Este estudo resulta da interação entre duas pesquisas-ação-participativas realizadas a partir da Fiocruz-CE: o Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes e o SERPOVOS (saúde, cuidado e ecologia de saberes) desenvolvidas prioritariamente com populações do campo, floresta, águas e comunidades indígenas. As pesquisas envolveram um conjunto de experiencias de Vigilancia Popular em Saúde e da Teia de Saberes constituida pelo SERPOVOS com base no cuidado. A escolha da abordagem de pesquisa buscou se embasar em referenciais teórico-metodológicos que consideram os sujeitos populares como participes da construção do conhecimento na perspectiva de que esses saberes devam contribuir para a transformação das situações que ameçam a vida e a saúde dessas populações e a superação da histórica desigualdade na produção do conhecimento. Nessa visada buscaram incluir e acolher abordagens de produção de conhecimento que propiciassem a inclusão de saberes, linguagens e modos de realizar esse reconhecimentode em uma perspectiva decolonial de modo a romper com a visão da ciência cartesiana como única verdade (Dantas, 2021). A educação popular seus princípios, matrizes, dimensões e práticas pedagógicas, ofertaram a oportunidade de referenciar a experiência como categoria fundante e recorreu-se à Freire (2001), que toma a ideia do saber de experiência feito, como base fértil para a construção do conhecimento científico de modo problematizador e construir técnicas e produtos que possibilitem a expansão das capacidades inventivas para transformar, agir e refletir. Essa base freiriana propiciou a inclusão de sujeitos(as) populares nessa produção, com seus saberes e modos de expressão e criação Nesse contexto, a educação popular, a ecologia de saberes, a investigação ação participativa e a pesquisa participante foram âncoras importantes. Buscamos aqui trazer uma análise reflexiva sobre a produção de sinteses poéticas realizadas em momentos do percurso em que as experiencias puderam se encontrar para estabelecer diálogos entre ciência acadêmica e saberes populares considerando ameaças como o agronegócio e outros grandes empreendimentos, lutas pela terra, pelas águas, pelo Bem Viver considerando possibilidades de fortalecer o protagonismo popular. A ideia de produzir sínteses do aprendizado como parte de um processo crítico-reflexivo, vamos buscar nas proposições freirianas dos círculos de cultura. Dantas (2020) e Lima (2022) ao trazerem a experiencia das Cirandas da Vida em Fortaleza, e da Especialização em Educação Popular e Promoção de Territórios Saudáveis na Convivência com o Semiárido, referenciam uma concepção de sínteses criativas em círculos de cultura, Feiras do Soma Sempre, em que é possível promover diálogos não só entre saberes mas também entre linguagens especialmente a partir da cenopoesia onde linguagens diversas podem dialogar produzindo polifonias. No contexto de encontros envolvendo o Participatório e o SERPOVOS, foi possível, partindo de círculos de cultura, construir esse dialogismo polifônico em que a cenopoesia articulou sínteses poéticas que partiram de palavras geradoras pronunciadas pelos presentes, por meio dos círculos de cultura, conversas desenhadas produzidas por um comunicador popular, cordéis com sínteses das experiencias partícipes, cantigas, torés, poemas, místicas, roteiros cenopoéticos produzindo um linguajear que incluiu os corpos desses sujeitos e coletivos e suas multidimensionalidades. Palavras como Vigilância Popular se articularam a ideia de territórios vida, livres, sem veneno, indígenas, quilombolas, Lugar de vida e luta, de ser guardiões e guardiãs, a natureza proteger. Territórios das águas, o mar, o rio, o mangue, águas para viver. Território Rio, que é pai, é mãe, é terra, é chão. Rio ameaçado, adoecido, corpo-rio, por ele lutamos, resistimos, vivemos em interação. Território Mangue, berçário natureza, mangue mar, gamboa, saúde, pesca, vida boa. Pescadoras, invisibilidades, singularidades dos modos de trabalhar e de viver, de com a natureza conviver. Marisqueiras. Pescadoras, trabalhadoras, aprendendo a liderar, se empoderar. Luta que vai continuar, contra a fome e a exploração, contra o capitalismo, a carcinicultura, o agrotóxico, as termelétricas, as eólicas. Luta contra a opressão. Agroecologia para viver, biodiversidade para os territórios proteger, sentidos da natureza, em busca do Bem Viver. Culturas, cosmovisões, ancestralidades, espiritualidades, historicidades, pertencimentos, agentes populares de saúde, reforma agrária popular, alimento saudável, gestar soberania alimentar. A fome de terra que alimenta a guerra, fome de água, dos rios, dos peixes do caboco sem lei e sem /lê/. Terras e guerras, Águas e mágoas, Desumanização, Des-amazonização, Caboquicídio... Neofascismo...Des-soberanização. Palavras que produziram temas geraram reflexões em saias, estandartes, conversas desenhadas, roteiros cenopoéticos e outras artesanias de produção coletiva e desvelaram desafios de produzir ciências múltiplas, abertas, sem um modelo único, inclusivas dos saberes populares, em rede, gerando cuidado, integração, diálogo de saberes que ajudam a repensar a atenção, reconstruir os modos de sistematização. Fazê-los com quem vive os territórios, aprendendo a SerPovos. Caminhos trilhados com os povos indígenas que resistem e lutam em territórios do sertão, escuta dos troncos velhos e sua ancestral sabedoria com o desafio de fazer com a saúde oficial a interlocução, com sutilezas interculturais para com as práticas tradicionais aprender. A centralidade da luta, para a terra demarcar e as matas defender, escuta do povo do lugar, ciências de mãos dadas com o conhecimento popular. As sínteses como possibilidades de reflexão crítico-criativa nos remeteram a um mergulho no labirinto complexo das relações humanas entre rios, gamboas, caatingas, lutas e mandigas do capital. Do mangue às chãs das chapadas, do trabalho à relação difícil entre as gentes de mente poluída, ao ar poluente de águas terras e sementes, á mesa envenenada. Nos propiciaram aprendizados que pudemos espalhar como frutos de comunicação popular porque pesquisa, é como fofoca precisa se espalhar, os mais diversos formatos, temos que compartilhar, pra dar visibilização, também disseminação, cientifica e popular. Esse modo de refletir, vivenciar com o ser inteiro interferiu no modo de finalização dos produtos das pesquisas, e construiu possibilidades de formação e de produção e socialização de conhecimentos considerando categorias como a amorosidade, a alegria, a criatividade, o cuidado, a espiritualidade, a comunicação popular que já são incluídas na proposta pedagógica da educação popular e que fazem emergir corpos conscientes (Freire,1985), que se rebelam da condição de objetos, se reconstroem na práxis e se movem criticamente no mundo. São múltiplas linguagens fazendo emergir repertórios humanos que ao interagirem, compõem arranjos provenientes de suas experiências e se materializam como sistematizações em ato democrático e aberto, produzindo de certo modo um arranjo cenopoético e as disponibilizam em uma perspectiva intercultural. Também fundamental nesse percurso foi o reconhecimento da autoralidade dos sujeitos populares como possibilidade de decolonizar a produção do conhecimento.