APRESENTAÇÃO A prostituição configura-se como uma temática tabu e as pessoas que desempenham essa atividade apresentam-se em situação de invisibilidade. Considera-se Profissional do Sexo toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz, que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração ou recompensa. Desde 2002, a prostituição foi oficialmente incluída no Código Brasileiro de Ocupações, este reconhecimento obteve implicações significativas, formalizando o trabalho das pessoas envolvidas nessa área. Contudo, essas pessoas são marginalizadas e frequentemente enfrentam obstáculos em suas vidas, decorrentes de estigma, discriminação e barreiras estruturais, o que dificulta o acesso às/aos Profissionais do Sexo para a realização de estudos. Assim, este trabalho objetiva relatar a experiência sobre a trajetória em campo percorrida por uma pesquisadora até a formação de uma parceria para a construção de um projeto de pesquisa desenvolvido coletivamente com a rede de equidades, sobre/para as/os Profissionais do Sexo na cidade de Pelotas/RS. DESENVOLVIMENTO/RESULTADOS Cronologicamente, o primeiro contato da pesquisadora, nesta época ainda acadêmica de enfermagem com as/os Profissionais do Sexo ocorreu em 2011, quando participou da coleta de dados para a pesquisa “Perfil dos Usuários de Crack e Padrões de Uso”, realizada pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Essa pesquisa visava caracterizar o perfil das pessoas que utilizavam substâncias psicoativas. Embora não fosse especificamente direcionada à Profissionais do Sexo, não era raro encontrar casos em que essas duas condições estavam associadas. Observou-se a dificuldade que alguns entrevistados/as tinham em admitir que atuavam como Profissionais do Sexo. Frequentemente, quando questionados sobre a profissão, respondiam com ocupações aleatórias, mas ao final da entrevista, sentindo-se mais à vontade, retomavam a questão e admitiam ter “omitido” a real ocupação. A coleta de dados para a pesquisa estendeu-se durante o ano de 2012, permitindo à acadêmica adquirir mais experiência no campo de pesquisa. Acompanhada por pessoas com expertise, como a professora, mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPel, e principalmente pelos Agentes Redutores de Danos que conseguiam facilitar o contato e a aproximação até mesmo com os usuários mais difíceis de serem acessados. No mesmo ano, 2012, foi criado o projeto de extensão “Promoção da Saúde no Território: Acompanhamento de Crianças Filhas de Usuários de Crack, Álcool e Outras Drogas” em resposta às necessidades da população evidenciadas na pesquisa. Nesse projeto, era realizado o acompanhamento das famílias, e nesse contexto encontrou-se mães que possuíam ou já haviam tido envolvimento com a prostituição. O acompanhamento das crianças/famílias perdurou até 2014. Nesse período, a acadêmica havia conversado com a professora sobre seu interesse em desenvolver o trabalho de conclusão de curso (TCC) com Profissionais do Sexo. Em 2014, ela procurou a Organização Não Governamental (ONG) Vale a Vida, que desenvolvia ações com a população pretendida. Na ONG, recebeu apoio de uma ativista social, imprescindível desde então. Além do auxílio na indicação de possíveis entrevistadas para o TCC, atuou lado a lado durante o trabalho de campo, realizado em 2015, que culminou na pesquisa “Interfaces do cotidiano de Profissionais do Sexo em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul” que contou com 10 entrevistas. Entre 2014 e 2017, a acadêmica, posteriormente enfermeira, atuou como voluntária na ONG, participando das ações desenvolvidas. Em 2017, a ativista social faleceu, e resultou em um distanciamento temporário da temática e do campo de pesquisa por parte da pesquisadora. Em 2019, com a intenção de retomar os estudos na universidade para cursar o mestrado, a pesquisadora entrou em contato com a ONG para continuar a parceria. Em 2020, ela foi aceita no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da mesma instituição onde havia se formado. Mais uma vez, com o apoio da ONG e apesar dos desafios impostos pela pandemia, foi possível conceber a dissertação de mestrado “Memórias de um Passado Presente: Mulheres Profissionais do Sexo em Tempos de Pandemia do Novo Coronavírus 2019”, que contou com seis entrevistas e foi apresentada em 2022. Ainda instigada por muitas questões que permeiam o mundo da prostituição e com o intuito de continuar estudando, no mesmo ano em que concluiu o mestrado, a pesquisadora foi aprovada para cursar o doutorado no mesmo programa. Desejava continuar pesquisando sobre a temática, mas queria ir além, uma vez que já possuía envolvimento com o campo de pesquisa desde 2011. Buscando uma forma de se aproximar de uma instituição que pudesse fornecer não apenas apoio para continuar suas pesquisas, mas também algum tipo de resposta às questões levantadas, a pesquisadora encontrou uma oportunidade durante um Seminário de Redução de Danos, em meados de 2023. Nesse evento, a pesquisadora conheceu a Coordenadora da Rede de Atenção às Equidades da Secretaria Municipal de Saúde de Pelotas. Esse contato resultou em uma nova parceria, permitindo à pesquisadora continuar seu trabalho com maior respaldo institucional e potencial para gerar impactos significativos. A partir dessa parceria, construiu-se coletivamente, em 2024, um projeto de pesquisa voltado para um levantamento mais abrangente e inédito na cidade. Este projeto foi desenvolvido com a participação da Rede de Equidades, do Programa de Redução de Danos, da Rede de Doenças Crônicas Transmissíveis Prioritárias da Secretaria de Saúde de Pelotas, de uma membra do Conselho Municipal dos Direitos da Cidadania LGBT de Pelotas e da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas. O intuito é unir esforços para conhecer o perfil das pessoas que desenvolvem o trabalho sexual e as questões associadas ao trabalho e à saúde, a fim de elaborar e promover ações estratégicas que atendam às necessidades específicas dessa população na cidade de Pelotas. A necessidade da realização do estudo surgiu da ausência de dados mais completos sobre as/os Profissionais do Sexo. Portanto, uma pesquisa mais ampla contribuirá para o avanço científico, mas principalmente, fornecerá subsídios à Secretaria Municipal de Saúde. A partir desses dados, a secretaria poderá obter uma melhor compreensão da quantidade e perfil das Profissionais do Sexo na cidade, permitindo desenvolver ações específicas que atendam de forma eficaz às necessidades dessa população. CONSIDERAÇÕES FINAIS A trajetória da pesquisadora desde o início de seus estudos até a criação de um projeto de pesquisa abrangente ilustra os desafios e as conquistas no campo da pesquisa sobre/para Profissionais do Sexo. Desde os primeiros contatos em 2011 até a conclusão do mestrado e a aprovação para o doutorado, a persistência e a busca por apoio institucional foram fundamentais para o avanço das investigações. A parceria estabelecida com a Secretaria Municipal de Saúde de Pelotas e outras entidades possibilitou a construção de um projeto inédito, que busca conhecer melhor o perfil e as necessidades dos Profissionais do Sexo na cidade. A realização desse estudo não apenas contribui para a produção científica, mas também fornece subsídios essenciais para a formulação de políticas públicas e ações estratégicas voltadas para a melhoria da saúde e das condições de vida dessa população vulnerável. Com dados mais completos e precisos, espera-se que a Secretaria Municipal de Saúde possa implementar medidas eficazes, promovendo a inclusão e o bem-estar das/os Profissionais do Sexo em Pelotas.