Cuidado e Saúde Mental no Trabalho na Atenção em HIV/Aids: um Estudo em um Hospital de Referência na Amazônia.

  • Author
  • MICHELE TORRES DOS SANTOS DE MELO
  • Co-authors
  • PAULO DE TARSO RIBEIRO DE OLIVEIRA
  • Abstract
  •  

    Apresentação: a temática do HIV/Aids nos remete ao surgimento da epidemia em nosso país, em que mediante à descoberta da doença no ano de 1982, muitos profissionais de saúde sentiram-se desamparados, sem o conhecimento necessário, obscurecidos pelas incertezas e inseguros, no enfrentamento ao desconhecido. Em muitas situações, impactados psicologicamente, amedrontados em precisar lidar com pacientes debilitados, preocupados pelo contágio, sem que tivessem as informações suficientes e adequadas, para compreender as formas de contaminação e tipos de tratamentos necessários para os casos de adoecimento, que recebiam nos hospitais onde atuavam. Historicamente, uma doença marcada pelo preconceito e estigma, em que eclodiram diversos movimentos sociais de luta pelos direitos das pessoas vivendo com HIV/Aids, em face à realidade existente, acompanhada pelos aspectos psicológicos dos profissionais de saúde afetados, nesse contexto de trabalho. Nas últimas décadas, têm-se a discussão acerca do atravessamento entre o HIV/Aids e a saúde mental, ampliando a necessidade de pensar as influências dos aspectos da subjetividade e intersubjetividade dos sujeitos envolvidos, das distintas nuances nestas interrelações, potencializadoras ou não, no desenvolvimento do sofrimento e adoecimento psíquico de trabalhadores de saúde em seu fazer laboral, ante à realidade vivenciada. Já no contexto das políticas públicas, destaca-se considerar ações capazes de promover as condições adequadas de trabalho, aos profissionais que atuam na atenção especializada nestes serviços, incentivo às capacitações e qualificações técnicas neste campo de cuidado, acolhimento às necessidades de saúde mental no trabalho voltado a estas equipes multiprofissionais, suporte psicológico aos seus respectivos usuários e familiares, assim como da adoção de práticas de promoção à saúde, pela garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana em sua diversidade, no combate à discriminação ou qualquer tipo de preconceito, na ampliação de ações voltadas à qualidade de vida, enquanto perspectiva do cuidado em saúde coletiva. O estudo trata do tema do cuidado e saúde mental de trabalhadores de saúde na atenção em HIV/Aids, em um hospital de referência na Amazônia. Os objetivos foram analisar a organização do trabalho destes trabalhadores com pacientes de HIV/Aids; identificar as vivências de prazer e sofrimento psíquico; investigar os mecanismos de defesa individuais e estratégias defensivas coletivas adotadas. O referencial teórico deste trabalho é a Psicodinâmica do Trabalho, teoria desenvolvida pelo psiquiatra e psicanalista francês Christophe Dejours. Método do estudo: de cunho exploratório e de pesquisa qualitativa, onde investigou-se a relação dos sujeitos com a organização do trabalho, destacando a mobilização subjetiva destes quanto à saúde mental no trabalho. A pesquisa foi realizada com 08 trabalhadoras/es de saúde (dentre estes, médica/o, enfermeiras/os, técnica/o e auxiliar de enfermagem e psicóloga/o), do Hospital Universitário, atuantes na Unidade de Doenças Infecciosas e Parasitárias. O instrumento de análise foi de entrevista semiestruturada, onde apreendeu-se aspectos da organização do trabalho e as vivências na atuação dos profissionais de saúde em HIV/Aids, no referido hospital. As técnicas foram de entrevistas individuais para a coleta das informações da pesquisa, onde as falas foram gravadas e transcritas, com a análise dos conteúdos temáticos identificados, mediante autorização prévia dos profissionais dos participantes. Para a análise dos dados qualitativos, utilizou-se a técnica de Análise dos Núcleos de Sentido, adaptada da análise de conteúdo categorial desenvolvida por Bardin (1977). Resultados: os eixos temáticos que emergiram das entrevistas abrangem os aspectos ligados à Organização do Trabalho, tais como: a divisão do trabalho, hierarquias e suas prescrições (normas, procedimento e regras previamente definidos) e das Condições de Trabalho, no tocante à estrutura física, dos equipamentos e insumos