O jardim de cura é um projeto de extensão, idealizado nos moldes da medicina tradicional chinesa, para trabalhar as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde – PICS. Faz parte do programa SUStentaPICS que abrange o ensino-pesquisa-extensão vinculado a Escola de Enfermagem e de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. O objetivo do jardim de cura é viabilizar um espaço físico de cuidado, convivência, ensino e pesquisa em saúde, visando apresentar e despertar aos visitantes para a importância de se conhecer e praticar outras formas de cuidado na saúde pública. Este relato trata-se de algumas reflexões acerca do ensino em saúde relacionadas às PICS com foco em três atividades de ensino realizadas no jardim de cura.
A primeira atividade foi com os alunos da disciplina ENF03066-PICS vinculada a Escola de Enfermagem da UFRGS, aborda formas de cuidado inseridas nas PICS e desenvolve interfaces com disciplinas de outros cursos, conectando a pesquisa e a extensão. A aula foi ministrada pelos professores responsáveis pela disciplina e uma mestranda do PPG do Ensino na Saúde que abordou os processos de implantação do jardim de cura que é foco da sua pesquisa. Em uma sala do anexo da Enfermagem-UFRGS foi iniciada a aula teórica com debate acerca das PICS. Depois do intervalo a mestranda fez uma breve apresentação da sua formação e falou sobre a importância dos jardins como um espaço para promover saúde, autocuidado, contato com a natureza e proporcionar o convivência com outras pessoas etc. Foi abordada a inserção da fitoterapia como uma prática terapêutica dentro das racionalidades médicas e, como exemplo, foram citadas a Medicina Tradicional Chinesa, Ayurveda, Antroposofia, Homeopatia e a Unani. Para ser considerada uma Racionalidade Médica deve ter as seguintes dimensões: Morfologia Humana (Anatomia); Dinâmica vital Humana (Fisiologia); Doutrina Médica (Diagnose); Sistema Diagnóstico; (Classificação de doenças); Sistema Terapêutico; (Intervenção visando cura); Cosmologia; (a base das representações sócio culturais do mundo ou natureza, e das interações com a vida humana e seus modos de adoecimento, morte ou cura). Foi comentado que tanto as PICS como a Fitoterapia são uma política pública, ambas regulamentadas no ano de 2006. A fitoterapia não é considerada uma racionalidade médica por não abarcar as seis dimensões propostas pela pesquisadora Madel Luz. No contexto atual há confusões teóricas e desentendimentos relacionados ao enquadramento dos usos das plantas medicinais e fitoterapia tanto no âmbito do conhecimento dos profissionais da saúde quanto no próprio texto das diretrizes publicadas nas três esferas das políticas públicas que atravessam essa temática. A fitoterapia é mais utilizada como uma especialização da biomedicina do que um recurso terapêutico usado de modo ampliado no cuidado integral como preconiza as PICS. No âmbito da política e economia do país é enfatizada a implantação das Farmácias Vivas, vinculada à política de assistência farmacêutica, com o intuito de produção de fitoterápicos como sendo uma alternativa fácil e resolutiva para os problemas de acesso aos medicamentos no SUS. Entretanto, para implantação de uma farmácia viva há editais lançados anualmente pelo governo federal, mas os entraves e desafios são tão grandes que dificultam a implantação, assim como, a manutenção dessa modalidade no SUS. Experiências tem mostrado um tempo de 6 a 12 anos aproximadamente para conseguir implementar uma farmácia viva no município contemplado pelos editais. Na sequência aparecem desafios com os valores dos fitoterápicos produzidos pela farmácia viva que pode chegar a custar em torno de três vezes mais que um medicamento alopático e por isso muito gestores da saúde não aderem aos programas de aquisição de fitoterápicos. Somado a essas questões citadas tem muitas outras lacunas que dificultam a continuidade dessa modalidade no SUS, fazendo uma articulação com o tema abordado com os alunos, à conjuntura acerca da medicalização, sendo mais um recurso de substituição do medicamento alopático por um medicamento fitoterápico. Depois seguimos para conhecer o espaço onde está implantado o Jardim de Cura, apresentamos a concepção do jardim nos moldes da Medicina Tradicional Chinesa-MTC. Depois começamos a conversar sobre os aspectos farmacológicos e as evidências científicas das plantas cultivadas. Finalizando a visita um aluno perguntou: “Porque esse jardim não fornece as plantas medicinais para a farmácia aqui da UFRGS?” a resposta foi: “o jardim de cura tem por objetivo ser um espaço de cuidado, convivência, trocas de ensinamentos, além de instigar o interesse em conhecer a política pública em saúde e praticar as PICS”. Nesse momento, percebi a importância da ampliação dos debates com os alunos e demais pessoas da comunidade acadêmica, a fim de oportunizar a reflexão e entendimento do que representa na vida real os princípios do SUS, que são consonantes com as PICS.
A segunda atividade foi desenvolvida com os alunos da disciplina “Arte, Saúde e Educação”, que tem como objetivo provocar um debate ampliado sobre as práticas de cuidado em saúde. Essa tem atraído estudantes dos cursos de pedagogia, psicologia, artes visuais, educação física, fisioterapia, saúde coletiva entre outros. O encontro-aula foi descontraído, leve e muito rico nas trocas de experiências vivenciadas na perspectiva das práticas terapêuticas inseridas nas PICS. O tema das racionalidades médicas foi exemplificado com a medicina tradicional chinesa, tendo uma concepção ampliada do significado de saúde relacionado com os elementos da natureza. Foi lançado aos alunos: Quais práticas terapêuticas costumam usar no seu cotidiano para melhorar a saúde? Vários relataram algum tipo de ferramenta utilizada. Uma aluna disse que trata a filha desde pequena com plantas medicinais e homeopatia e que a filha foi tomar o primeiro antibiótico aos 17 anos de idade. A professora comentou sobre a importância dos mapas de evidências para a validação da pesquisa cientifica das PICS. Uma aluna falou sobre o poder da meditação, a qual conheceu a técnica num evento promovido pela universidade. “eu senti que a meditação me traz calma e observei mais foco para estudar”. O segundo momento da aula foi iniciado com a fala de uma voluntária e idealizadora do jardim nos moldes do ?? (Baguà) como preconiza a medicina tradicional chinesa, apresentou in loco todos os elementos que compõem o jardim de cura e abordou aspectos energéticos das plantas cultivadas, relacionando com as emoções que causam desequilíbrios no corpo físico. Alguns alunos ouviam atentamente as explicações. O bolsista do projeto explicava os procedimentos do cultivo das mudas e os desafios de manter as plantas livre de predação por insetos. Um aluno da psicologia falou da importância de saber usar os recursos naturais para tratar e prevenir sintomas emocionais, pois tem observado que seus colegas de curso estão cada vez mais estressados e ansiosos e muitas vezes medicados para enfrentar os desafios do cotidiano. Depois desse encontro-aula, no mesmo dia, tivemos a visita do núcleo de Enfermagem vinculado à Residência Multiprofissional em Saúde e Área Profissional da Saúde do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Estiveram presente em torno de 25 pessoas do núcleo, chamando a atenção o fato de todas serem mulheres, em sua maioria brancas, média de idade de 26 anos. Observa-se certa resistência em admitir que as PICS possam ser aplicadas como terapêutica complementar à biomedicina. Portanto, no âmbito do ensino e pesquisa das PICS o jardim de cura é um espaço relevante para a sensibilização sobre as PICS na formação profissional na área da saúde.