Apresentação: No Brasil, a interseção entre saúde e maternidade desponta como um campo de análise essencial para compreender as dinâmicas sociais e os desafios enfrentados no Sistema Único de Saúde (SUS). Vivências nesse contexto, como estudantes em formação, tornou-se um elemento fundamental, não apenas para a coleta de dados e a realização de pesquisas, mas também para uma imersão prática e significativa no ambiente profissional. Esse tipo de experiência nos permite não apenas aplicar conhecimentos teóricos, mas também a compreensão das nuances e desafios enfrentados pelas puérperas. Este relato tem como objetivo compartilhar as percepções obtidas durante a coleta de dados em uma maternidade no Recôncavo da Bahia, destacando seus efeitos no processo de formação em saúde. Desenvolvimento do trabalho: Este relato descreve a experiência de cinco estudantes da área de saúde, sendo três de enfermagem, uma de psicologia e uma de nutrição, todas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, que atuaram como coletoras de dados da pesquisa Nascer no Brasil II. Esse estudo, realizado pela Fiocruz, avalia as condições de nascimento e a saúde materna e neonatal no Brasil, e é de extrema relevância para a área da saúde, pois fornecerá um panorama preciso sobre as práticas de cuidado e os desafios enfrentados nas maternidades brasileiras, contribuindo para a orientação de políticas públicas nesse campo. O Hospital Maternidade selecionado foi sorteado para a pesquisa, e utilizamos questionários padronizados para conduzi-la. O público alvo da pesquisa foram puérperas de parto normal, cesárea e de perda fetal, divididas, de acordo com a estrutura hospitalar, em 3 alas específicas: SUS cesariana, SUS parto normal e setor privado. Nossa participação foi organizada em três etapas: preparação teórica, dividida em três dias de forma remota com aulas e atividades extraclasse; treinamento presencial, com atividades de entrevista simuladas e verificação dos materiais necessários para realizar a pesquisa, como os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLEs), tablets, camisas e crachás; e execução das entrevistas. As entrevistas eram realizadas por cada discente, individualmente, mas trocamos conhecimentos entre nós, na área de convivência do Hospital. Quando havia casos de perda fetal e natimorto, a psicóloga que trabalhava no hospital, sempre que possível, acompanhava a entrevista para oferecer suporte especializado. Durante o processo de coleta de dados, realizamos um total de 50 entrevistas com mulheres que tiveram partos normais ou cesarianas dentro do hospital. Paralelamente, entrevistamos todas as mulheres que passaram por perda fetal até completarmos essas 50 entrevistas com as puérperas. Portanto, isso significa que, conforme entrevistamos as puérperas, também registramos e entrevistamos as mulheres que enfrentaram perda fetal, garantindo que todos esses dados fossem incluídos na pesquisa. Ressaltamos ainda, que a pesquisa é assegurada pelo comitê de ética e antes da realização das entrevistas, eram entregues os TCLEs às puérperas, sendo entrevistadas apenas aquelas que aceitaram e assinaram o termo. Resultados: Esta experiência resultou na ampliação dos nossos conhecimentos vinculados a diversos fatores relacionados à efetivação dos processos em saúde, tais como, a produção do cuidado, a interprofissionalidade, a humanização e assistência no cotidiano do serviço. Uma das primeiras percepções que tivemos foi da diferença estrutural e organizacional dos leitos e quartos entre as alas SUS cesariana, SUS parto normal e setor privado, pois, as mulheres entrevistadas no setor privado estavam em suítes individuais cuja estrutura contava com leito, sofá, televisão e frigobar, enquanto na ala SUS cesariana as suítes comportavam entre quatro e seis mulheres, não haviam biombos, os acompanhantes ficavam em uma cadeira e todos utilizavam o mesmo banheiro, além disto, observamos que, especificamente nesta ala, havia muita interferência de barulho ocasionados pela quantidade de pessoas no mesmo ambiente. Na área SUS parto normal, as suites eram individuais e mais aconchegantes do que os quartos compartilhados da ala SUS cesariana, entretanto não possuíam o mesmo conforto e qualidade, como frigobar e televisores, das suítes do setor privado. Percebemos também a diferença de condições das puérperas, nas alas do SUS, especificamente SUS cesariana, encontramos mulheres, predominantemente negras, entre os anos finais da adolescência e início da fase adulta, muitas oriundas de locais mais afastados da cidade, algumas enroladas apenas em lençol, algumas sujas de sangue, enquanto no setor privado as puérperas, possuíam perfis variados, mas existia uma interseção entre suas conjunções financeiras. Dentre os contrastes que foram percebidos, as discrepâncias entre os tipos dos partos também chamou bastante atenção, pois a ocorrência de procedimentos cesáreos eram numerosos, se equiparando aos partos normais. Este fator pode ser resultante de inúmeras razões, tais quais não tivemos conhecimento, mas que nos fizeram questionar o que poderia se configurar como um fator agravante. No decurso dessa experiência evidenciou-se fortemente o processo de humanização, não obstante de uma ausência de aparato estrutural presente nos quartos da ala cesária SUS, de modo em que paralelamente existia uma priorização do suporte psíquico para as gestantes que sofreram perdas fetais, assegurando uma assistência imediata para realização de um suporte e acompanhamento até o momento da sua alta, concomitantemente, essas mulheres eram estruturalmente vulnerabilizadas pela maneira em que eram alocadas em quartos compartilhados juntamente com outras mulheres que conceberam nascidos vivos e claramente acompanhadas de seus filhos. À vista disso, constatamos a existência de uma lacuna nesse processo de assistência, uma vez que, por mais que existisse o momento de diálogo com a psicóloga, promovendo um espaço de cuidado, ainda sim essas usuárias continuariam expostas à gatilhos em seus quartos. Ainda neste contexto de humanização, e produção de cuidado, observamos como as vinculações entre as enfermeiras e técnicas de enfermagem para com os usuários ofertavam um ambiente mais confortável e familiar. Além de todos os conhecimentos supracitados, é imprescindível abordar o quanto esta experiência foi significativa na troca de conhecimentos interdisciplinares, pois, diante de algumas situações e limitações de conhecimentos específicos, consultamos umas às outras para tirar dúvidas sobre termos, exames e procedimentos e, em casos mais complexos como perda fetal e natimorto, a abordagem era realizada em dupla. Esse feito nos levou a refletir sobre o protagonismo da pessoa sob cuidados, pois para além de uma coleta de dados havia um ser humano em um processo de dor e luto, e sobre a importância da prática colaborativa interprofissional, pois aprendemos uns com os outros e reconhecemos as nossas limitações ocupacionais. Considerações finais: Diante do exposto, a nossa participação na coleta de dados não apenas enriqueceu o estudo, mas também nos proporcionou uma oportunidade única de aprendizado prático e vivência no ambiente profissional. Durante a experiência na maternidade podemos concluir a presença de desigualdades entre os setores público e privado, tanto em termos de infraestrutura quanto de atendimento. As diferenças estruturais e as condições das puérperas evidenciaram as consequências das disparidades sociais no ambiente de cuidado. A experiência também ressaltou a importância da humanização no cuidado materno, apontando para a necessidade de abordagens mais sensíveis e integrais, especialmente para as mulheres que enfrentam perdas fetais. Por fim, a troca de conhecimentos interdisciplinares entre cada uma de nós, destacou o valor da prática colaborativa e do reconhecimento das limitações profissionais, e da nossa experiência como estudantes na formação em saúde e no desenvolvimento de futuras práticas centradas nas necessidades dos usuários.