HIV/AIDS no interior do Pará: o contexto da Costa Amazônica

  • Author
  • Talita Soares dos Santos Risuenho
  • Co-authors
  • Talita Abi Rios Timmermann
  • Abstract
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    Apresentação:

    A temática de HIV/AIDS ainda é permeada de preconceitos, tabus e desconhecimentos da população em geral, incluindo, os profissionais saúde. Em todo mundo, são mais de 34 milhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS, e no Brasil, são cerca de 1 milhão. No estado do Pará, são 35 mil pessoas, e em uma cidade no interior da costa amazônica paraense – local da pesquisa aqui apresentada, atualmente são 800 indivíduos diagnosticados com o vírus.

    Dentre os diversos desafios sobre esse tema, como estratégias de prevenção e divulgação de informações, acesso as testagens, logística para distribuição de medicação e prevenção, temos os aspectos da adesão ao tratamento. A boa adesão ao tratamento é multifatorial, incluindo aspectos clínicos, como apresentar carga viral indetectável – demonstrando resposta favorável ao Tratamento Antirretroviral (TARV), assim como vinculação com a equipe e serviço, acesso ao serviço de saúde, apoio social, entre outros.

    Esse estudo pretende apresentar a experiência do trabalho em um Serviço de Atendimento Especializado e Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA) em uma cidade no interior do Pará, em um contexto de comunidades residindo e resistindo em uma Reserva Extrativista Marinha (RESEX) a fim de garantir a boa adesão ao tratamento de pessoas vivendo com HIV/AIDS.

     

    Desenvolvimento do trabalho:

    A região Norte do Brasil é apresentada como a terceira em número de pessoas infectadas com HIV/AIDS, e a que apresenta as maiores taxas de mortalidade. No estado do Pará, estudos apontam que há mais homens vivendo com HIV/AIDS (74,5%), e na capital, Belém, houve uma queda na incidência do vírus desde o ano de 2018. No entanto, há de se destacar que o estado apresenta uma área territorial vasta, com diferentes aspectos geográficos, climáticos, culturais, econômicos, etc.

    Dentre esses diferentes contextos, existe a especificidade da região litorânea, onde encontram-se as RESEX, que são modelos de Unidades de Conservação que visam o uso sustentável dos recursos naturais atrelado aos modos de vida e saberes ancestrais entre aqueles que subsistem nesses locais. A RESEX do município onde está alocado o SAE/CTA, tem como principal fonte de renda a cata do caranguejo uçá, uma vez que está situada na maior faixa de manguezal contínua do mundo, além da pesca artesanal no estuário e em mar aberto. Dispõe de uma área urbana e vasta área rural, com a distribuição de diversas comunidades, com mais de 120 mil habitantes.

    O SAE/CTA existe na cidade desde o ano 2000, e, atualmente, presta atenção e cuidado para mais de 800 usuários cadastrados, pertencendo a uma rede de assistência a saúde estruturada com Atenção Primária à Saúde, e serviços de média e alta complexidade. Foi o primeiro serviço a ser implantado no interior do estado, e atualmente é composto por uma equipe multiprofissional formada por médico infectologista, enfermeiro, nutricionista, assistente social, psicóloga e farmacêutica, no intuito de fornecer cuidado integral aos pacientes. Trata-se de um serviço de acesso livre e porta aberta para qualquer usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), para realização de testes rápidos, atendimentos e esclarecimentos sobre IST, HIV e AIDS.

     

    Resultados:

                Foram identificados 496 usuários cadastrados e acompanhados pelo SAE/CTA no município, sendo 62,5% do sexo masculino. Entre os usuários do serviço, 46,5% são residentes nas áreas com comunidades pertencentes à RESEX, tendo como forma de subsistência a pesca artesanal, cata de caranguejo e mariscos, assim como de pequenas áreas de cultivo da agricultura familiar.

