-se que cinco mulheres negaram apresentar qualquer problema de saúde. Duas relataram fazer acompanhamento de saúde mental no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de referência. Dentre os demais problemas de saúde mencionados, duas entrevistadas referiram problemas respiratórios (asma e bronquite) que tratam regularmente; uma mencionou ter problema cardíaco desde jovem; uma verbalizou ter hepatite C e câncer, porém não faz acompanhamento na rede de saúde; e uma referiu estar vivendo com HIV, que trata regularmente, apesar de não estar fazendo uso dos medicamentos antirretrovirais no momento em função da amamentação. Quanto ao uso de álcool e outras drogas, apenas uma entrevistada negou ter feito uso abusivo em algum momento da vida. Em contrapartida, as outras onze participantes referiram ter tido problemas nesse escopo, sendo que quatro destas verbalizaram fazer uso de múltiplas drogas há anos, em especial, o crack; outras quatro referiram uso prévio de múltiplas drogas, mas atualmente, apenas de cigarro, maconha ou álcool; e três mulheres mencionaram ter feito uso abusivo de drogas no passado, mas negaram uso atual. No que diz respeito aos aspectos relacionados à vivência da maternidade, mais especificamente, cabe ressaltar que o número de partos por mulher variou de um a treze, sendo que o número médio de partos entre as mulheres foi seis. Quanto às vias de parto, a grande maioria teve parto normal (63%), seguido da cesária (21%). Além do mais, foram registrados onze abortos pelas entrevistadas. Outra informação relevante é que oito mulheres tiveram sua primeira gravidez antes dos dezoito anos de idade. Apenas duas participantes revelaram ter vivenciado todas as gestações nas ruas; cinco referiram que estavam em situação de rua somente durante a última gravidez; e as demais tiveram suas gestações marcadas por idas e vindas às ruas. Desvela-se que o número de filhos variou de um a dez por mulher, sendo que o número médio de filhos foi cinco. Quanto à condição de vida atual e a relação com os filhos, cabe enfatizar que, de modo geral, essas mulheres apresentaram extrema dificuldade em manter contato ou vínculo com os filhos, independentemente de seguirem em situação de rua ou não. A maioria revelou que perdeu a guarda dos filhos, e que os mesmos se encontram em acolhimento institucional, aguardando adoção por outras famílias; algumas mulheres verbalizaram que apesar de não terem mais a guarda dos filhos devido a destituição do poder familiar, conseguiram mantê-los sob os cuidados de algum membro da família extensa; também há relatos de mulheres cujos filhos foram assassinados ou estão no sistema prisional. No entanto, foi possível constatar que eram poucas as que viviam junto com filhos em residências próprias ou alugadas no momento em que se deu a pesquisa. Em geral, evidencia-se que tal cenário ocorre com os filhos de gestações mais recentes, nas quais tiveram maior suporte social, e maior apoio dos companheiros e/ou pais das crianças. Como considerações finais, destaca-se que conhecer o perfil dessas mulheres nos permitiu encontrar pontos em comum em suas histórias de vida. Com base no referencial da V&DH, foi possível reconhecer uma realidade que escancara o modo como as relações de poder e as desigualdades operam vulnerabilidades múltiplas e sobrepostas, sendo pontos-chave para a compreensão do fenômeno da maternidade nas ruas. Isto posto, pontuamos que refletir sobre os processos discriminatórios que envolvem a maternidade dessas mulheres implica compreender como a intersecção entre gênero, raça, baixa renda e situação de rua expressam violações de direitos, pois revelam uma série de opressões, exclusões e violências. Acredita-se que a partir desse conhecimento, pode-se pensar e construir estratégias que visem mitigar vulnerabilidades, promovendo direitos e garantindo proteção social a essas mulheres e seus filhos. 

     

  • Keywords
  • Pessoas em situação de rua, Maternidade, Vulnerabilidade em Saúde.
  • Subject Area
  • EIXO 6 – Direito à Saúde e Relações Étnico-Raciais, de Classe, Gênero e Sexualidade
Back