O projeto Práticas Integrativas e Complementares em Saúde-PICS da Associação Amurt-Amurtel em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS tem por intuito desenvolver ações de prevenção e promoção da saúde para a comunidade do extremo sul do município. São disponibilizados gratuitamente atendimentos individuais e coletivos em seis práticas terapêuticas.
Esse relato tem por objetivo apresentar uma dessas práticas que se refere à modalidade de Plantas Medicinais e Fitoterapia-PM/F. Essa prática terapêutica é coletiva e proporciona um espaço de escuta, cuidado, trocas de saberes, convívio social e ensino-aprendizagem sobre os usos das plantas medicinais.
A prática de PM/F é oferecida no formato de oficinas em grupos, são duas turmas disponibilizadas nos turnos da manhã e tarde, uma vez por semana. O público participante das oficinas de PM/F são adultos, maioria mulheres entre 25 e 76 anos. A escolaridade varia entre pessoas que não sabem ler e escrever até ensino superior completo. Participam dos grupos técnica de enfermagem que atua na UBS da região, proprietária de salão de beleza, com atuação em instituto vinculado a igreja, professoras, aposentadas e dona de casa. Algumas estão inseridas em programas de assistência social como Bolsa Família.
As oficinas estão organizadas em dez módulos/temas, totalizando três ciclos no ano a fim de ampliar o acesso da comunidade ao projeto e oportunizar o início em qualquer módulo conforme o tempo dos participantes e seu interesse nos temas abordados. Esse formato não tem a pretensão de ser um espaço formal e tradicional de educação, mas sim de mediar o grupo de forma a motivar a participação ativa e o retorno para os encontros subsequentes. A fim de nortear os grupos foram sugeridos os seguintes temas para cada oficina: 1) O que é uma planta medicinal e porque elas funcionam para cuidar da saúde 2) Processamento artesanal referente à colheita, secagem e armazenamento das plantas medicinais. 3) Botânica para aprender a identificar as plantas e suas partes usadas como remédio. 4) Higiene do sono e plantas que auxiliam a relaxar. 5) Preparações de tinturas, alcoolaturas e bálsamos para fazer remédios. 6) Fitoenergética e banhos com ervas. 7) O que é aromaterapia e como posso usar para melhorar a minha saúde. 8) E a respiração como vai?. 9) Plantas e a ginecologia natural. 10) Cuidados naturais com pele, cabelo e unhas.
A primeira parte da oficina é reservada para fazer o acolhimento e escuta de como passaram a semana, as novidades, os desafios, as emoções, sendo um momento de desabafo de cada um. Na sala onde ocorrem as oficinas o ambiente é todo preparado para receber as pessoas. É borrifado no ar um aromatizador natural feito de plantas; ervas e flores são colocadas em vasos para enfeitar e perfumar o ambiente; um chá preparado na térmica nos dias de frio ou água saborizada nos dias quentes e ainda várias cartinhas com mensagens reflexivas acerca da vida. Das quais cada um retira uma, lê a sua mensagem e muitas vezes aproveitam para fazer comentários relacionados com algum sentimento. Quem não sabe ler pede para algum colega do grupo fazer a leitura. Essa dinâmica tornou-se um ritual dos encontros e quando se esquece de colocar as mensagens na mesa sempre tem alguém que percebe e fala “Ah hoje faltou às cartinhas......”. Depois desse momento, normalmente, é introduzido um tema mais teórico que debatemos em grupo e no segundo momento da oficina é feita uma prática relacionada a esse tema. Como, por exemplo, dinâmica de como preparar chás para uso terapêutico, produções de alcoolaturas, tinturas, xaropes, elaboração de travesseiro com ervas e óleos essenciais, escalda-pés, aromatizadores naturais, repelente a base de plantas, preparação de sinergia para o sistema respiratório, elaboração de sabonetes terapêuticos feito com as plantas medicinais, desodorante natural entre outros produtos.
Na perspectiva da recuperação da saúde achamos importante descrever alguns relatos nesse estudo. Uma participante disse ter deixado de usar açúcar no café depois que começou a frequentar o grupo da fitoterapia. Outra falou que os encontros estão sendo muito necessário para suportar a dor da perda de um irmão que se suicidou. Uma moça de 35 anos diagnosticada com depressão contou que usava duas vezes ao dia Fluoxetina e nos encontros aprendeu sobre o uso do chá de Alecrim para melhorar o desempenho da dopamina e serotonina. Depois que teve essa informação passou a usar três vezes ao dia o chá de Alecrim e uma vez ao dia faz uso do medicamento alopático e expressou “O alecrim esta me ajudando muito a recuperar a vida e já vejo melhora dos sintomas da depressão”. Uma intoxicação por fumaça de incenso deixou uma participante dos grupos sem voz durante dois dias e de atestado no trabalho. Ela recorreu ao grupo para pedir uma alternativa ao uso de incenso e prontamente em uma oficina fizemos um aroma natural com óleos essenciais de boa qualidade. Outro relato diz respeito ao uso de tintura feita com uma planta medicinal ansiolítica. “Olha! Eu aprovei essa tintura...está me ajudando no controle da ansiedade”. Interessante essa outra fala: “Aqui eu aprendi a secagem correta das plantas medicinais e também descobri que existem quatro tipos de manjericão e que são usados como remédio, nunca pensei!” Uma participante contou que cuidou da pele esfolada após um acidente de moto. Ela usou uma sinergia de óleos vegetais cicatrizantes que aprendeu nas oficinas e comenta: “Onde eu não passei o óleo fiquei com cicatrizes e olha o meu rosto nenhuma cicatriz porque usava todo dia”. Outros resultados de uso dos produtos feitos nas oficinas também são relatados como a melhora da pele em pés machucados após aplicação de pomada feita com cera de abelha e óleos vegetais. Além de melhora do sistema respiratório após uso de xarope e sinergia de óleos aplicados através de massagem no peito.
Os encontros, na maioria das vezes, são marcantes, inspiradores e visivelmente terapêuticos. Muitas pessoas dos grupos se sentem à vontade para expor aspectos pessoais de suas vidas, seus sonhos, desafios, preocupações e angústias. Há momentos terapêuticos coletivos, e trocas de ensinamentos. Os encontros propiciam outros desfechos interessantes na vida de alguns participantes, como por exemplo, iniciativas de aprender a ler e escrever, motivação para melhorar a saúde com menos uso de medicamento e mais exercício físico, resultados de melhoria da saúde com o uso seguro dos chás medicinais, resgate de receitas antigas usadas pelos antepassados entre outras observações.
Algumas participantes perguntam se elas podem permanecer nas oficinas após o termino de um ciclo e inicio do outro. Essa fala é recorrente nos grupos e mostra a importância que esses encontros representam na saúde delas. Sentem-se acolhidas, seguras e pertencentes a uma rede de apoio que se forma e intensifica. Além disso, há mais facilidade de acesso aos programas e projetos da assistência social e saúde vinculados às políticas públicas.
Fica evidente a potência desse espaço como restaurador da saúde de forma física, mental e emocional. Essa convivência e aprendizagem permitem ampliar a autonomia das pessoas e possibilitar novas construções relacionadas ao cuidado à saúde. Além de contribuir para a expansão do autoconhecimento e resolução de questões que antes pareciam tão difíceis de sanar. As conexões feitas nesses encontros vão reverberando nas suas famílias e comunidade como uma rede de apoio social.