Apresentação: A população idosa experiencia alterações patológicas que podem culminar em perda de autonomia e independência, necessitando do auxílio de um cuidador na realização de atividades de vida diária. Contudo, as múltiplas demandas da prestação do cuidado geram negligência do cuidador às próprias necessidades acarretando sobrecarga e diminuição da qualidade de vida. Portanto, é fundamental ouvir a percepção dos cuidadores acerca dos desafios e demandas da assistência ofertada, bem como capacitá-los para que possam cuidar da própria saúde. Este estudo piloto objetivou identificar os desafios e demandas enfrentados no cuidado ao idoso assistido por uma Unidade de Saúde da Família (USF) de Vitória – ES. Desenvolvimento: O presente estudo trata-se de um piloto integrante de uma pesquisa exploratória, transversal, do tipo qualitativa realizada na USF Luiz Castellar da Silva, localizada no bairro Jesus de Nazareth. Incluiu-se cuidadores cujo idosos fossem cadastrados na Rede Bem-Estar e assistidos pela Estratégia de Saúde da Família, e que aceitassem assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. E excluídos cuidadores cujo contato telefônico não foi exitoso ou não foram localizados e cujo idoso apresentasse óbito ou mudança de local de moradia prévios à realização das entrevistas. Foi realizada uma ligação telefônica para cuidadora da comunidade, escolhida aleatoriamente, visando explicar acerca da realização do estudo e agendar a entrevista presencial. Posteriormente, as pesquisadoras, que passaram por treinamento, foram à residência na data pré-definida. A entrevista contou com uma ficha com perguntas abertas elaboradas pelas autoras, a fim de identificar as percepções acerca dos desafios e demandas do cuidado. Foi solicitada permissão para que as falas fossem gravadas visando minimizar viés de memória, essas foram transcritas e analisadas através da Análise de Bardin. Resultados: A partir da análise, elaborou-se indicadores para a descrição dos relatos, os quais geraram as categorias de análise: sentimentos associados a prestação do cuidado, abdicação dos próprios sentimentos, saúde, tempo, demandas e desejos do cuidador, sobrecarga do cuidador, responsabilidades do cuidado, desafio com os sintomas, personalidade e afecções do idoso, esforço do cuidador pelo idoso e rede de apoio. Fundamentando-se nas categorias e no referencial teórico atual sobre a saúde do cuidador os relatos foram discutidos. Dessa forma, constatou-se através dos relatos da cuidadora que as demandas e múltiplas responsabilidades do cuidado ao idoso dependente geram sobrecarga física e emocional evidenciada por relatos como “caíno’ aqui, cai acolá, mar você tem que ir, o braço dói, perna dói, mas tem que ir...” e “Você cansa, seu braço dói”, os quais denotam sintomas de cansaço físico e mental. Além disso, observa-se a percepção de que a tarefa de cuidar é uma responsabilidade significativa que exige muito do cuidador, externada por falas como “a responsabilidade é muito grande” e “Dá trabalho”. Vale ressaltar a experienciação da sobrecarga psicológica evidenciada por falas que demonstram sentimentos profundos de exaustão como “e além do mais tem hora que sua cabeça ‘estora’, ‘cê’, vão supor, ‘cê’ chora...”, e denotam preocupações constantes, como o medo de prejudicar o idoso, “eu não posso errar, errar um comprimido, se errar, se dá mal pra mim e pra ele, né?”