                Compreendendo as especificidades dessa região da costa paraense, é fundamental que os serviços de saúde elaborem estratégias que garantam a integralidade do cuidado desses usuários do SUS. Nesse sentido, nos últimos anos o SAE/CTA, que é localizado na área urbana, tem organizado maneiras de ampliar o acesso aos seus serviços afim de possibilitar o acompanhamento das pessoas vivendo com HIV/AIDS que residem na Unidade de Conservação e o enfrentamento as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).

                Entre as primeiras ações foi a ampliação de ações diretamente nas comunidades, articulando as atividades do SAE/CTA com os demais serviços da rede de saúde municipal em eventos e atividades temáticas durante o ano, ampliando assim, a testagem dos moradores da RESEX, e levando informações a fim de romper com alguns estigmas sobre HIV/AIDS. Outra atividade, relacionada aos profissionais de saúde que atuam diretamente nos territórios da RESEX, está a realização protocolar dos testes rápidos durante o pré-natal na Atenção Primária à Saúde, no primeiro e segundo semestre para a gestante e seu companheiro, e no ambiente hospitalar, durante o trabalho de parto.

                No espaço físico do SAE/CTA foram estabelecidos fluxos e reorganização espacial no intuito de garantir a ampliação do atendimento, o sigilo e o cuidado integral aos usuários que frequentam o local. Para as pessoas vivendo com HIV/AIDS que fazem retirada de medicação, a estrutura física passou por uma adequação garantido que cada pessoa seja atendida individualmente, com um local reservado para organizar e armazenar a TARV antes de sair do serviço.

    Outra importante mudança foi a realização diária do exame de carga viral, para identificação de boa adesão ao tratamento, quando resultado indetectável. Anteriormente o exame era realizado quinzenalmente por ordem de chegada, gerando aglomeração no serviço, reconhecimento social dos usuários, bem como dificultando o acesso daqueles que precisavam fazer o deslocamento da RESEX até a área urbana para coleta de exames e retirada dos medicamentos.

    Para as mulheres vivendo com HIV/AIDS, especificamente, a possibilidade de ser acompanhada por uma equipe multiprofissional tem possibilitado o planejamento familiar, gestação e parto normal, quando há esse desejo por parte delas e mediante laudo de carga viral indetectável, evitando a transmissão vertical para o recém-nascido. Há também a garantia do acesso a fórmula substituta ao leite humano por meio do Projeto Nascer, uma vez que não é possível que essa criança receba amamentação. Entre 2022 e 2024, 15 gestantes foram acompanhadas pelo SAE/CTA, destas, 12 mulheres já eram diagnosticadas com HIV/AIDS e usuárias do serviço, tendo uma gravidez planejada e acompanhada, recebendo tratamento adequado para mãe e filho, o que expressa o vínculo com a equipe multiprofissional e empoderamento sobre os seus direitos. Os recém-nascidos receberam a profilaxia de criança exposta ao HIV, conforme protocolo do Ministério da Saúde, mantendo em seguimento pela equipe, e, até o momento, nenhuma criança desse grupo foi notificada com o vírus.

    Por fim, trata-se de um constante exercício de olhar as especificidades e identificar as melhores maneiras de atender as demandas das comunidades pertencentes à RESEX, no intuito de garantir uma produção de cuidado que respeite os sujeitos, seus modos de vida e suas singularidades, e rompa com as dimensões que envolvem o tema do HIV/AIDS e demais ISTs.

     

    Considerações finais:

                A produção do cuidado em serviços especializados de HIV/AIDS demanda o enfrentamento de aspectos comuns como o preconceito, tabus estigmas sobre o tema, no entanto, também existem as singularidades, como é o caso apresentado nesse trabalho, das comunidades localizadas em Unidades de Conservação na Amazônia. Para tanto, não é possível pensar em produção de cuidado e saúde sem que haja respeito e adaptações as diversas formas de modos de vida, viabilizando e ampliando o acesso às informações, testagem e tratamento adequado, e possibilitando o cuidado integral para todas as pessoas.

     

  • Keywords
  • HIV, Aids, Processos de Trabalho, Amazônia
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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