Apresentação
O Guia da Gestão Autônoma da Medicação (GAM) foi criado no Canadá com objetivo de defesa de direitos humanos e retirada da medicação psiquiátrica. No Brasil, a estratégia orienta-se pelo aumento do poder de contratualidade dos usuários, cogestão do cuidado, ampliação da autonomia coletiva e de redes, questionando a centralidade da medicação e o assujeitamento. Esta perspectiva autonômica e participativa inspirou práticas e pesquisas no campo de álcool e drogas, infanto-juvenil e na Atenção Primária, extrapolando o escopo do Guia GAM.
Desde 2021 o Fórum de Apoio e Compartilhamento de Práticas de GAM, projeto de extensão da UFF, reúne acadêmicos, trabalhadores e usuários de trinta serviços em seis estados para compartilhamento de experiência, formação e pesquisa.
Desenvolvimento
Com o interesse em construir indicadores qualitativos sobre efeitos da GAM nos dispositivos, foi construído um formulário eletrônico em torno de seis eixos com questões sobre efeitos da prática. Participaram 26 usuários e 19 profissionais de 14 serviços. Foi feita uma análise por núcleo de sentido das respostas com o objetivo de identificar percepções de efeitos nesses eixos de avaliação.
Resultados
I) AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO DE CUIDADO, do interesse, comunicação, respeito, afetividade e escuta entre usuários, em equipe, nas relações de cuidado e sociais. Intensificação do autocuidado, inclusive com a medicação e outras substâncias.
II) AUMENTO DA INTEGRALIDADE NO PROCESSO DE TRABALHO, da implicação dos usuários e reconhecimento de direitos, aumento da participação em atividades coletivas, vinculações e diálogo. Usuários se tornam mais questionadores e atentos às questões dos trabalhadores e dos serviços. Profissionais, estagiários e residentes refletem sobre suas práticas, buscam espaços de formação e de trocas entre serviços.
III) AMPLIAÇÃO DA REDE DE CUIDADO com profissionais e usuários no grupo, no serviço e território, potencializa cuidado compartilhado, redução de danos, escuta distribuída e ações de convivência e parcerias.
IV) INCORPORAÇÃO DA EXPERIÊNCIA DE DIGNIDADE NO PROCESSO DE CUIDADO E NA VIDA, questionamento, autonomia, autoconhecimento, auto aceitação, pertencimento e cuidado mútuo, com diminuição do sofrimento, aumento da consciência sobre os usos de medicações e outras substâncias psicoativas e aumento do acesso à direitos, serviços de saúde, convivência e lazer.
V) DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIAS E DISCRIMINAÇÃO são problematizados no compartilhamento de experiências em saúde mental. O debate sobre racismo tem aumentado com dificuldade. As violências contra mulheres são visibilizadas enquanto a transfobia é ainda silenciada. As violências contra povos indígenas e imigrantes são invisíveis. A criança e o adolescente não são vistos como sujeitos de direitos. Aumenta o interesse pelos saberes tradicionais e práticas integrativas.
VI) INTERESSE PELO CONHECIMENTO seja de formação acadêmica e profissional, seja sobre direitos sociais, saúde e educação pessoal.
Considerações
As práticas de gestão autônoma enfrentam resistências do modelo de atenção centrado nos diagnósticos e medicamentos, verticalidade das relações, descontinuidade interprofissional de influência ambulatorial, voltada para dentro dos serviços com foco no controle e produtividade. A família geralmente se associa à medicamentalização e violências. Valores morais e juízo negativo dificultam o diálogo sobre racismo e diversidade de gênero e valorizam a abstinência ao uso de drogas.