. Através dos relatos verificou-se que a cuidadora possui o entendimento que o idoso está totalmente dependente do cuidado, o que acarreta sentimento de frustração principalmente por ser a única responsável por prestar a assistência, gerando a percepção de estar sozinha no cuidado evidenciada nas falas: “Oh se tivesse uma pessoa aqui pra me ajudar, pelo menos a dá um banho” e “Aí vamu supor... Num tem ninguém... É tu e tu memu, queira ou não queira tem que fazê, cai aqui, cai acolá, mas tem que fazê”. Ademais, a cuidadora relatou dificuldades de aceitação das mudanças ocasionadas pela doença do idoso, a qual foi inesperada e exigiu adaptações na rotina, revelada em: “Sentimento muito pesado, né, que eu não esperava isso, né, e realmente era um homem muito ‘soudávo’ (saudável), trabalhador, parei de trabalhar pra tomar conta dele, né, então, vão supor, é guerra, né, é uma luta em cima de luta...”. Essas transformações influenciaram para que ela assumisse as responsabilidades do marido e do lar como é possível observar: “Que tudo é eu, eu tô sendo o homem, a mulher, tudo ‘dendi’ (dentro de) casa tô”. Outrossim, as falas da cuidadora denotaram abdicação do cuidado a própria saúde e priorização das demandas do idoso a qual é notório no relato “Eu, tem hora que às vezes, ‘inté’ esqueço, até um pouco de mim, pra mim poder dar mais atenção pra eles ‘dendi’ casa, tem hora que às vezes eu esqueço de tomar remédio, lembro dos remédio dele e esqueço de mim, aí vão supor, quando você vai lembrá, se o remédio é de manhã”. Em relação aos desafios da assistência prestada ao idoso, a cuidadora relatou dificuldades com os medicamentos e as demandas do autocuidado do idoso “É muito difícil e outra coisa, é muito remédio” aí que é mais difícil pra mim ó uh, quando ele evacoa e você tem que pegar... Lavar... Passar sabão... Limpar direitinho pra não ficar aquele mal cheiro que isso aí fede muito... Inté o xixi...”. Vale ressaltar que a cuidadora relatou sentimentos positivos, amor e esforço constante pelo idoso observado na fala “sem amor também, não adianta, né?”. A cuidadora transpareceu preocupação com a opinião de terceiros acerca do cuidado prestado externada pela fala “Vamu supor minha casa é pequena, e só tem uma entrada só, chega ali não vê, vê o fedor como é que a pessoa vai, vai falar para mim? ‘Po cheguei na casa de fulana.., mas... Só vê mal cheiro... Só vê a casa fedendo... Só vê ooo fedendo...’ Agora a responsabilidade é de quem?”. Por fim, a cuidadora relatou também diminuição da participação social e a necessidades de adaptações dos momentos de lazer para continuar cuidando do idoso e se divertir ao mesmo tempo enfatizada nas falas “Pouco... Mas é aqui dendi casa mesmo ou cau di que, vão supor, pra poder sair, eu tenho que sair e ter horário pra voltar, né? e “Não, não porque às vezes eu quero sair pouquinho, às vezes eu não quero sair, vou faço minha farrinha em casa, chamo duas colegas, dois colega, com o marido, com o namorado, sobe lá em cima, faz churrasquinho, conversa, liga, toma uma cervejinha. Se distrai aqui bem dentro de casa mermo, tô dando atenção pra ele, tô dando atenção pra um, vão supor. Tô me divertindo mais aqui dentro de casa mermo”. Salienta-se que durante a entrevista a cuidadora se emocionou, chorou, demonstrou constrangimento e tristeza bem como agradeceu por ser ouvida possibilitando a reflexão das pesquisadoras acerca da imprescindibilidade de dar-se voz aos cuidadores e efetivamente atuar nas necessidades biopsicossociais destes. Considerações finais: O cuidador de idosos vivencia desafios e demandas relacionados ao cuidado ao idoso e a própria saúde. Devido as múltiplas responsabilidades, a priorização da assistência ao idoso e a ausência de apoio/suporte social, o cuidador experiencia a redução da participação social e do lazer, o que contribui para diminuição do bem-estar, resultando em sobrecarga. Portanto, fazem-se necessárias ações quanto a elaboração e implementação de políticas públicas referentes a saúde do cuidador e a reorganização das existentes acerca da saúde do idoso visando proporcionar suporte social profissional e a capacitação do cuidador.