disponíveis, aos riscos ocupacionais existentes e as possíveis consequências destes para a saúde destas/es trabalhadoras/es. Também, o eixo temático voltado à Mobilização Subjetiva e o Sofrimento no Trabalho, além dos mecanismos e das estratégias coletivas de defesa, assim como, o prazer e o reconhecimento no trabalho foram parte da análise. As relações hierárquicas estabelecidas e a divisão do trabalho estão relacionadas aos fatores vinculados a organização do trabalho, com o trabalho prescrito, as normas da instituição e as formas de gestão, em atividades de cunho mais administrativo. O papel da organização do trabalho, com suas prescrições e influências nas relações de trabalho estabelecidas entre os trabalhadores ocasiona “estresse administrativo” e conflitos nas posições hierárquicas. Estes aspectos se constituíram como fator de sofrimento, que entretanto não é um problema à realização do trabalho e que a equipe tenha uma boa interação, nas rotinas laborais diárias. A realidade de trabalho indica um trabalhador buscando o equilíbrio diante de todas as demandas impostas pelo real do trabalho, podendo afetar a saúde mental dos trabalhadores. Constatam-se nas condições de trabalho, a dificuldade aos recursos informacionais, carência de maior suporte organizacional e de suprimentos e materiais, melhor adequação da política de remuneração, de desenvolvimento de pessoal e benefícios, que repercutem sobre a saúde do trabalhador. Além disso, a necessidade de lidar com pacientes críticos de HIV/Aids internados, que demandam maior atenção, cuidado cauteloso e frequente, de alta intensidade na recuperação da saúde destes. Os aspectos do trabalho prescrito e condições de trabalho implicam em sofrimento ético, quando precisam lidar com situações nas quais estão em discordância com os seus valores. Quanto ao eixo da mobilização subjetiva, os mecanismos e as estratégias coletivas de defesa, destaca-se que a atuação profissional no cuidado em HIV/Aids requer um olhar atento à realidade laboral vivida, a formação/ qualificação, aos enfrentamentos diários na assistência prestada aos pacientes, durante seu tratamento. Nesse contexto de trabalho, há todo um processo intersubjetivo que denota o engajamento de toda a subjetividade do trabalhador, na transformação do sofrimento em um resgate do sentido do trabalho realizado. Em relação aos mecanismos de defesa individual, a expressão Vou trabalhar todo dia, feliz da minha vida! é bastante reveladora, em que o trabalhador encontra um recurso do psiquismo para lidar com o mal-estar, evitando originalmente a patologia. Dentre as estratégias coletivas adotadas, houve destaque à estratégia denominada ‘Dias de luta, dias de glória’, onde os risos ao mencionar esta frase, considerado um lema entre elas/es, ressalta uma defesa psíquica para minimizar e enfrentar o sofrimento vivido pelo coletivo, ao trabalhar na assistência com pacientes de HIV/Aids. Quanto ao sentido atribuído ao trabalho, este é evidenciado pelo prazer e reconhecimento. O prazer está na satisfação e gratificação do papel social na ajuda, no cuidado e na recuperação de pacientes debilitados. Já o reconhecimento pelo julgamento dos pares, nas trocas diárias, suporte e valorização entre os colegas de trabalho. Considerações finais: o estudo amplia o olhar acerca dos aspectos da organização e condições de trabalho neste contexto laboral, identificando que mesmo diante do avanço do tratamento e informações acerca do HIV/Aids, após mais de quatro décadas do seu surgimento, ainda há o estigma no imaginário social acerca da doença, revelando o sofrimento psíquico aos pacientes e familiares, assim como aos trabalhadores. Aponta a necessidade de uma real transformação no mundo do trabalho, com a promoção de práticas laborais mais inclusivas, de modelos de gestão mais próxima dos trabalhadores, implementação de políticas públicas de bem-estar, cuidado e saúde mental no trabalho, na atenção às pessoas vivendo com HIV/Aids, considerando realidades regionais, como a da Amazônia e, expandindo ações efetivas no âmbito da saúde coletiva, no Brasil e no mundo.

     

  • Keywords
  • Cuidado, Saúde Mental no Trabalho, HIV/Aids, Amazônia.
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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